Folha de S. Paulo
Medida pode reduzir custo de crédito pessoal
em mais de 60%, para dezenas de milhões
O novo
consignado é uma boa providência do governo Lula. Não
se conhece ainda o texto legal que vai explicar a operação da coisa, mas as
linhas gerais são bem pensadas, úteis, e o alcance deve ser grande.
A medida tem sido tratada mais como tentativa
de Luiz Inácio Lula da
Silva de fazer pontos nas pesquisas
de opinião (é também isso) e populismo (não é isso). É considerada
também como empecilho para a queda da inflação e
meio de evitar esfriamento maior da economia —pode até vir a ser isso, mas não
é simples assim.
Empréstimo consignado é aquele pago com desconto direto em salários ou em benefícios do INSS, grosso modo (há modalidades menores). Empregados do setor privado têm acesso a esse tipo de crédito se houver acerto entre empresas em que trabalham e bancos. A novidade é que os celetistas poderão firmar eles mesmos contratos com bancos em uma plataforma digital (um site de negociações). Há cerca de 40,7 milhões de celetistas no setor privado, incluindo 1,45 milhão de empregados domésticos.
E daí?
A taxa de juros para crédito pessoal é de
103,4% ao ano, em média. No consignado para trabalhadores do setor privado,
40,8% ao ano. No consignado do INSS, 21,9%; para servidores, 23,8%. Um dos
créditos mais em conta, o de veículos, custa 27,5% ao ano. Os dados são do
Banco Central, para dezembro de 2024.
O total de dinheiro emprestado para pessoas
físicas no crédito dito "livre" era de R$ 2,16 trilhões em dezembro
("livre": com juros que não são regulados pelo governo, como o são os
de crédito imobiliário e rural). Todos os créditos consignados eram 31,3% desse
total —é importante.
O consignado para empregados do setor privado
era apenas 1,8% do total do crédito livre e 5,9% do consignado. Isto é, o
equivalente a R$ 39,7 bilhões. Tem muito para crescer e melhorar vidas e
dívidas.
Em bancos, as estimativas de aumento desse
tipo de crédito são disparatadas. Em um ano, poderia haver mais R$ 40 bilhões a
R$ 100 bilhões.
Executivos de instituições financeiras dizem
que a novidade vai ser testada aos poucos por clientes, que vão ainda aprender
a usar a linha de crédito, e bancos.
No consignado privado, há riscos diferentes.
O trabalhador pode mudar para emprego informal, se tornar autônomo. Deve haver
judicialização, de início. Por exemplo, contestação da cobrança do empréstimo
sobre dinheiros que um trabalhador recebeu na demissão. Tudo isso é aumento de
risco —por isso, os juros do consignado privado são maiores do que os do
pessoal de INSS e serviço público (que têm estabilidade no emprego).
Além de facilitar novos empréstimos, haverá
possibilidade de renegociação, troca, de dívida antiga por nova, mais barata. É
um mercado. Não tem subsídio. Torna o sistema de crédito mais eficiente e
justo.
Difícil dizer qual o impacto do novo
consignado na política monetária —de resto, a medida nem foi aprovada.
Os trabalhadores podem vir a usar a novidade
majoritariamente para trocar
dívida cara por mais barata —o impacto, assim, seria menor. Não se
sabe do volume dos novos empréstimos. Se fosse da ordem de R$ 70 bilhões de
crédito novo em um ano, haveria impacto, "tudo mais constante", ainda
pequeno e de cálculo complicado. Pode ser até que o governo induza bancos
públicos a emprestar mais —hum.
É muito difícil negar um benefício racional
com base nesses argumentos.
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