sábado, 22 de abril de 2023

Pablo Ortellado - Nada de bom pode sair do circo da CPMI

O Globo

É ingenuidade acreditar que conseguiremos resultados com embates televisionados entre Eduardo Bolsonaro e André Janones

As imagens da invasão do gabinete da Presidência da República veiculadas na quarta-feira pela CNN tornaram inevitável a instalação da CPMI para apurar o ataque às sedes dos Poderes.

Na edição apresentada pela CNN, o então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Gonçalves Dias, parece ser conivente com a invasão do Palácio do Planalto, e alguns de seus subordinados dão a impressão de colaborar com os invasores. Olhando a íntegra das imagens, publicadas no dia seguinte, podemos até aceitar a verossimilhança da explicação do general: que não houve conivência da parte dele, apenas perplexidade e impotência e que a ação leniente de seus subordinados era desobediência.

Talvez seja verdade, mas nada disso explica a razão de essas imagens terem sido mantidas longe do escrutínio do público e, aparentemente, da própria Presidência da República. Agora, essas perguntas legítimas se somam às teorias da conspiração da oposição, e não há mais como parar o trem desgovernado de uma CPMI.

Desde a noite do 8 de Janeiro, meios bolsonaristas defendem a tese tresloucada de que a invasão das sedes dos Três Poderes foi um movimento pacífico de protesto infiltrado por agentes provocadores esquerdistas, cujo vandalismo foi facilitado pelas forças de segurança, numa espécie de cilada para criminalizar o movimento.

Nada disso, obviamente, se sustenta. As imagens das câmeras de segurança permitiram identificar vândalos que são notórios bolsonaristas e estavam acampados em frente ao Q.G. do Exército em Brasília. Além do mais, não faz o menor sentido o governo ter fomentado um movimento que queria derrubá-lo, para o qual a ocupação das sedes dos Poderes era apenas uma parte, coordenada com outras ações como o bloqueio de estradas, a derrubada de linhas de transmissão de energia e a interrupção do abastecimento de combustíveis.

Porém, por mais inverossímil que seja essa alegação, ela segue disseminada entre os bolsonaristas e tem sido o motor de sua insistência por uma CPMI, que deveria tentar esclarecer a eventual participação de agentes provocadores e por que, alertado pelos serviços de inteligência sobre uma invasão iminente, o governo não tomou as medidas cabíveis. As imagens ambíguas do general Gonçalves Dias um tanto inerte enquanto vândalos invadiam o quarto andar do Palácio do Planalto parecem respaldar as especulações conspiratórias dos bolsonaristas.

Agora, o estrago está feito. Teremos mesmo uma CPMI. Passaremos os próximos meses assistindo a acalorados e ridículos embates entre políticos da situação e da oposição, disputas sobre quem deve ser convocado e depoimentos que não passam de pretextos para políticos repetirem narrativas consolidadas. Nada de bom pode sair de uma investigação sobre esse tema conduzida por políticos em ambiente tão carregado.

É uma pena, porque ainda há muitas perguntas sem resposta. Precisamos descobrir em que medida integrantes do governo Lula falharam em tomar providências para impedir a invasão. Precisamos atribuir as devidas responsabilidades à Abin, ao GSI, à polícia do Distrito Federal, à Polícia Federal e ao Batalhão da Guarda Presidencial e entender o que foi apenas incompetência e o que foi colaboração com uma tentativa de golpe de Estado.

Precisamos também olhar com muito mais cuidado para o movimento que invadiu a sede dos Poderes e atribuir responsabilidade aos participantes de maneira proporcional e apoiada nas evidências. Há imagens mostrando vandalismo e uma tentativa clara de derrubar a ordem democrática, mas há também imagens de manifestantes tentando impedir o vandalismo e a violência. Invadir a sede de um Poder da República é uma coisa, destruir propriedade pública outra; tentar um golpe de Estado, uma terceira, muito mais grave.

Precisamos descobrir em que medida a dona de casa que acampou no Q.G. do Exército acreditando na retórica de um movimento cívico pacífico foi cooptada e radicalizada ou apenas enganada por lideranças que articulavam a tomada violenta das sedes dos Poderes visando a um golpe de Estado.

Precisamos, finalmente, identificar os financiadores e os estrategistas do movimento golpista e suas conexões com a cúpula política do bolsonarismo.

É muita ingenuidade acreditar que conseguiremos qualquer dessas coisas com embates televisionados entre Eduardo Bolsonaro e André Janones.

 

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