sábado, 22 de abril de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Contribuição a sindicatos não deve ser compulsória

O Globo

Julgamento no Supremo poderá promover retrocesso se restabelecer nova versão do imposto sindical

Foi mais que oportuno o pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), num julgamento que pode restabelecer contribuições compulsórias a sindicatos, extintas na reforma trabalhista de 2017. Ao contrário do que o Supremo decidira antes no caso das contribuições sindical e confederativa, o relator, ministro Gilmar Mendes, mudou de ideia e decidiu acolher a demanda para tornar obrigatória a contribuição assistencial.

O voto de Gilmar representa uma reviravolta na posição que ele próprio defendera neste caso e em votações anteriores a respeito do tema no STF. Foi provocada, segundo ele mesmo escreveu, pela argumentação do ministro Luís Roberto Barroso em favor da obrigatoriedade. Na votação em plenário virtual cujo encerramento estava previsto para a próxima segunda-feira, Barroso e a ministra Cármen Lúcia já haviam concordado com Gilmar, até o pedido de vista de Moraes.

O argumento central de Barroso para defender a obrigatoriedade é o enfraquecimento das finanças dos sindicatos, decorrente do fim da contribuição sindical compulsória e das decisões anteriores do Supremo sobre as contribuições confederativa e assistencial. “Tendo em vista a natureza não tributária dessas contribuições, o STF entendeu que, em ambos os casos, a cobrança de empregados não filiados ao sindicato violaria a liberdade de associação”, escreveu Barroso em seu voto.

Para reerguer os sindicatos, ele sugere que a contribuição assistencial — cujo objetivo é fortalecer negociações coletivas que beneficiam toda a categoria — seja como regra cobrada de todos, mesmo dos não sindicalizados, mas que o funcionário possa recusar pagá-la (“direito de oposição”).

Se prevalecer, a decisão representará um retrocesso. Ela advém de uma visão antiquada da atividade sindical. Uma vez que uma minoria exercerá o tal “direito de oposição”, na prática ela restabelece uma fonte estável de dinheiro para as associações, sem que elas precisem oferecer nada em troca por isso. O argumento de Barroso supõe que uma contribuição compulsória é a única forma de recompor as finanças sindicais. Trata-se de uma falácia. Antes da reforma trabalhista, a contribuição sindical era obrigatória apenas no Brasil, no Equador e no Egito. Não consta que nos demais países falte força ao movimento sindical por causa disso.

É verdade que os sindicatos perderam recursos. Pelos dados do Ministério do Trabalho, faturavam R$ 3 bilhões com a contribuição sindical em 2017 e passaram a receber R$ 66 milhões em 2021. Mas o espírito da reforma era justamente acabar com a fonte cativa de dinheiro, que sempre garantiu vida de elite aos líderes sindicais, sem grande benefício aos trabalhadores. Em vez disso, as associações de trabalhadores deveriam se modernizar e prestar serviços relevantes para fazer jus ao que recebem dos representados.

Acomodadas no modelo vigente de monopólio sindical por categoria, as lideranças sindicais preferem fazer pressão pela volta das contribuições compulsórias, instituídas na Era Vargas. Viram no novo governo do ex-sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva a oportunidade de resgatar a vantagem perdida. Nas decisões anteriores, o Supremo teve o bom senso de expor a inconstitucionalidade de recriar um imposto sindical. Não tem cabimento mudar de ideia agora, só pela conveniência política de restabelecer privilégios extintos.

Manipulação de resultados põe em xeque credibilidade do futebol

O Globo

Fraudadores subornaram atletas também na Série A para faturar em sites de aposta, revela MP de Goiás

É preocupante a constatação de que o esquema de manipulação de resultados em partidas de futebol para favorecer quadrilhas de apostadores é maior do que se pensava. Investigações do Ministério Público (MP) de Goiás revelaram que, além da Série B, a fraude atinge também a Série A — que reúne a elite dos times brasileiros — e campeonatos regionais de pelo menos cinco estados.

A máfia das apostas começou a ser desarticulada depois de uma denúncia do Vila Nova que deu origem à Operação Penalidade Máxima. A farsa só foi descoberta porque o plano não deu certo e vazou. Em fevereiro deste ano, a Justiça de Goiás aceitou a denúncia do MP contra 14 acusados — oito jogadores da Série B e seis integrantes do núcleo de apostadores.

Na última terça-feira, o MP goiano deflagrou a Operação Penalidade Máxima II, cumprindo 20 mandados de busca e apreensão e três de prisão preventiva em seis estados. As investigações mostraram que a quadrilha aliciava atletas também na Série A, oferecendo-lhes entre R$ 50 mil e R$ 100 mil para que cumprissem ações como forçar punições com cartões amarelos e vermelhos ou cometer pênaltis. Os fraudadores lucravam ao apostar nesses cenários em sites.

Estão sob suspeita pelo menos seis partidas da Série A entre 10 de setembro e 10 de novembro do ano passado, reta final do Brasileirão. Um atleta já confessou ter participado do esquema fraudulento no jogo entre Juventude e Palmeiras.

Cenário previsível diante da multiplicação dos sites de apostas, a manipulação de resultados para favorecer fraudadores desafia federações e clubes no mundo inteiro, apesar das estratégias de vigilância adotadas. A agência de monitoramento contratada pela CBF identificou no ano passado 139 jogos com movimentações atípicas em casas de apostas, 56% acima do anterior. Neste ano, 23 já despertaram suspeita.

A varredura precisa ser feita sistematicamente, de modo a identificar indícios de fraudes, e os casos suspeitos devem ser encaminhados à polícia e ao MP para que sejam investigados. É fundamental adotar fora de campo o mesmo rigor imposto pelos árbitros dentro das quatro linhas. Só a aplicação da lei desencorajará os criminosos, sejam eles empresários, apostadores, aliciadores ou atletas.

Manipular resultados é fato grave. Não afeta apenas o jogo sob suspeita, mas todo o torneio, uma vez que a fraude pode ter reflexo na pontuação e, consequentemente, na classificação do campeonato. Em competições acirradas, como as Séries A e B do Brasileirão, qualquer ponto perdido pode selar o destino de um clube.

Num momento em que as apostas proliferam, federações, clubes, atletas, empresas e todos os envolvidos com o universo do futebol estão diante de um problema que precisa ser enfrentado. Não se pode compactuar com nenhuma fraude. Não apenas porque times podem ser prejudicados, mas porque o torcedor, que paga pelo espetáculo, não merece ser ludibriado. A credibilidade do futebol está em jogo.

Passos corretos

Folha de S. Paulo

Planos para crédito e PPPs são primeira mostra de atenção à eficiência econômica

O governo divulgou plano que pretende incrementar as garantias para o crédito, facilitar investimentos por meio de parcerias público-privadas e proteger direitos de acionistas e investidores em geral. No pacote estão novos projetos de lei, pedidos de urgência para outros já em tramitação no Congresso Nacional e medidas infralegais.

Ainda que não tenham impacto imediato na redução de riscos e das taxas de juros, ou na ampliação de investimentos, tais providências podem favorecer negócios, aumentar a segurança jurídica e diminuir ineficiências nos mercados de crédito —o que, a longo prazo, tende a contribuir para o crescimento da economia.

De maior destaque são as medidas que tentam impulsionar as parcerias público-privadas (PPPs) em estados e municípios e a possibilidade de que empresas possam emitir debêntures (títulos privados) incentivadas para financiar novos tipos de obras e serviços.

As PPPs são um tipo de contrato entre governos e empresas. Estão atualmente um tanto emperradas no Brasil, em parte por falta de garantias de pagamento pelos governos regionais.

Agora, em caso de inadimplência com as empresas concessionárias, o governo federal bancará a conta, recuperando posteriormente tais recursos de estados e municípios.

Além disso, será possível que concessionárias levantem recursos no mercado de capitais por meio de debêntures para novas áreas de infraestrutura. Isto é, a fim de financiar projetos específicos, elas poderão vender títulos mais atrativos —sobre o rendimento desses papeis não incidirá Imposto de Renda, no caso de pessoa física.

Atualmente, esse instrumento permite investimentos em transporte, logística, energia, telecomunicações ou saneamento, por exemplo. Agora, o objetivo é atrair capital para educação, saúde, segurança, presídios, conservação ambiental, habitação social e reformas urbanas.

O pacote é um primeiro sinal de que o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem algum compromisso com as chamadas reformas microeconômicas. Deveria ser um exemplo de bom senso para aqueles que querem sabotar mudanças na gestão das estatais, reverter privatizações ou desmontar o penoso avanço que foi a aprovação do marco legal do saneamento.

Medidas dessa natureza podem atenuar problemas estruturais como as aberrantes taxas de juros brasileiras. Podem fazer com que o país fique menos distante de ter uma economia de mercado funcional, mais eficiente na alocação de recursos, segura e, pois, com custo mais decente de crédito.

Empreitada de risco

Folha de S. Paulo

Apesar do discurso ambientalista, governo quer elevar produção de petróleo

No seu discurso de vitória nas eleições de 2022, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse que iria "provar que é possível gerar riqueza sem destruir o meio ambiente". Passados quase seis meses, contudo, o governo emite sinais no sentido contrário.

Segundo a Agência Internacional de Energia, zerar as emissões de carbono até 2050, essencial para limitar o aquecimento em 1,5ºC, depende de que não haja novos investimentos em combustível fóssil.

Aqui, porém, o Ministério de Minas e Energia anunciou que escalará a extração de petróleo para que o país se torne o quarto maior produtor mundial —atualmente, é o oitavo. Ainda mais preocupante, o cenário da empreitada é um dos locais mais sensíveis do Brasil.

A Petrobras busca licenciamento para perfurar na bacia sedimentar da foz do rio Amazonas. Entretanto o Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) alerta para a ausência da chamada avaliação ambiental de área sedimentar (AASS).

A empresa diz que apresentou estudos de impacto ambiental e que a AASS, competência dos ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente, não é obrigatória.

Em resposta, o instituto esclarece que a AASS é mais segura, já que analisa se a região como um todo —não só o bloco específico da perfuração— é apta para exploração.

Para servidores do Ibama ouvidos pela Folha, a avaliação deveria ter sido feita antes do leilão dos lotes na foz do Amazonas, em 2013.

Localizado a cerca de 160 km da costa do Oiapoque (AP), a zona abriga os maiores manguezais do país, imensos sistemas de recifes de corais e recursos pesqueiros. Para especialistas, a exploração de petróleo no local é um dos empreendimentos mais preocupantes atualmente, devido ao risco potencial de uma catástrofe ambiental.

Mesmo assim, o governo mantém a justificativa de criar emprego e renda na região. No entanto há projetos de manejo sustentável de rios e florestas que podem ser implementados para esse fim.

Ademais, tanto Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, quanto Mercedes Bustamante, do painel científico do clima da ONU, apontam para a necessidade de investimentos em novas tecnologias e em formação profissional para seguir a tendência global que transforma empresas de petróleo em empresas de energia limpa.

O desafio é conjugar produtividade com defesa da biodiversidade. O próprio presidente, no seu discurso da vitória, disse que sabe como fazer. Então, que faça.

A LRF não é optativa

O Estado de S. Paulo

A proposta de regime fiscal desfigura a LRF. Ora, o governo não pode se dar o direito de escolher se vai ou não cumprir a lei, em especial um marco jurídico tão importante para o País

A proposta de arcabouço fiscal apresentada pelo governo Lula ao Congresso, em si mesma insuficiente para assegurar equilíbrio nas contas públicas, é também nociva ao País, ao desfigurar um marco jurídico que, nas últimas duas décadas, tem sido fundamental para o exercício republicano do poder na administração pública: a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF, a Lei Complementar 101/2000).

O Projeto de Lei Complementar (PLC) 93/23, apresentado pelo governo, é contraditório. Segundo o Ministério da Fazenda, o objetivo do novo arcabouço fiscal é “deixar claro para investidores, sociedade em geral e agentes internacionais como o governo vai equilibrar e manter sob controle as contas públicas, e ainda realizar investimentos nos próximos anos”. No entanto, o art. 7.º do PLC 93/2023 traz diversas alterações na LRF que mitigam a responsabilidade jurídica de quem descumprir as exigências fiscais.

Não faz nenhum sentido propor novas regras fiscais e, ao mesmo tempo, dizer que essas regras não devem valer sempre ou ainda que seu descumprimento não será penalizado. É o próprio formulador das novas regras dizendo que elas não precisam ser rigorosamente cumpridas. Se era um projeto de lei para transmitir confiança sobre a capacidade do governo de controlar as contas públicas, o conteúdo do texto difunde a mensagem oposta.

O Congresso tem o dever de rejeitar as alterações propostas na LRF. O que o governo Lula fez com o PLC 93/2023 é muito mais grave do que descumprir a LRF. Ele está tentando assegurar impunidade a todos os futuros descumprimentos da legislação fiscal. Trata-se de uma ousadia que não foi implementada nos dois primeiros governos de Lula nem nos piores momentos de Dilma Rousseff na Presidência da República. É um acinte que, no momento em que o País tanto necessita de um arcabouço fiscal minimamente sério, o Executivo federal venha a alterar precisamente a lei que põe alguns limites no descontrole e na irresponsabilidade. É tempo de construir, mas o PT parece mais interessado em destruir.

A ironia é que, com o art. 7.º do PLC 93/2023 mudando as normas da LRF, o governo de Lula da Silva reconhece a existência de fundamento jurídico para o impeachment de Dilma Rousseff. O processo não se baseou apenas numa questão política. Não foi preciso “inventar” um crime de responsabilidade. A lei estabelecia de forma tão cristalina as consequências do descumprimento das regras fiscais que o PT, já no primeiro semestre de governo, está interessado em remover do ordenamento jurídico essas penalidades.

A armadilha construída pelo PT é escandalosa. Seria muita ingenuidade do Congresso cair nela. O governo de Lula da Silva diz que está apresentando ao Legislativo um novo arcabouço fiscal, mas na verdade está criando todas as condições para que o novo arcabouço fiscal seja olimpicamente descumprido.

Certamente, há muito o que estudar, debater e aprimorar no conteúdo das novas regras fiscais propostas pelo Executivo. Com a tramitação do PLC 93/2023, o Congresso tem um trabalho fundamental a fazer, que expressa a missão perene de todo Poder Legislativo: conferir responsabilidade ao Executivo. Precisamente por isso, em relação às alterações propostas na LRF, não há que perder tempo com elas. O interesse público impõe rejeitá-las todas.

Não é questão de interditar o debate, mas de impedir retrocessos. O País tem de andar para a frente. A LRF, que vale para a União, Estados e municípios, teve papel fundamental em tudo o que se construiu ao longo dos últimos 20 anos. Mudar a LRF agora seria algo similar a mudar o Código Florestal no início de 2019, para que o bolsonarismo tivesse liberdade de desmatar impunemente. O Congresso respeita a si mesmo preservando, em primeiro lugar, seu bom trabalho feito.

O PLC 93/2023 não é apenas um projeto tímido, entremeado de exceções que fazem duvidar de sua aptidão para gerar superávit primário em 2024, como o ministro da Fazenda prometeu. Há partes no projeto que destroem, produzindo retrocesso inédito até para os 13 anos anteriores de PT no governo federal.

O valor do jornalismo na era digital

O Estado de S. Paulo

A “epidemia de desinformação” na pandemia e os retrocessos democráticos em todo o mundo galvanizaram um debate global sobre políticas públicas de apoio ao jornalismo independente e à difusão de notícias confiáveis. Neste contexto, mais de dez entidades representativas do setor de comunicação brasileiro publicaram um Manifesto Pela Valorização do Jornalismo. “O jornalismo de interesse público é a principal arma da sociedade para combater a desinformação e um importante instrumento para o exercício do direito de acesso à informação”, adverte o Manifesto. “Um ecossistema jornalístico amplo, diverso e saudável, capaz de se opor à difusão da desinformação e dos discursos de ódio” é “essencial para a manutenção da própria democracia.”

Como afirma o Manifesto, os debates sobre o Projeto de Lei (PL) das Fake News (2630/20) são uma oportunidade para avançar a discussão sobre a justa remuneração aos veículos de imprensa pelo conteúdo produzido por eles e utilizado pelas redes digitais.

À medida que as pessoas passaram a consumir cada vez mais as notícias online houve uma desconexão entre os produtores de conteúdo, a publicidade que o financia e o público que precisa dele. As notícias apuradas pela imprensa são veiculadas pelas redes na forma de trechos; os trechos são acessados e compartilhados pelos usuários, sem que cheguem a ingressar nas plataformas jornalísticas; e as receitas de publicidade são absorvidas pelas redes. No caso, o duopólio Google-Facebook domina o mercado de publicidade digital e controla a infraestrutura de distribuição e remuneração dos conteúdos.

Em todo o mundo empresas de comunicação e governos têm examinado formas de repassar parte dessas receitas aos seus produtores. A Austrália promulgou em 2021 uma legislação pioneira criando um sistema de arbitragem que força as redes a negociar diretamente com os produtores. Esse é o modelo aventado no PL das Fake News.

Os críticos, no entanto, advertem para o risco de que os pequenos produtores sejam preteridos nas negociações em favor das grandes empresas de mídia. Uma outra opção seria análoga ao mercado de streaming, especialmente de música. Para tanto, seria preciso criar uma instituição independente, que registraria os produtores, monitoraria a utilização de seu conteúdo e recolheria e distribuiria receitas obtidas com licenças de uso. Há ainda uma terceira opção que prevê a tributação das receitas da publicidade digital e a canalização de parte da arrecadação para o jornalismo independente e de interesse público. Talvez uma abordagem sistêmica para uma solução sustentável seja a combinação ou justaposição dos três modelos.

Para que o debate seja conduzido com transparência rumo à satisfação do interesse público, há algumas precondições que deveriam ser observadas pelas partes envolvidas. O poder público deveria exigir que as redes forneçam mais dados sobre o tráfego e a monetização dos conteúdos. Os próprios veículos de comunicação precisam aprimorar seus métodos de coleta e análise de dados para melhor entender as relações entre tráfego, publicidade e monetização. Mais importante é que eles se conscientizem de que, sem solidariedade e uma abordagem coletiva, não serão capazes de equilibrar minimamente a relação assimétrica de poder com as Big Techs.

Seja qual for o modelo, o fato é que a remuneração pela utilização dos conteúdos é uma questão de justiça, de interesse público e do autointeresse das próprias redes. Primeiro, porque é injusto que elas lucrem com conteúdos sem compensar os seus produtores. Depois, porque não se trata de um conteúdo qualquer: notícias confiáveis produzidas – a custo alto – por veículos independentes são vitais para a manutenção e o vigor do pluralismo democrático. Por fim, justamente em razão dessa missão, a imprensa é hoje o principal antídoto contra o conteúdo tóxico disseminado por multidões de usuários mal-intencionados das redes, como os discursos de ódio e desinformação, que tanto têm contribuído para o seu descrédito, gerando ameaças de controle e punição por parte dos governos.

O desafio do ‘resíduo zero’

O Estado de S. Paulo

Destinação e reaproveitamento do lixo são temas centrais em tempos de mudanças climáticas

A preocupação mundial com o meio ambiente e com a preservação do planeta tem crescido em meio às mudanças climáticas. Nem poderia ser diferente: não são apenas os cientistas que reúnem cada vez mais evidências acerca do aquecimento global e dos riscos que isso representa. Quem acompanha o noticiário percebe que eventos climáticos extremos estão mais frequentes, como foi o caso recente da chuva recorde que provocou destruição e mortes no litoral norte paulista, em fevereiro. Nesse contexto, a Organização das Nações Unidas (ONU) celebrou pela primeira vez, neste ano, o Dia Internacional do Resíduo Zero, em 30 de março.

O destino do lixo impacta o efeito estufa − e o volume global de resíduos impressiona. Anualmente, a humanidade gera mais de 2 bilhões de toneladas de lixo sólido, dos quais pelo menos 33% não são gerenciados adequadamente, segundo informou o secretário-geral da ONU, António Guterres. É como se um caminhão cheio de plástico despejasse sua carga nos oceano sacada minuto, exemplificou ele, concluindo :“A humanidade está tratando o nosso planeta como um depósito de lixo”.

Tudo o que é descartado permanece na Terra. Daí a preocupação em reduzira quantidade de resíduos, aumentara proporção doque érea provei ta doe dar um destino ambientalmente seguro àquilo que efetivamente é jogado fora. Há várias frentes e escalas de atuação: desde o comportamento de cada habitante até questões mais abrangentes, que envolvem, por exemplo, a infraestrutura dos municípios, tanto no que diz respeito à coleta, sobretudo a seletiva, quanto ao destino final. Sem esquecer o papel dos agentes econômicos em cada etapa da cadeia produtiva.

Guterres chamou a atenção para o desperdício de alimentos. Estimativas da ONU já indicaram que, do que é colhido nas lavouras, 14% se perdem antes de chegar aos supermercados − algo que ocorre também no caminho até a mesa do consumidor. Isso já seria inaceitável com tanta gente passando fome no mundo. Diante do aquecimento global, porém, a situação fica ainda pior: “Impressionantes 10% de todas as emissões globais de gases do efeito estufa vêm do cultivo, armazenamento e transporte de alimentos que nunca serão usados”, lamentou Guterres.

O debate sobre o lixo envolve hábitos de consumo e estratégias de produção e circulação de bens − além da capacidade governamental de implementar políticas públicas que otimizem o uso de recursos e reduzam perdas. Eis um tema que interfere no modo de vida de cada um, no funcionamento da economia e na gestão pública. Desafio complexo que requer ação.

O Brasil gerou 81 milhões de toneladas de lixo no ano passado, das quais 39% não tiveram destinação adequada, segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). Apesar de avanços na última década, o País está atrasado e tem muito a fazer − a começar pelo fim de lixões e aterros e pelo incentivo à reciclagem. De uma vez por todas, é preciso entender que a gestão de resíduos sólidos não pode ficar apenas no terreno das boas intenções.

 

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