sábado, 22 de abril de 2023

Eduardo Affonso - O Baependi de Lula

O Globo

Covardemente escudado sob uma pretensa neutralidade, o presidente se dedica a tomar partido da Rússia, o país agressor

Em junho de 1940, o então ditador Getúlio Vargas disse, num discurso:

— Marchamos para um futuro diverso de quanto conhecíamos em matéria de organização econômica, social ou política e sentimos que os velhos sistemas e fórmulas antiquadas entram em declínio. Não é, porém, como pretendem os pessimistas e os conservadores empedernidos, o fim da civilização, mas o início, tumultuoso e fecundo, de uma nova era.

Essa “nova era” saudada por Vargas era nada mais, nada menos que o nazifascismo.

Corta para 2023. O presidente democraticamente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, não esconde sua simpatia pelos regimes autoritários da Rússia e da China. Até aí, nada de novo. Lula nunca deixou de demonstrar apreço por governos corruptos e/ou pouco democráticos: a Venezuela de Chávez e Maduro, a Cuba dos irmãos Castro, a Nicarágua de Ortega, a Líbia de Kadafi, o Irã de Ahmadinejad, a Guiné Equatorial de Obiang, a Angola de José Eduardo dos Santos.

Mas, depois de todos os absurdos e indignidades ditos e cometidos por Bolsonaro, Lula parece se sentir livre para exceder sua cota habitual de ataques ao bom senso. E não tem feito outra coisa senão dilapidar o patrimônio político adquirido com a vitória na eleição de 2022. Ora atribui a violência a jogos de videogame — sendo contestado pelo próprio filho e tratado como autor de uma “análise rasa, ultrapassada e que não reflete a realidade” por um de seus apoiadores incondicionais. Ora, em ataque preconceituoso e capacitista, declara que “temos quase 30 milhões de pessoas com problema de desequilíbrio de parafuso”, também a pretexto do massacre na creche de Blumenau.

Nenhuma de suas opiniões, entretanto, é tão rasa, ultrapassada, dissonante da realidade e reveladora de “desequilíbrio de parafuso” quanto as que tem emitido sobre a guerra na Ucrânia.

Covardemente escudado sob uma pretensa neutralidade, Lula se dedica a tomar partido da Rússia, o país agressor, responsável por crimes como os ataques a um hospital e a um teatro onde se refugiavam crianças, em Mariupol, e a execução em massa de civis, em Bucha. Supera Bolsonaro, que também apoiava os russos, mas fingindo pragmatismo, já que o Brasil dependeria do fornecimento de insumos agrícolas. Lula apoia a Rússia por questões ideológicas — um “antiestadunidentismo” de DCE, que o faz ver imperialismo em Biden, mas não em Putin.

Lula mente ao dizer que “a Europa e os EUA continuam contribuindo para a continuação desta guerra” ou que “Zelensky não toma a iniciativa de parar”. É um tipo de mentira que difere da habitual mitomania do presidente, aquela que já o levou a dizer que não havia viv’alma mais honesta do que ele (?) ou que assiste aos jogos do campeonato chinês de futebol, que passam na televisão do Brasil (!).

Se a Ucrânia parar de lutar, deixará de existir. Se os Estados Unidos e a Europa não ajudarem a Ucrânia, poderemos estar — como em 1940 — diante de uma nova era. Tumultuada e nem um pouco fecunda.

Vargas só se afastou de Hitler e Mussolini depois de muita grana dos Estados Unidos e de muita pressão das ruas. O ponto de virada foi o torpedeamento do navio Baependi, na costa de Sergipe. Ali morreram 270 brasileiros e os sonhos fascistas do ditador.

O que será preciso acontecer para recolocar Lula nos eixos?

 

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