domingo, 23 de fevereiro de 2025

A forma das coisas invisíveis - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Livro de neurologista britânico descreve a imaginação como superpoder humano, que nos diferencia de outros hominídeos

Não é preciso mais do que fotos de satélite para perceber que humanos, como espécie, chegamos mais longe do que nossos primos chimpanzés. Para ficar nuns poucos exemplos, nós construímos cidades, criamos grandes plantações, cavamos canais marítimos entre continentes e eles não.

Qual é o superpoder humano que nos deu vantagem? Já apareceram vários candidatos ao posto, como a linguagem, o polegar opositor, a capacidade de correr longas distâncias. Em "The Shape of Things Unseen" (a forma das coisas invisíveis), o neurologista britânico Adam Zeman sugere que nosso superpoder é a imaginação.

Zeman vai às artes, aos sonhos, aos delírios, a doenças e a vários ramos da ciência para mostrar que a imaginação é muito mais do que uma característica encontrada em pessoas criativas. Ela é constitutiva de nossa espécie, estando presente em praticamente todos os processos mentais, da percepção à consciência, passando pelo aprendizado.

Muitos neurocientistas descrevem aquilo que percebemos pelos sentidos como uma alucinação controlada. O cérebro recebe a cada instante um número proibitivamente grande de informações sensoriais, muitas vezes e inconsistentes e até contraditórias. O único modo de extrair sentido disso tudo é recorrendo à imaginação. São os sinais que fogem àquilo que imaginamos ser o normal que chamam a atenção e nos levam a agir.

A imaginação também nos dá a capacidade de viajar no tempo, revisitando o passado e ensaiando situações futuras, o que está na base do aprendizado, do treinamento e da estabilidade (ou instabilidade) emocional.

Nossa imaginação difere da de nossos parentes hominídeos por ser mais facilmente compartilhável com nossos semelhantes, criando assim realidades imaginadas que caracterizam todas as nossas instituições sociais, do dinheiro à ciência.

O livro é didático e gostoso de ler. Zeman, como um britânico cultivado (Oxford), o recheia de referências literárias, pictóricas e musicais, que são apenas a faceta mais óbvia da imaginação.

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