terça-feira, 8 de novembro de 2022

Luiz Gonzaga Belluzzo* - O mundo dos Quanta e a economia

Valor Econômico

Somente tornando-se capaz de fazer mais e melhor, uma economia gera mais valor e renda

Em seu livro “Abismo Vertiginoso”, Carlo Rovelli nos atrai de forma brilhante e esclarecedora para o mundo estranho e fascinante da física quântica. A estranheza não se abateu tão somente sobre os ombros dos leigos curiosos - como este que ora tem a ousadia de lhes escrever sobre o tema - mas afetou os cérebros privilegiados que se dedicaram a estudar os fenômenos quânticos com dedicação e expertise.

No livro, Rovelli apresenta um exemplo simples: “Tomemos um objeto, a cadeira que tenho diante de mim. É real e de fato está diante de mim: não há dúvida. Mas o que exatamente significa que aquele conjunto seja um objeto, uma entidade, uma cadeira, real? A noção de cadeira é definida por sua função: um móvel construído para que possamos nos sentar. Pressupõe a humanidade, que se senta. Não diz respeito à cadeira em si: diz respeito à maneira como a concebemos”.

Uma versão sintética de suas concepções pode ser haurida em um artigo publicado recentemente no jornal The Guardian:

“A ideia nos leva a repensar a realidade em termos de relações em vez de objetos, entidades ou substâncias. A possibilidade de que isso poderia ser o que a física quântica está nos dizendo sobre a natureza foi sugerida pela primeira vez há um quarto de século. Por um tempo permaneceu em grande parte despercebido, então vários grandes filósofos o pegaram e começaram a discuti-lo. Hoje em dia o interesse pela ideia, chamada de Interpretação Relacional da Mecânica Quântica, está crescendo constantemente. É uma possível solução para o quebra-cabeça da teoria quântica: o que são fenômenos quânticos é evidência de que todas as propriedades são relacionais”.

Na Introdução do interessante livro “Para Não Esquecer”, o organizador da obra, Marcos Mendes adverte: “A motivação para a organização desta obra é ajudar a evitar a repetição de erros. Utilizar os já cometidos como aprendizado. Não parece tarefa fácil. Antes mesmo da conclusão do livro, o debate público já estava cogitando a reedição ou aprofundamento de erros aqui analisados.

Cabe, por isso, questionar quais seriam as causas dos erros em políticas públicas e da persistência e repetição desses erros. São várias as suas fontes, começando por diagnósticos incompatíveis com a realidade. Seja por tentar encaixar os fatos dentro de sua visão do mundo, seja por não fazer o dever de casa de conduzir uma cuidadosa avaliação ex-ante do problema a resolver, muitos policy makers lançam propostas inconsistentes. O uso dos gastos do governo como ferramenta para estimular o crescimento econômico é um caso típico. A moderna literatura nos ensina que crescimento decorre basicamente de aumento da produtividade. Somente tornando-se capaz de fazer mais e melhor, uma economia gera mais valor e renda. Trata-se de aumentar a capacidade de oferta da economia.

É, contudo, forte a ideia de que crescimento pode ser gerado pelo lado da demanda: o governo gasta mais, isso aumenta a renda das famílias e o consumo, induzindo as empresas a investirem mais e, com isso, aumentarem o produto. Seguidas tentativas nessa direção, ao longo da nossa história, levaram a gastos públicos de baixa qualidade, déficit público, aumento de juros, inflação e recessão”.

As teorias econômicas convencionais cuidam de objetos e desconsideram as relações. Estão encharcadas de indagações do tipo “é isto ou aquilo”?, “Certo ou Errado”? A disjuntiva “Errado ou Certo” obscurece a compreensão das articulações estruturais que comandam o movimento contraditório das economias capitalistas. Contraditório quer dizer “isto e aquilo”, o que provoca desarranjos nas mentalidades positivistas.

Peço ao leitor que permita ao economista invocar um filósofo da estatura de Hegel para arrostar esse viés metodológico. Na Introdução à Ciência da Lógica o mestre de Iena asseverou:

“Quando as formas são tomadas como determinações fixas e consequentemente em sua separação uma da outra, e não como uma unidade orgânica, elas são formas mortas e o espírito que anima sua vida, a unidade concreta não reside nelas....O conteúdo das formas lógicas nada mais é senão o fundamento sólido e concreto dessas determinações abstratas; e o ser substancial dessas abstrações é usualmente buscado fora delas”. Prossigo em minha ousadia para sublinhar o trecho “em sua separação uma da outra, e não como uma unidade orgânica, elas são formas mortas e o espírito que anima sua vida, a unidade concreta não reside nelas”.

A separação um do outro - o “lado da demanda” e o “lado da oferta” - não faz sentido para o tratamento da “economia como um todo”, tal como a concebia Keynes, o John Maynard. Em uma carta endereçada aos assessores de Roosevelt, Keynes desfiou argumentos a respeitos das relações oferta e demanda.

“Nós produzimos a fim de vender. Em outras palavras, nós produzimos em resposta aos gastos. É impossível supor que nós possamos estimular a produção e o emprego, abstendo-se de gastar. Então, como eu disse, a resposta é óbvia.

Mas, em um segundo olhar, vejo que a questão tem sido encaminhada para inspirar uma dúvida insidiosa. Para muitos, gasto significa extravagância. Um homem que é extravagante logo se torna pobre. Como, então, uma nação pode tornar-se rica, fazendo o que empobrece um indivíduo? Esse pensamento desnorteia o público.

No entanto, um comportamento que pode fazer um único indivíduo pobre pode fazer uma nação rica. Quando um indivíduo gasta, ele não afeta só a si mesmo, mas outros. A despesa é uma transação bilateral. Se eu gastar minha renda para comprar algo que você pode fazer para mim, eu não aumentei minha própria renda, mas aumentei a sua.

Se você responder comprando algo que eu posso fazer para você, então minha renda também é aumentada. Assim, quando estamos a pensar na nação como um todo, devemos ter em conta os resultados como um todo. O resto da comunidade é enriquecido pela despesa de um indivíduo. Sua despesa é simplesmente uma adição à renda de todos os outros.

Há apenas um limite para que o rendimento de uma nação possa ser aumentado desta forma: o limite fixado pela capacidade física de produzir.

*Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp.

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