terça-feira, 8 de novembro de 2022

Míriam Leitão - Problemas reais e volatilidade

O Globo

Novo governo tem questões concretas para resolver bem mais sérias do que a oscilação da bolsa e do dólar

O mercado financeiro gosta de volatilidade. Uma forma de produzir isso é ventilar o nome de um liberal para o comando da economia. Isso eleva as cotações. O nome é depois descartado. As cotações revertem. A preocupação no PT não é com esse tipo de oscilação, mas em procurar um valor para o aumento das despesas, e ao mesmo tempo chegar num acordo interno sobre qual a melhor baliza fiscal para substituir o teto de gastos. O mercado ontem ficou estressado com o nome de Fernando Haddad no Ministério da Fazenda. O novo governo tem uma lista enorme de desafios reais para enfrentar.

A equipe de transição está mergulhada nas soluções para o rombo do orçamento. O mais correto do ponto de vista da segurança jurídica é aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional que abra espaço no Teto de Gastos. Desmoralizado ou não, ele está em vigor e foi colocado na Constituição. Inicialmente se falou que o valor ideal para englobar todas as despesas extras a serem feitas para cobrir buracos no Orçamento e garantir os R$ 600 do Bolsa Família seria R$ 200 bi. Ontem, falava-se no valor de R$ 100 bi, mesmo número que está na proposta feita por seis especialistas independentes. Um deles está conversando com o escritório de transição, o economista Persio Arida. Outro já trabalhou no PT, o economista Bernard Appy.

Nem tudo é orçamento e meta fiscal. Há um mundo de posições que o novo governo terá que tomar antes mesmo da posse. Nos dois governos Lula foi feita a reforma da Previdência dos servidores públicos, mas a proposta de reforma tributária não foi adiante. De lá para cá, houve um avanço nas discussões da reforma, iniciadas a partir de um projeto feito por Appy. Seria bom recomeçar desse ponto. Para isso será preciso conversar com governadores e prefeitos. Na administração Bolsonaro, essa aliança formada entre Câmara, estados e prefeituras por um novo Imposto sobre Valor Agregado foi totalmente ignorada. O que o atual governo queria era uma nova CPMF. A ideia de um imposto sobre dividendos com queda do tributo sobre empresa foi proposta por todas as campanhas em 2018, e voltou a aparecer em 2022. Tem que estar dentro de uma reforma tributária e não em fatias como fez o governo Bolsonaro.

Qualquer problema para a emergência da educação terá que ser encontrada em um acordo com governadores e prefeitos. O MEC precisa reassumir seu papel. No atual governo, o MEC é uma balbúrdia. O conflito com os estados era parte da proposta política de conflito com terceirização de culpas. Nada pôde ser construído naquele ambiente e mais o desmonte de órgãos técnicos.

A ideia de um revogaço das normas e decretos, infralegais, nas áreas do armamentismo e do meio ambiente é excelente. Mas não é o suficiente. Já há um exército civil armado no Brasil, com mais armas do que as polícias militares. Eles já se aproveitaram de tudo o que permanecerá em vigor até o ano que vem. É preciso desarmar o país. Na área ambiental, o crime cresceu, se fortaleceu, se armou e criou rede. Além das inúmeras regras impostas pelo governo Bolsonaro, há propostas perigosas no Congresso.

Na área de energia há uma grande armadilha. Continuar ou não subsidiando os combustíveis? Custa R$ 52 bilhões a isenção de impostos federais. Pior: houve recentemente um salto na cotação internacional de diesel, porque a margem de refino subiu. Os especialistas avaliam que o preço deve continuar aumentando nas próximas semanas, porque essa margem nunca esteve tão alta. O subsídio pode ficar cada vez mais caro além de ser o oposto do que se deve fazer no combate à mudança climática. Por outro lado, reonerar imediatamente provocaria um salto nos preços dos combustíveis e na inflação.

Na expansão da energia será preciso resistir à tentação de construir as grandes hidrelétricas na Amazônia. Há um insistente lobby sobre elas. Mas o presidente eleito deve se lembrar da conversa que teve no último Acampamento Terra Livre com as lideranças indígenas, em abril passado. Na parte do encontro que foi a portas fechadas, os indígenas disseram que não se esqueceram de Belo Monte. A usina afetou violentamente a vida dos ribeirinhos e os povos indígenas do Xingu. A nova energia não pode ser produzida à custa da vida das populações locais. Há problemas reais com o que se preocupar, maiores do que o sobe e desce de cotações no mercado.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Exatamente.