O Globo
Na terceira vez ocupando a presidência,
petista enfrenta um mundo com interesses econômicos subdeterminados por
contextos políticos
A viagem do Presidente Lula à China causou
muitas reações. A movimentação de Lula, se traz oportunidades, traz também
riscos, porque, na última década, o mundo tem se caracterizado pelo fenômeno da
fragmentação geoeconômica.
Mas o que é este fenômeno?
No mundo que emergiu da Guerra Fria, as
palavras de ordem eram livre comércio e mercados abertos. Mesmo a China e a
Rússia foram integradas aos mercados internacionais e reconhecidas como
economias de mercado.
A História parecia ter chegado ao fim, com a democracia de mercado tendo prevalecido como modelo hegemônico, como conjecturou o cientista político Francis Fukuyama.
Contudo, esse conto de fadas do liberalismo
global parece ter chegado ao fim. Nacionalistas anticomércio — como Donald
Trump, nos Estados Unidos — chegaram ao poder pelo voto. Com isso, o consenso
quanto à integração do Ocidente aos mercados globais passou a ser desafiado.
Mais recentemente, a invasão da Ucrânia
pela Rússia exacerbou essa questão, forçando uma série de países a tomarem
decisões econômicas que normalmente não seriam tomadas pelo viés da diplomacia.
Por exemplo, alguns países europeus cortaram relações comerciais e financeiras
com a Rússia. Os interesses geopolíticos se sobrepuseram aos interesses
econômicos e tornaram os ganhos da cooperação impossíveis, mesmo que isso leve
a algumas perdas.
Embora esse seja um caso extremo, ele
ilustra bem o que é a fragmentação geoeconômica: nesta última década, em
diversos momentos, os interesses econômicos passaram a estar subdeterminados
pelos interesses geopolíticos.
Há algumas décadas, falávamos de
offshoring, com empresas ocidentais fazendo investimentos na Ásia para
aproveitar os baixos custos de produção por lá e exportar para o resto do
mundo. Hoje, fala-se de reshoring — isto é, trazer essas fábricas de volta para
os países de origem; ou de “friendshoring” — ou seja, fazer esses investimentos
não mais na China ou na Ásia, mas em aliados estratégicos, como o México, o
Leste Europeu, ou países do Caribe.
Esses movimentos não são espontâneos. O
governo americano tem se movimentado para incentivar o retorno de fábricas para
o país. Segundo dados de um estudo recente do FMI, o investimento estrangeiro
direto na China caiu em 60% desde 2015, enquanto nos EUA e na Europa aumentou
em 40%.
Este é um dos riscos da movimentação de
Lula. Num mundo em que as decisões econômicas operam num arcabouço predefinido
por interesses estratégicos, se o Brasil for percebido como parte de um dos
grupos, isso pode definir o futuro econômico do país.
Mas qual é a melhor estratégia?
Um trabalho recente que escrevi com o
economista Eddy Bekkers, publicado ano passado como um documento de pesquisa da
Organização Mundial do Comércio, ajuda a responder a essa questão. Nele, nós
usamos um modelo matemático para simular um cenário de “nova guerra fria”, em
que o mundo se divide entre dois blocos: um bloco ocidental e outro oriental.
Esse é um cenário radical, em que o nível de comércio entre os blocos se reduz
muito, mas ilustra perdas potenciais.
Neste cenário, duas coisas chamam atenção.
Primeiro, ficar preso no bloco dos países
menos produtivos é muito ruim — como na Guerra Fria real, as perdas dinâmicas
de longo prazo podem ser grandes. Para os países mais pobres, na nossa
simulação, as perdas acumuladas chegam a ser de 12% do PIB em 20 anos. Nós não
simulamos o Brasil separadamente, mas as perdas acumuladas para a América
Latina, quando incluída no bloco oriental, são de 5% do PIB em 20 anos.
Segundo, a melhor estratégia é sempre
comercializar com todo mundo. Por isso, em tese, a estratégia de buscar uma
solução neutra, em que você seja aceito por todas as partes, é ideal
Se Lula quer ou não reviver a Política
Externa Independente ou dar início a um novo Movimento dos Não Alinhados, há
outros colunistas do GLOBO mais competentes que eu para analisar. Mas o fato é
que, em um mundo caracterizado cada vez mais pela geofragmentação econômica, o
risco de ser percebido como um desafeto pode custar caro.
Pode significar que você está fora de uma
rodada de investimentos de “friendshoring”. Ou mesmo o cancelamento de acordos
futuros, mesmo aqueles já bem encaminhados como o acordo comercial
Mercosul-União Europeia ou o acordo de adesão do Brasil à OCDE. Nesse panorama,
é preciso dosar a estratégia para evitar riscos excessivos.
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