O Estado de S. Paulo
Num país emergente, é preciso combinar os objetivos sociais com políticas de crescimento e projetos bem desenhados
O povo vai voltar a comer picanha, prometeu o presidente Lula, sem esclarecer, no entanto, como pretende conter a inflação, mas admitindo ser muito difícil frear os preços “do dia para a noite”. Além disso, comprometeu-se a cuidar das contas públicas sem “fazer o povo pobre se sacrificar”. Picanha para todos é uma bandeira conhecida, mas a atenção às contas do governo tem um ar de novidade. Muito mais frequente, no discurso e nas ações presidenciais, tem sido a identificação entre governar e gastar. Além disso, governar para todos, em vez de cuidar dos 35% mais endinheirados, pode resultar em déficit, observou o presidente em recente fala sobre o programa Pé-de-Meia.
Governar para todos, com atenção especial aos
menos abonados, é especialmente relevante num país ainda marcado por muitas
desigualdades, apesar das melhoras ocorridas nas últimas três décadas. Não
bastam, no entanto, belas bandeiras. Num país emergente, é preciso combinar os
objetivos sociais com políticas de crescimento e projetos bem desenhados. Na
quarta-feira, o presidente Luiz Inácio da Silva anunciou para este ano expansão
econômica de 3,8% com inflação controlada. Não detalhou as projeções, mas seu ministro
da Fazenda, Fernando Haddad, já descreveu como “relativamente normal” uma alta
de preços na faixa de 4% a 5% ao ano. A meta oficial, no entanto, continua
fixada em 3%.
Quase nada se fala sobre perspectivas de
médio e de longo prazos, como se o horizonte do governo correspondesse às
eleições do próximo ano. As estimativas oficiais de crescimento são mais
otimistas que as do mercado, mas insuficientes para uma avaliação mais completa
do cenário. Além disso, os balanços divulgados até agora – oficiais e
extraoficiais – apontam níveis ainda modestos de investimento em meios físicos
de produção, como obras de infraestrutura, máquinas, equipamentos e instalações
industriais. Os valores mencionados correspondem a taxas de investimento pouco
inferiores a 18% do Produto Interno Bruto (PIB).
Desde os anos 1990 as somas investidas em
capital produtivo têm raramente superado essa proporção, permanecendo
inferiores às taxas contabilizadas em vários outros emergentes. Esse dado é
especialmente relevante quando se procura entender por que a economia do Brasil
tem crescido menos, há muitos anos, que as de outros países com nível
semelhante de desenvolvimento.
A referência ao baixo investimento no Brasil
tem sido um lugar comum em análises publicadas por instituições multilaterais,
como o Fundo Monetário Internacional (FMI). Desde o decênio 1981-1990, a taxa
média de investimentos das economias emergentes subiu de 25% do PIB para 32,1%
no período de 2011 a 2020, de acordo com o Fundo. Nesse intervalo, o
investimento realizado na economia brasileira oscilou de 18,7% para 17,9% do
valor produzido no País. O mesmo levantamento inclui projeções para os anos
2021-2029, com a formação de capital físico na média dos emergentes subindo
para 32,6% e recuando para 16,4% do PIB no caso brasileiro.
A formação de capital físico depende tanto do
governo, responsável por boa parte do investimento em infraestrutura, quanto do
setor privado, fonte principal de recursos para a formação, manutenção e
modernização da estrutura produtiva das empresas. Depende, portanto, do esforço
de poupança realizado em todos os domínios da produção de bens e serviços. Esse
esforço é necessário tanto para a expansão e a melhoria dos equipamentos e
serviços de utilidade pública, como estradas, sistemas de eletricidade e escolas,
quanto para a criação e a modernização de instalações empresariais de todos os
tipos e tamanhos.
A boa gestão pública é importante em todos os
casos. Além de essencial para a aplicação de recursos na área governamental, a
política eficiente e confiável pode ser determinante quando se trata de reunir
e imobilizar capital em empreendimentos privados. Tudo isso pode parecer óbvio,
mas esses detalhes são frequentemente esquecidos no dia a dia da política e do
jogo eleitoral. Talvez seja mais fácil, como indicou o presidente Lula, cuidar
do equilíbrio fiscal quando se governa para os 35% mais endinheirados. Mas o
uso prudente das finanças públicas é indispensável, também, quando se trata de
construir condições duradouras de avanço econômico e de modernização social. Em
outras palavras, quando se contempla um horizonte além das próximas eleições.
Com dois anos de firme crescimento econômico,
forte criação de empregos e inflação administrável, o presidente Lula poderia
dedicar-se um pouco mais à construção de um cenário de segurança no longo
prazo. Isso deveria envolver, entre outras preocupações, um arranjo sustentável
das contas públicas, associado a uma reforma tributária já desenhada e
parcialmente encaminhada pelo ministro da Fazenda. A expansão econômica, sempre
desejável, é sujeita a oscilações, mas a segurança proporcionada por bons fundamentos
pode ser duradoura – e facilitadora, por isso mesmo, das fases de recuperação.
Depois de meio mandato bem-sucedido, o presidente da República poderia dar um
pouco mais de atenção a essas condições de segurança. •
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