O Globo
Estão soltando os condenados. Não por terem
sido considerados inocentes, mas por cuidadosa manipulação de regras formais
Lula comete
muitos equívocos. Na maior parte, são opiniões rasteiras sobre assuntos
complexos que ele não conhece. Entram nessa categoria os comentários sobre os
games — vistos como formadores de crianças violentas — e transtornos mentais —
ou “desequilíbrio de parafuso” que afeta 30 milhões de brasileiros, potenciais
causadores de “desgraça”. Tratava dos assaltos a escolas, tema sensível, mas
essas falas não geram políticas públicas. Ao contrário. Nos ministérios da
Saúde e da Educação, ficaram perplexos com os comentários do presidente.
Calaram. Ainda bem.
É diferente quando se trata das incursões de Lula em política internacional. As declarações de apoio à China e à Rússia revelam um antiamericanismo que, antes de mais nada, é visceral. Lula acha — e diz — que sua prisão foi resultado de uma conspiração armada pelo Departamento de Justiça dos EUA. Tem muita gente importante no PT que racionaliza essa ideia, tornando-a base da diplomacia “Sul-Sul”. Se os americanos são capazes de destruir uma economia emergente, então o negócio é buscar outros parceiros.
En passant, fica dito que a corrupção no
mensalão e, sobretudo, no petrolão foi coisa pequena, limitada a algumas
pessoas, sem participação do PT, muito menos de Lula. Os grandes acordos de
delação? Empresas, executivos e empresários chantageados. E os réus confessos
que devolveram dinheiro? Também chantagem e mixaria. Assim mesmo, tudo
duvidoso, porque a diretoria da Petrobras na época era formada por cúmplices da
conspiração.
Para eles, a Petrobras quebrou, nas gestões
petistas, não por má gestão e roubalheira, mas por ter sido saqueada por
agentes do imperialismo. E por que saqueada? Porque a estatal e as empreiteiras
associadas, Odebrecht à frente, se espalhavam pelo mundo ameaçando as
companhias americanas. (Leiam artigos e livros de José Sérgio Gabrielli e
Alessandro Octaviani, este agora indicado para a Superintendência da Susep.
Ele, aliás, sustenta que a corrupção foi fator de crescimento em muitos
países.) Dizem que, contra essa expansão brasileira, o Departamento de Justiça
dos Estados Unidos inventou o programa de combate à corrupção, com o propósito
explícito de tirar do caminho as concorrentes das empresas americanas.
Como chegaram a isso? Partindo de um fato
real: o governo americano, com a OCDE,
liderou um programa de combate à corrupção que apanhou empresários, empresas e
governos pelo mundo todo, inclusive entre os aliados europeus. Não foi, pois,
uma ação contra o Brasil de Lula. Foi na sequência de investigações sobre
terrorismo e tráfico de drogas, quando se adotou a linha follow the money. Quem
financiava o crime? Como se dava a troca de dinheiro sujo por respeitáveis
recursos no sistema financeiro global? No meio do caminho, com a colaboração de
diversos governos, se topou com a corrupção dos Estados.
O programa desenvolveu métodos de
rastreamento de dinheiro, praticamente quebrando o sigilo bancário e
estabelecendo troca de informação entre os fiscos e os bancos centrais. A
Lava-Jato fez parte desse programa. Foi assim, aliás, que achou dinheiro
desviado em bancos suíços. Sim, Deltan
Dallagnol e Sergio Moro estudaram
nos EUA. Exatamente como juízes, promotores e policiais de diversos países.
Obtiveram condenações notáveis.
Foi tudo uma farsa global?
No mundo, muita gente grande continua em
cana. Aqui, estão soltando todos os condenados. Não por terem sido considerados
inocentes, mas por uma cuidadosa manipulação de regras formais que vai anulando
processo por processo. Em cima disso, o discurso petista vai ganhando espaço: o
combate à corrupção, uma farsa americana, só serviu para destruir empresas
brasileiras, gerar desemprego e recessão. A inversão está feita: não é a
corrupção que corrói a economia, mas o combate a ela.
Pode?
Não pode. Leiam o livro de Malu Gaspar “A
organização” e os escritos de Maria Cristina Pinotti.
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