Folha de S. Paulo
Sem a CPI, não se teria consolidado a
percepção de que o governo federal fracassou miseravelmente na pandemia
Quando a CPI da Covid começou,
avaliei que ela seria capaz de produzir
um relatório forte, mas não o impeachment
de Bolsonaro. No plano objetivo, não há o que mudar na análise, mas, no
subjetivo, vejo-me obrigado a morder a língua. A comissão se saiu bem melhor do
que eu esperava.
Não é que eu tenha recobrado a fé em CPIs. Continuo achando que elas não são bons instrumentos de investigação. Fora uns poucos parlamentares, em geral com experiência como delegados ou promotores, os membros dessas comissões não sabem instruir um processo nem estão muito interessados nisso. Sua prioridade é criar fatos políticos e produzir imagens em que apareçam bem, para usá-las na próxima campanha eleitoral.
Politicamente, o mais frequente é que os
núcleos oposicionista e governista mantenham certa paridade de armas, o que
garante que as comissões não avancem muito (se vocês investigarem nossos
amigos, nós investigaremos os seus).
A CPI da Covid fugiu a esse roteiro, antes
de mais nada, porque o governo, em suas múltiplas incompetências, não foi capaz
de articular-se com os partidos que o apoiam para que indicassem membros
alinhados ao Planalto. A comissão acabou ficando com uma composição pouco
sensível aos interesses do governo, o que lhe permitiu agir com independência.
O ingrediente mais importante, porém, foi a
magnitude do desastre. A Covid matou
mais de 600 mil brasileiros, ou 286 de cada 100.000 habitantes. Só
epidemias e guerras produzem morticínios desse calibre. E uma parte desses
óbitos era evitável.
Essa é uma história que não havia como
ignorar, e a CPI foi o único canal institucional pelo qual ela pôde ser
contada, já que a Câmara e a PGR optaram por não se mexer. Sem a CPI, não se
teria consolidado na população a percepção de que o governo federal fracassou
miseravelmente em suamissão de enfrentar a pandemia —o que basta para
garantir-lhe um lugar na história.
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