Valor Econômico
Somente tornando-se capaz de fazer mais e
melhor, uma economia gera mais valor e renda
Em seu livro “Abismo Vertiginoso”, Carlo
Rovelli nos atrai de forma brilhante e esclarecedora para o mundo estranho e
fascinante da física quântica. A estranheza não se abateu tão somente sobre os
ombros dos leigos curiosos - como este que ora tem a ousadia de lhes escrever
sobre o tema - mas afetou os cérebros privilegiados que se dedicaram a estudar
os fenômenos quânticos com dedicação e expertise.
No livro, Rovelli apresenta um exemplo
simples: “Tomemos um objeto, a cadeira que tenho diante de mim. É real e de
fato está diante de mim: não há dúvida. Mas o que exatamente significa que
aquele conjunto seja um objeto, uma entidade, uma cadeira, real? A noção de
cadeira é definida por sua função: um móvel construído para que possamos nos
sentar. Pressupõe a humanidade, que se senta. Não diz respeito à cadeira em si:
diz respeito à maneira como a concebemos”.
Uma versão sintética de suas concepções pode ser haurida em um artigo publicado recentemente no jornal The Guardian:
“A ideia nos leva a repensar a realidade em
termos de relações em vez de objetos, entidades ou substâncias. A possibilidade
de que isso poderia ser o que a física quântica está nos dizendo sobre a
natureza foi sugerida pela primeira vez há um quarto de século. Por um tempo
permaneceu em grande parte despercebido, então vários grandes filósofos o
pegaram e começaram a discuti-lo. Hoje em dia o interesse pela ideia, chamada
de Interpretação Relacional da Mecânica Quântica, está crescendo
constantemente. É uma possível solução para o quebra-cabeça da teoria quântica:
o que são fenômenos quânticos é evidência de que todas as propriedades são relacionais”.
Na Introdução do interessante livro “Para
Não Esquecer”, o organizador da obra, Marcos Mendes adverte: “A motivação para
a organização desta obra é ajudar a evitar a repetição de erros. Utilizar os já
cometidos como aprendizado. Não parece tarefa fácil. Antes mesmo da conclusão
do livro, o debate público já estava cogitando a reedição ou aprofundamento de
erros aqui analisados.
Cabe, por isso, questionar quais seriam as
causas dos erros em políticas públicas e da persistência e repetição desses erros.
São várias as suas fontes, começando por diagnósticos incompatíveis com a
realidade. Seja por tentar encaixar os fatos dentro de sua visão do mundo, seja
por não fazer o dever de casa de conduzir uma cuidadosa avaliação ex-ante do
problema a resolver, muitos policy makers lançam propostas inconsistentes. O
uso dos gastos do governo como ferramenta para estimular o crescimento
econômico é um caso típico. A moderna literatura nos ensina que crescimento
decorre basicamente de aumento da produtividade. Somente tornando-se capaz de
fazer mais e melhor, uma economia gera mais valor e renda. Trata-se de aumentar
a capacidade de oferta da economia.
É, contudo, forte a ideia de que
crescimento pode ser gerado pelo lado da demanda: o governo gasta mais, isso
aumenta a renda das famílias e o consumo, induzindo as empresas a investirem
mais e, com isso, aumentarem o produto. Seguidas tentativas nessa direção, ao
longo da nossa história, levaram a gastos públicos de baixa qualidade, déficit
público, aumento de juros, inflação e recessão”.
As teorias econômicas convencionais cuidam
de objetos e desconsideram as relações. Estão encharcadas de indagações do tipo
“é isto ou aquilo”?, “Certo ou Errado”? A disjuntiva “Errado ou Certo”
obscurece a compreensão das articulações estruturais que comandam o movimento
contraditório das economias capitalistas. Contraditório quer dizer “isto e
aquilo”, o que provoca desarranjos nas mentalidades positivistas.
Peço ao leitor que permita ao economista
invocar um filósofo da estatura de Hegel para arrostar esse viés metodológico.
Na Introdução à Ciência da Lógica o mestre de Iena asseverou:
“Quando as formas são tomadas como determinações
fixas e consequentemente em sua separação uma da outra, e não como uma unidade
orgânica, elas são formas mortas e o espírito que anima sua vida, a unidade
concreta não reside nelas....O conteúdo das formas lógicas nada mais é senão o
fundamento sólido e concreto dessas determinações abstratas; e o ser
substancial dessas abstrações é usualmente buscado fora delas”. Prossigo em
minha ousadia para sublinhar o trecho “em sua separação uma da outra, e não
como uma unidade orgânica, elas são formas mortas e o espírito que anima sua
vida, a unidade concreta não reside nelas”.
A separação um do outro - o “lado da
demanda” e o “lado da oferta” - não faz sentido para o tratamento da “economia
como um todo”, tal como a concebia Keynes, o John Maynard. Em uma carta
endereçada aos assessores de Roosevelt, Keynes desfiou argumentos a respeitos
das relações oferta e demanda.
“Nós produzimos a fim de vender. Em outras
palavras, nós produzimos em resposta aos gastos. É impossível supor que nós
possamos estimular a produção e o emprego, abstendo-se de gastar. Então, como
eu disse, a resposta é óbvia.
Mas, em um segundo olhar, vejo que a
questão tem sido encaminhada para inspirar uma dúvida insidiosa. Para muitos,
gasto significa extravagância. Um homem que é extravagante logo se torna pobre.
Como, então, uma nação pode tornar-se rica, fazendo o que empobrece um
indivíduo? Esse pensamento desnorteia o público.
No entanto, um comportamento que pode fazer
um único indivíduo pobre pode fazer uma nação rica. Quando um indivíduo gasta,
ele não afeta só a si mesmo, mas outros. A despesa é uma transação bilateral.
Se eu gastar minha renda para comprar algo que você pode fazer para mim, eu não
aumentei minha própria renda, mas aumentei a sua.
Se você responder comprando algo que eu
posso fazer para você, então minha renda também é aumentada. Assim, quando
estamos a pensar na nação como um todo, devemos ter em conta os resultados como
um todo. O resto da comunidade é enriquecido pela despesa de um indivíduo. Sua
despesa é simplesmente uma adição à renda de todos os outros.
Há apenas um limite para que o rendimento
de uma nação possa ser aumentado desta forma: o limite fixado pela capacidade
física de produzir.
*Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp.
Nenhum comentário:
Postar um comentário