O Globo
De um lado, Lula lida com a crise dos preços de alimentos e perda de apoio. De outro, Bolsonaro enfrenta o cerco da Justiça e pode ser preso
Uma avalanche caiu sobre a oposição ligada ao bolsonarismo. O ex-presidente e seu quartel general foram denunciados, a delação do ajudante de ordens revelada e os vídeos expostos. Os fatos e diálogos descritos na denúncia exibem a evidência de uma longa urdidura contra a democracia. Já o governo Lula passou a semana em disputas internas, frituras públicas e encarando a crise de preços de alimentos agora encarnada no ovo. Cada um vive sua agonia, mas com uma enorme diferença. Lula enfrenta as agruras de governar um país com orçamento apertado, coalizão parlamentar adversa, preços instáveis. Jair Bolsonaro está sob o cerco da Justiça pelo crime de tramar um golpe de Estado. Lula está perdendo popularidade, Bolsonaro pode ir para a prisão.
Lula tem se confundido na economia. Sugeriu
à Petrobras entregar
os combustíveis diretamente aos consumidores, uma proposta sem viabilidade
logística e econômica. Avisou que vai conversar com os atacadistas para
derrubar o preço do ovo. Enquanto isso, o ministro Fernando Haddad desembarcou
de volta do Oriente Médio, na sexta-feira, diretamente para apagar um incêndio.
A demora na aprovação do Orçamento e a alta de juros fizeram o Tesouro
suspender as liberações do Plano Safra. Na prática, isso ameaçava a próxima
colheita, mantendo a pressão de preços de alimentos. Haddad
anunciou um crédito extraordinário de R$ 4 bilhões.
O calor tórrido reduziu a produção de ovos e
aumentou o preço do milho, alimento do frango. Nos Estados Unidos, poedeiras
foram sacrificadas no combate à gripe aviária, o que reduziu a oferta de ovos.
Eles importaram de outros países, inclusive do Brasil. Há uma lógica no grupo
das proteínas. Quando o preço da carne bovina sobe, aumenta o consumo de
suínos, pescados, aves e ovos. O ovo vira o último refúgio de quem procura
proteína barata. É isto que explica a crise do ovo. A grande alta de preços de
alimentos ocorreu no governo Bolsonaro, mas o governo Lula não tem entendido os
ciclos dos preços de alimentos, nem sabido lidar com os problemas pontuais.
Lula sempre tem uma ideia que parece boa e está errada.
Contudo, é na direita que a derrota é
realmente grande. Ouvir a delação de Mauro Cid é
impactante, por ser o relato de uma aberração, um governo que não governava e
gastava o tempo em paranoias, conspirações, motociatas pagas com o dinheiro
público e venda de joias públicas para encher o bolso do presidente. Mas a
denúncia impressiona mais que a delação, pelo acúmulo de provas encontradas
pela Polícia Federal durante a investigação e pela construção sólida da peça
acusatória. “Durante as investigações, foram encontrados manuscritos, arquivos
digitais, planilhas e trocas de mensagens reveladoras da marcha de ruptura da
ordem democrática”, diz o procurador-geral da República.
As trocas de mensagens, captadas nos
aparelhos eletrônicos de todos os envolvidos, mostram o andamento da
conspiração. Os documentos guardados nos computadores e celulares dos
investigados somam uma montanha de provas. Em vários diálogos, eles lamentam não
terem encontrado qualquer problema nas urnas, mesmo assim mantiveram o discurso
de fraude eleitoral. O então presidente proibiu a divulgação , ao fim do
primeiro turno, do resultado da sindicância feita pelos militares que concluíra
pela inexistência de fraude. “O brigadeiro Batista Jr., comandante da
Aeronáutica, interrogado, disse que não participou, mas ouviu que houve
determinação para não divulgar”.
O coronel Sérgio Cavaliere de Medeiros enviou
uma mensagem ao Mauro Cid sobre o assunto: “Espero, sinceramente, que vocês
saibam o que estão fazendo.” Cid respondeu: “Eu tb…Senão estou preso.” Isso não
está na delação, é um dos vários diálogos que mostram que eles sabiam que
cometiam crimes.
Entre as muitas anotações reveladoras da
agenda do general Heleno está esta: “Aras se aproximou da Abin”. É um flagrante
da contaminação se espalhando. Na Abin, Alexandre
Ramagem escrevia cartas ao presidente insistindo para que ele falasse
em fraude nas eleições, e o estimulando a tomar medidas autoritárias. “A função
de chefe de Estado está acima dos Três Poderes.”
Lula está com um governo em dificuldades. O ex-presidente tem diante de si as provas encontradas com os denunciados, que sustentam qualquer processo, mesmo sem a delação. Mas ela existe e é eloquente. Contra isso, Jair Bolsonaro terá que lutar para escapar da prisão.
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