Valor Econômico
Aliados cobram há meses solução para a área
social
No fim do ano passado, um aliado do
presidente Jair Bolsonaro, daqueles poucos que não têm medo de dizer o que
pensa a um homem poderoso de temperamento imprevisível, alertou-o sobre a
urgência de o governo olhar para os milhões de brasileiros que passam fome. A
discussão sobre a necessidade de uma prorrogação do auxílio emergencial já
estava à mesa, mas o apelo ia além. Era imperativo, argumentava o parlamentar
do Centrão, que o governo acelerasse as discussões do programa social que
substituiria o Bolsa Família. Mesmo que a equipe econômica fosse contra a
ampliação do valor do benefício.
A tese, agora aplicada na prática, era que
o mercado precisava compreender que não ganharia todas. A questão era política
e por políticos seria tratada.
O aliado estava impressionado com o número de pessoas pedindo dinheiro nas ruas. Não só no Nordeste, para onde continuava a ir aos finais de semana visitar sua base eleitoral e o Bolsa Família virara um valioso ativo eleitoral do PT. Ele também mantinha reuniões frequentes em São Paulo. Em Brasília, vez ou outra precisava fazer compras. “Não tem um supermercado que você entre e não seja abordado por alguém pedindo ajuda.”
Era preciso, portanto, movimentar a máquina
federal para cativar essa parcela da população. Em outras palavras, agir com
mais celeridade tanto na definição de um novo valor para o principal programa
social do país como acelerar as discussões voltadas à sua reformatação. Àquela
altura, a marca “Bolsa Família” já tinha 17 anos, mas em tese ainda havia tempo
para ela ser apagada da memória do brasileiro.
Além disso, cresciam os rumores de que o
Supremo Tribunal Federal (STF) poderia tornar o ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva novamente elegível, o que de fato começou a ganhar forma em março, com
a decisão do ministro Edison Fachin de anular todas as decisões da 13a Vara
Federal de Curitiba nas ações penais abertas contra o petista no âmbito da
Operação Lava-Jato. No mês seguinte, o plenário da Corte confirmou a decisão e
recolocou no jogo aquele que voltaria a circular pelo país discursando sobre a
sua experiência na implementação de uma política pública considerada referência
mundial no combate à miséria.
Deve-se ponderar que Lula também teve
dificuldades no início de sua gestão para tirar do papel o Fome Zero, promessa
de campanha frustrada que, após uma reorganização dos programas sociais criados
por gestões passadas, acabou gerando o Bolsa Família. Em paralelo, o Cadastro
Único se consolidou como o principal repositório de dados sobre os brasileiros
de baixa renda.
Segundo registros oficiais, o número de
famílias beneficiadas pelo Bolsa Família aumentou substancialmente de 2003 a
2006, quando alcançou 11 milhões de lares. Em 2009, a meta do programa foi fixada
em cerca de 13 milhões de famílias, a qual passou para 13,8 milhões de
beneficiários dois anos depois.
Quando o programa completou 15 anos, o
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) chegou a divulgar um balanço
sobre seus efeitos e concluiu que o Bolsa Família proporcionou a redução de
cerca de 15% no número de pobres e de mais de 25% no número de extremamente
pobres no período. A publicação ocorreu em agosto de 2019, já durante a gestão
Bolsonaro: “Os resultados também sugerem que o que impede o PBF (Programa Bolsa
Família) de ser mais eficaz no combate à pobreza e à desigualdade é o valor
modesto dos benefícios”, registraram os autores do estudo no sumário executivo.
Em 2013, chegou-se ao ponto de a
administração Dilma Rousseff precisar intensificar a mobilização de diversos
ministérios e órgãos federais, além de prefeituras e governos estaduais, para
localizar as famílias em situação de miséria que não eram beneficiadas pelos
programas sociais nem integravam o Cadastro Único. O esforço foi batizado de
“busca ativa”, o qual foi interrompido junto com o mandato da ex-presidente. Na
prática, o Estado mirava o grupo que, anos depois, passou a ser conhecido como
“os invisíveis” localizados durante o enfrentamento da pandemia pelo atual
governo.
Isso só foi possível devido à implementação
do auxílio emergencial, o qual veio com valores superiores ao Bolsa Família e
ampliou a popularidade de Bolsonaro para patamares artificialmente elevados.
Enquanto aliados insistiam em sucessivas
prorrogações do benefício, as áreas técnicas do governo seguiam tentando
desenhar um novo programa social que coubesse no teto de gastos, implementasse
parcerias com a iniciativa privada para dar “portas de saída” aos atendidos e
valorizasse o desempenho escolar das crianças no cálculo dos recursos que
seriam transferidos para as famílias contempladas. Enfim, a tal marca para um
governo formado por pessoas que sempre criticaram o Bolsa Família.
O tempo passou e Bolsonaro, embora tenha
editado em agosto uma medida provisória criando um novo programa no lugar do
Bolsa Família, não apresentou uma solução concreta capaz de colocá-lo de pé sem
atingir de forma fatal a estrutura do teto de gastos. Uma situação que
integrantes da base aliada sabiam que teriam de enfrentar, uma hora ou outra,
diante das dificuldades de aprovar no Congresso as propostas que dariam lastro
fiscal ao projeto, como a PEC dos Precatórios e a reforma do Imposto de Renda.
Para piorar a situação do Executivo, a
oposição demonstra a intenção de elevar o valor do novo programa de R$ 400 para
R$ 600, numa possível reedição da batalha ocorrida entre Planalto e Congresso
durante a definição do valor inicial do auxílio emergencial. Se isso ocorrer,
Bolsonaro pode ter que assumir o ônus político de vetar essa iniciativa e, com
isso, continuar tentando achar uma solução para o problema que criou quando
revogou a medida provisória que instituiu o Bolsa Família em 2003. Esta MP,
aliás, hoje completaria 18 anos de idade. Talvez por isso o governo tenha
corrido tanto para fazer algum anúncio na área social nesta terça-feira.
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