Seria um desatino ressuscitar ‘jabutis’ em PL das eólicas
O Globo
Derrubar vetos de Lula equivaleria a aumentar
conta de luz 9% por 25 anos. Congresso não pode cometer tal absurdo
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou em janeiro, com vetos, a lei que regula a instalação de usinas eólicas em alto-mar. Da forma como fora aprovado no Congresso, o projeto continha uma profusão de artigos alheios à proposta original, popularmente conhecidos como “jabutis”. Lula fez bem em vetá-los. Os “jabutis” contribuiriam para tornar a conta de luz bem mais cara ao longo das próximas décadas. Aparentemente, o problema estava resolvido. Mas os vetos ainda correm o risco de ser derrubados no Legislativo. Seria uma afronta aos brasileiros se, já sufocados com a alta de preços, ainda tivessem de pagar energia mais cara para satisfazer a interesses particulares.
É preciso deixar claro o tamanho da
insensatez. Pelas contas do setor, os “jabutis” criariam um custo adicional de
R$ 545 bilhões nas contas de luz até 2050. Na prática, isso equivale a um
aumento de 9% nas tarifas. Como mostra um estudo da Frente Nacional de
Consumidores de Energia, seria como pagar, por 25 anos, um adicional
equivalente à bandeira vermelha patamar 2, a mais alta, cobrada em tempos de
escassez hídrica (R$ 7,87 a mais para cada 100 kWh consumidos). Os
parlamentares demonstrariam enorme insensibilidade se não levassem em conta o
peso da conta de luz no orçamento familiar, crescente em razão da necessidade
maior de refrigeração imposta pelas mudanças climáticas.
Sob o selo enganoso de “iniciativa verde”, o
projeto aprovado no Congresso era um compêndio de absurdos. Não apenas
prorrogava a geração de energia a carvão — a pior emissora de gases de efeito
estufa —, mas também autorizava a contratação de novas usinas do tipo. Previa
contratação compulsória de térmicas a gás — outra grande emissora de gases — e
de Pequenas Centrais Hidrelétricas, hoje condicionadas ao crescimento da
demanda (contratos obrigatórios encarecem a energia, pois enfraquecem a
competitividade dos leilões). Promovia extensão de subsídios do Programa de
Incentivos às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa) a usinas hoje
já capazes de se sustentar, tamanho o ganho de eficiência na geração solar e
eólica. O texto aprovado distribuiu agrados a todos os grupos de pressão do
setor, menos ao consumidor. Por isso foram oportunos os vetos de Lula.
Não bastasse a aberração de enxertar, num
projeto que trata de energia limpa, o descabido incentivo a combustíveis
fósseis — estima-se que as medidas poderiam elevar em 25% as emissões de gases
de efeito estufa do setor elétrico —, a proposta ainda pecava pelo inexorável
aumento nas contas de luz, impondo perdas a milhões de brasileiros.
O senador Weverton Rocha (PDT-MA), relator do
projeto no Senado, tem dito que ainda não há previsão para que o Congresso
analise os vetos. Mas existe o risco de que sejam derrubados. Não se pode
esquecer que, a despeito dos alertas, o texto repleto de “jabutis” não
encontrou resistências significativas para avançar na Câmara e no Senado, tendo
recebido apoio até da base governista. Com dificuldades de articulação no
Congresso e enfrentando queda de popularidade, o governo precisará se empenhar
para convencer deputados e senadores.
Os parlamentares deveriam se dedicar às
agendas prioritárias do país, como pautas econômicas ou de segurança.
Ressuscitar os “jabutis” nocivos ao meio ambiente e ao bolso dos brasileiros
seria um enorme desatino.
Hamas transforma entrega de cadáveres em
propaganda macabra
O Globo
Devolução dos corpos de crianças e idoso
israelenses expõe crueldade e desumanidade do grupo terrorista
No fatídico 7 de outubro de 2023, correram o
mundo imagens de uma mãe israelense tentando proteger os filhos, um bebê de 9
meses e o irmão de 4 anos, no momento em que eram sequestrados por terroristas
palestinos no kibbutz Nir Oz, na fronteira de Israel com Gaza. O olhar daquela
mãe se tornou símbolo do desespero da sociedade israelense diante da crueldade
do grupo terrorista Hamas. Mais de 500 dias depois, o mundo obteve mais uma
prova do ponto a que pode chegar tal crueldade.
Como parte do acordo de cessar-fogo que
envolve a libertação de reféns ainda vivos e a entrega do cadáver de mortos, o
Hamas encenou na quinta-feira passada outra pantomima em que tenta cantar
vitória sobre as ruínas de uma Gaza devastada pela reação israelense a seus
ataques. Homens armados, uniformes escuros, a cabeça coberta por balaclavas e
adornada por faixas, dispuseram quatro caixões sobre um palco coberto de
pôsteres e propaganda. Antes de entregá-los à Cruz Vermelha, fizeram uma
exibição de armas diante de uma multidão de palestinos, com crianças aplaudindo
e entoando gritos de guerra. “A parada de cadáveres como vista é cruel,
horrenda e se choca frontalmente com a lei internacional”, afirmou o Alto
Comissariado para Direitos Humanos da ONU. São proibidos, disse, “tratamento
cruel, desumano ou degradante, garantindo respeito à dignidade de mortos e
famílias”.
Em dois dos caixões, estavam os corpos de
Kfir e Ariel Bibas, os irmãos que aparecem nas imagens do 7 de Outubro. O Hamas
informou que um terceiro caixão continha o cadáver da mãe deles, Shiri, mas
testes genéticos revelaram que era mentira. O próprio Hamas reconheceu e
devolveu o cadáver dela no dia seguinte. Os terroristas atribuíram a
bombardeios israelenses a morte dos três. Legistas israelenses constataram que
Kfir e Ariel foram mortos selvagemente pelos terroristas com as próprias mãos,
aos 10 meses e 4 anos de idade respectivamente (Israel informou que fornecerá a
perícia para verificação). O pai, Yarden, sequestrado e libertado numa rodada
anterior, se recusava a acreditar que os dois filhos e a mulher estivessem
mesmo mortos.
Ontem o Hamas libertou os últimos seis reféns
vivos que constam da atual fase do acordo de cessar-fogo. Faltam ainda quatro
mortos. O Hamas ainda mantém, pelas informações disponíveis, dezenas de
cadáveres e pelo menos 24 outros reféns vivos, cuja libertação é esperada para
a próxima fase, em troca do fim dos ataques israelenses e de planos para a
reconstrução de Gaza.
O quarto caixão devolvido pelo Hamas na
quinta-feira continha os restos mortais de um dos fundadores de Nir Oz, o
ex-jornalista Oded Lifshitz, morto aos 83 anos depois de sequestrado no 7 de
Outubro. Ativista de direitos humanos, sionista, Lifshitz era conhecido pela
militância em favor de um Estado palestino e por levar palestinos de Gaza para
receber tratamento médico em Israel. É gente como ele e como a família Bibas
que o Hamas quer destruir. Enquanto o grupo terrorista mantiver controle sobre
Gaza, qualquer paz continuará um sonho distante.
Restringir a livre expressão não favorece a
democracia
Folha de S. Paulo
Esquerda, que defendia liberdade de opinião,
hoje, onde alcançou poder, apoia medidas que blindam governo de críticas
A sabedoria prática em que se assenta a
tradição democrática ocidental desde cedo detectou nos governantes a grande
ameaça ao regime das liberdades civis. A primeira emenda à Constituição dos Estados
Unidos, marco desse processo, dirige-se a quem detém poder.
O comando proíbe o Congresso de aprovar leis
que, entre outros temas, restrinjam a liberdade de expressão e de imprensa. Os
fundadores da república norte-americana estavam cientes da tentação censória
sobre todos os que exercem a função de Estado, mesmo os eleitos pela população.
Essa lição tem sido menosprezada em boa parte
das nações alicerçadas sobre essa herança. A pretexto de proteger a democracia,
avançam regulamentações e precedentes jurídicos concedendo a autoridades o
poder de reprimir a expressão dos cidadãos.
O Brasil embarcou na maré regressista. As
cúpulas de Executivo e Judiciário, compostas ou nomeadas sobretudo pelo maior
partido de esquerda, se irmanam no propósito de aumentar
as restrições ao que se publica nos meios de comunicação, em especial nas
redes sociais. Uma parcela influente do assim chamado progressismo apoia a
investida.
Em boa hora um intelectual do mesmo campo vem
lembrar os seus companheiros do equívoco de endossar movimentos censores. Impor
limites ao discurso é atitude típica de quem se encastelou no poder, e o fato
de a esquerda abraçar essa iniciativa demonstra que ela faz parte do
establishment, afirmou
à Folha o cientista político Yascha Mounk.
O PT, de volta ao
Planalto em 2023, governou o Brasil em 15 dos 35 anos de retomada do sistema de
eleições diretas para presidente. Em outras passagens, acalentou o projeto de
controlar os veículos de imprensa, o que só não foi à frente pela forte
resistência da sociedade e do Congresso.
Em seu terceiro mandato, o presidente Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT) tornou-se um pregador do controle das redes sociais. Faz pressão
sobre o Congresso para que aperte o cerco sobre as plataformas e deixa no ar a
ameaça de que o Supremo Tribunal Federal (STF) agirá se o
Legislativo não o fizer.
A artimanha não deveria enganar ninguém. Quem
governa não tem isenção para invocar poderes de decidir o que será publicado. O
seu interesse é mandar sem ser questionado e evitar que concorrentes lhe
arrebatem a cadeira.
O fato, que deveria dissuadir inclusive os
bem intencionados que defendem reprimir a livre expressão a título de combater
os extremismos, é que essa estratégia não funciona. As ideias, as mentiras e as
visões viesadas não deixam de circular porque autoridades montaram aparatos de
censura.
A vitória de Donald Trump,
que foi amplamente silenciado nas grandes plataformas, é apenas a evidência
mais recente disso. O que se perde com a atitude repressora da opinião são
oportunidades de criticar à luz do dia as manifestações erradas, distorcidas ou
odiosas que abundam, quer gostemos disso ou não.
Estratégia de Trump com tarifas ainda não
está clara
Folha de S. Paulo
Déficit comercial dos EUA não é novidade;
importar inflação elevando preços de matérias primas e produtos é insensato
Ainda não estão claras as reais motivações
de Donald
Trump para iniciar uma ofensiva
tarifária contra parceiros comerciais, Brasil incluído, ameaçando-os com
restrições à entrada de seus produtos nos Estados
Unidos a fim de tornar a "América grande novamente".
Números do setor industrial dos americano
mostram que os empregos recuaram de cerca de 8,5% do total ao final do primeiro
governo do republicano (2017-2021) para 8,1% em 2024, apesar do aumento do
protecionismo.
Do ponto de vista econômico, segundo a
literatura acadêmica e a prática comercial, a imposição de barreiras a
transações mais fluídas pode trazer mais prejuízos do que benefícios. No caso
dos EUA, país rico e que consome muito mais bens do que é capaz de produzir,
isso é especialmente verdadeiro.
Se levadas adiante, a consequência de tarifas
maiores será a majoração dos valores de matérias-primas e de produtos acabados
importados pelos EUA, com impactos sobre a inflação,
ainda não controlada no país. No acumulado de 12 meses até janeiro, o principal
índice de preços fechou em 3%, acima da meta de 2% perseguida pelo Fed, o banco
central americano.
Pressões adicionais sobre a inflação
obrigariam a autoridade monetária a eventualmente subir os juros para esfriar a
economia, o que levaria a um fortalecimento do dólar —à
medida que mais investidores adquiririam a moeda para comprar títulos atrativos
do Tesouro dos EUA, considerados um porto seguro no mundo.
A valorização do dólar também tornaria as
exportações americanas menos competitivas, anulando em parte os efeitos das
tarifas —cuja motivação seriam os déficits comerciais dos Estados Unidos com o
mundo.
Mesmo a existência desses déficits não é
novidade. Eles
têm se mantido estáveis há mais de uma década, em torno de 4% do PIB no caso de
bens e entre 2,5% e 3,5% considerando a conta de produtos e serviços. Com
a China,
vêm até diminuindo —e, em relação ao Brasil, os EUA têm tido superávits anuais
desde 2009.
Após impor tarifas de 10% a produtos chineses
na largada, Trump citou na semana passada um "possível acordo" com os
asiáticos. Ele também não sacramentou ainda a intenção de impor, a partir de
março, sobretaxas
de 25% ao aço e alumínio brasileiros.
O republicano se notabilizou na televisão
lustrando sua imagem de negociador. O mais provável, por enquanto, é que esteja
recorrendo à ameaça tarifária a fim de arrancar concessões para poder contar
vitória depois.
Golpismo continuado
O Estado de S. Paulo
Fiel à sua irrefreável índole golpista,
Bolsonaro iniciou uma campanha de deslegitimação da PGR e do Supremo, bastante
reveladora da fraqueza de sua defesa jurídica e de seu desespero
Na manhã do dia 28 de agosto de 2021, a pouco
mais de um ano do primeiro turno das eleições gerais de 2022, o então
presidente Jair Bolsonaro disse a uma plateia de evangélicos que só enxergava
três opções de futuro: “Estar preso, estar morto ou a vitória”, concluindo logo
em seguida que “a primeira alternativa não existe”.
Em todo o seu fulgor, ali se manifestava o
espírito golpista que sempre orientou a trajetória do mau militar que, para
infortúnio deste país, chegou à Presidência da República. Ao não admitir nem
sequer como possibilidade uma derrota eleitoral, cenário legítimo e aceitável
por qualquer político verdadeiramente democrata, Bolsonaro já prenunciava
o iter criminis – o “caminho do crime” – que estava disposto a
percorrer para se aferrar ao poder.
Pois o mesmo espírito golpista que animou
Bolsonaro antes, durante e depois de seu mandato presidencial segue inspirando
a sua defesa diante das gravíssimas acusações feitas contra ele pelo
procurador-geral da República, Paulo Gonet, no dia 18 passado. Como se sabe,
Bolsonaro foi denunciado ao Supremo Tribunal Federal (STF) por “liderar
organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado
Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e
grave ameaça contra patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado”,
crimes cujas penas somam mais de 40 anos de prisão.
No dia seguinte ao oferecimento da denúncia
formulada pela PGR contra ele e outros 33 acusados, Bolsonaro escreveu em sua
conta no X que “o mundo está atento ao que se passa no Brasil”, o que, segundo
o ex-presidente, não passaria de um ardil: o velho “truque de acusar líderes da
oposição democrática de tramar golpes”. Noves fora essa risível associação de
um fã de ditadores e torturadores com uma oposição “democrática” ao governo do
presidente Lula da Silva, Bolsonaro insiste na deslegitimação das instituições
republicanas, particularmente da PGR e do STF, para se apresentar ao Brasil e
ao mundo como vítima, ora vejam, de uma suposta perseguição política.
Se o tal “truque” descrito por Bolsonaro “não
é algo novo”, como ele escreveu, tampouco o é a manjada tese da “perseguição
política”, enunciada por dez entre dez poderosos sempre que são apanhados em
seus malfeitos. Essa balela, obviamente, não para de pé. Afinal, Bolsonaro
nunca escondeu de ninguém seu desapreço pela democracia e seu profundo
ressentimento pela promulgação da Constituição de 1988, o marco jurídico que
restabeleceu o Estado Democrático de Direito no Brasil após a ditadura militar.
Ademais, ao longo do mandato, o ex-presidente produziu provas contra si mesmo
aos borbotões, não escondendo de ninguém que uma transição pacífica de poder,
em caso de derrota eleitoral, nunca esteve em seu radar.
Ao comparar seus reveses jurídico-penais no
Brasil à truculência de ditaduras como as da Venezuela, Cuba e Nicarágua, como
fez em postagem no X, Bolsonaro exala desespero, pois não é crível que ele
desconheça as evidentes diferenças entre o grau de liberdades democráticas que
se tem aqui ante as que são negadas aos cidadãos daqueles países. Ademais, a
robustez da peça acusatória assinada pelo procurador-geral, encadeando fatos e
apresentando provas da volição delitiva de Bolsonaro e dos que a ele teriam se associado
na trama golpista, deixa pouco espaço para o ex-presidente se defender além do
recurso às teorias da conspiração, tão caras ao bolsonarismo.
É perfeitamente compreensível, portanto, o
lançamento dessa campanha de desqualificação da instituição que acusa Bolsonaro
e daquela que virá a julgá-lo. A rigor, é o mesmo modus operandi da
disseminação das mentiras que Bolsonaro inventou desde o início de seu
desditoso governo contra o sistema eleitoral brasileiro.
Felizmente, em que pese a necessidade de
reexame de comportamentos ao qual alguns ministros do STF têm de se dedicar, o
Brasil dispõe de instituições sólidas e de um sistema de Justiça que já
demonstrou ter capacidade de resistir a mentiras e investidas autoritárias. Se
Bolsonaro nada teme, que desça do palanque da desinformação e se defenda nos
autos.
A ‘formalização’ do crime organizado
O Estado de S. Paulo
Estudo mostra a extensão da contaminação da
economia formal pelas facções, e já se teme o fenômeno da ‘mexicanização’, isto
é, a transformação do crime como maior empregador do País
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública
(FBSP) mapeou, pela primeira vez, o impacto econômico do crime no País. O
estudo Rastreamento de Produtos e Enfrentamento ao Crime Organizado no
Brasil apresenta um impressionante diagnóstico da ramificação da
bandidagem em mercados formais e traz também uma série de recomendações.
Os valores estimados pelo relatório
impressionam, e quatro setores chamam mais a atenção. Com base em dados
coletados pelos pesquisadores a partir de 2022, chegou-se à estimativa de que o
crime organizado movimenta R$ 146,8 bilhões por ano com combustíveis, bebidas
alcoólicas, ouro e cigarro.
Mas há ainda mais 18 setores em que as
facções se ramificaram, como transportes, imobiliário, pesca, e roubo de
celulares e golpes virtuais. Aliás, este último tem receita de R$ 186 bilhões
por ano.
O foco dos pesquisadores, porém, foram os
maiores mercados lícitos contaminados pelo crime organizado. Isso não significa
que o tráfico de drogas tenha perdido relevância, mas tão somente que nos
setores formais a bandidagem encontrou novas frentes de atuação e vastas fontes
de receita.
A cocaína não é nada desprezível para o
crime, haja vista que por ano esse entorpecente movimenta R$ 15 bilhões. Como
explicou o presidente do FBSP, Renato Sérgio de Lima, ao Estadão, a
infiltração nos mercados lícitos, usados inicialmente para a lavagem de
dinheiro do tráfico, gerou “receita tão grande que a droga deixou de ser o
negócio mais rentável, ainda que não tenha deixado de ser o principal”.
E prova disso é que facções como o Primeiro
Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) não abrem mão de exportar
cocaína por portos de norte a sul do País, com destino a mercados bilionários,
como o europeu. Mas enquanto o tráfico de drogas dá suporte às facções
criminosas em sua expansão desenfreada por territórios, onde impõem “leis” e
amedrontam a população, o contágio de setores formais propicia influência
econômica e política aos criminosos, que não à toa tentam influenciar eleições.
Há muita audácia, sofisticação e
versatilidade do crime. Da perspectiva econômica, a presença no mercado de
combustíveis e lubrificantes, por exemplo, já se dá de ponta a ponta da cadeia,
passando por refino, distribuição e comercialização dos produtos, além de
adulteração. Na venda de cigarros, há efeitos na saúde, além de farta
sonegação. Já no mercado do ouro, são inegáveis os impactos ambientais em razão
dos garimpos ilegais na Amazônia.
Tanta influência do crime organizado em
tantos setores econômicos acarreta prejuízos gigantescos e variados ao País.
Além da retroalimentação do financiamento dos negócios do crime organizado, há
perdas bilionárias de arrecadação de governos municipais, estaduais e federal
em razão de fraudes tributárias e evasão fiscal.
Ademais, segundo Renato Sérgio de Lima,
presidente do FBSP, o avanço desses negócios ilícitos pode levar o Brasil a uma
espécie de “mexicanização”. Isso porque, no México, o crime organizado já é o
maior empregador do país. De acordo com ele, embora o Brasil ainda esteja longe
dessa degeneração, o risco é real, uma vez que, “em algumas regiões, como a
Amazônia, isso já acontece”.
Para que esse processo seja revertido,
exige-se uma resposta do poder público à altura do problema. E os pesquisadores
do fórum, além de o diagnosticarem, apontam remédios. Entre eles estão
governança integrada e interinstitucional que reúna segurança pública, sistema
de Justiça, meio ambiente, Receita Federal, Conselho de Controle de Atividades
Financeiras (Coaf), com coordenação e inteligência entre os níveis federal,
estadual e municipal para a adoção de ações eficazes; cooperação internacional
por meio de acordos multilaterais e bilaterais para troca de informações e
realização de operações conjuntas; e atualizações legislativas que garantam o
rastreamento de produtos, com uso de novas tecnologias.
Às autoridades brasileiras resta pouco tempo
para agir diante de um dos maiores desafios da atualidade. Mas há saídas.
Inflação atropela agenda ambiental
O Estado de S. Paulo
Lula decide suspender o cronograma do
Combustível do Futuro por recear alta de preços
O governo optou por manter a atual mistura
obrigatória de biodiesel ao diesel em 14% e suspender o cronograma oficial do
Programa Combustível do Futuro, que previa elevar o porcentual a 15% em 1.º de
março. A decisão, informa o Estadão, teria sido tomada a pedido do próprio
presidente Lula da Silva, preocupado com o fato de que a medida pudesse
impulsionar ainda mais a inflação.
O momento é delicado para o Executivo
federal. Com a aprovação no pior nível dos três mandatos de Lula, a ideia
parece ser a de evitar ou ao menos postergar decisões que possam piorar o que
já não está bom, mas o caso do biodiesel ilustra bem o quanto o governo está
perdido.
A quebra da safra de soja 2023/2024, aliada à
desvalorização do real, gerou um aumento expressivo nos preços da commodity. E
isso, por óbvio, não passou despercebido pelo consumidor. O óleo de soja subiu
29% no ano passado, segundo o IBGE, sendo 5,12% apenas em dezembro.
A soja é também matéria-prima utilizada na
produção do biodiesel. E o diesel fóssil já aumentou por dois motivos
diferentes desde o início de fevereiro. Além de a Petrobras ter reajustado em
R$ 0,22 o preço do litro do combustível nas refinarias, os governadores
elevaram a alíquota de ICMS sobre o produto em R$ 0,06.
Aos olhos do governo, manter o cronograma do
aumento da mistura do biodiesel ao diesel poderia gerar novos aumentos no preço
de um combustível essencial no transporte de cargas. Mas é sintomático que isso
tenha sido feito para evitar um aumento de um centavo por litro – impacto que
chegaria ao consumidor final caso a mistura fosse elevada a 15%.
A decisão, por óbvio, decepcionou o setor,
que investiu pesado para aumentar a capacidade de processamento do produto e
ficou sabendo que tudo mudaria com apenas 15 dias de antecedência. O Programa
Combustível do Futuro, cuja lei foi sancionada em outubro do ano passado, prevê
R$ 260 bilhões em investimentos até 2037 e prevê que a mistura de biodiesel ao
diesel seja elevada de maneira escalonada até chegar a 20% em 2030. Como
acreditar na palavra do governo se nem mesmo uma lei recém-sancionada é cumprida?
Se o governo ao menos soubesse o que está
fazendo, talvez a decisão pudesse ser tecnicamente justificada, mas não parece
ser o caso. Os preços do óleo de cozinha e do biodiesel recuaram nos dois
últimos meses, o real voltou a ganhar valor frente ao dólar e a projeção é de
que a safra de soja bata recorde para este ano. Ainda segundo o setor, a
produção de óleo de soja é maior que o consumo interno, ou seja, os produtos
nem sequer concorrem entre si.
De uma tacada só, o governo jogou para o alto a previsibilidade e a segurança jurídica tão necessárias para atrair investimentos e mostrou que a agenda da transição energética está subordinada a questões que nada têm a ver com emissão de carbono. Pior: mais uma vez, o governo prefere atuar na ponta da cadeia, em vez de agir nas causas da inflação, com as quais contribui diretamente ao recusar-se a fazer um ajuste fiscal decente.
Trump, o flibusteiro
Correio Braziliense
Flibusteiros seguem um ciclo previsível:
exploram fragilidades, convencem aliados temporários e, quando a realidade se
impõe, são descartados
Em 1856, William Walker, um flibusteiro
americano, autoproclamou-se presidente da Nicarágua após uma expedição militar
não autorizada. Médico, advogado e jornalista, destacou-se por comandar
incursões privadas na América Central. Com apoio de mercenários e interesses
externos, tomou o poder, reintroduziu a escravidão e buscou moldar o país
conforme interesses expansionistas dos EUA. Sua trajetória exemplifica o
flibusteirismo, termo que designa indivíduos que intervêm em territórios
estrangeiros para promover interesses próprios. Mas e se esse conceito ainda
fosse atual? Seria Trump um flibusteiro dos interesses ocultos do poder real?
Trump propôs medidas que desafiam normas
internacionais e direitos humanos. Entre elas, a transferência de cidadãos
americanos condenados para prisões estrangeiras mediante compensação financeira
e a realocação dos habitantes de Gaza para nações vizinhas, com os EUA
assumindo o controle da região. Essas iniciativas reacendem um histórico de
políticas unilaterais que ignoram soberania e autodeterminação dos povos.
Além da violação dos direitos fundamentais
dos presos, direitos estes que permanecem e devem ser garantidos durante o
cumprimento da pena, violam-se outros dispositivos. No sistema de execução
penal norte-americano, a pena não é supervisionada pelo Poder Judiciário, mas,
sim, guiada por um modelo administrativo, cuja participação do Judiciário se
impõe apenas em situações de violações constitucionais. Ou seja, em havendo
qualquer tipo de violação de direitos fundamentais, de tortura, penas
indevidas, não haveria fiscalização por meio do órgão fiscalizador competente.
Ao abdicar do dever de julgar e punir os próprios cidadãos, os Estados Unidos
rebaixariam sua credibilidade como modelo jurídico e abriram precedentes para a
instrumentalização da justiça penal como ferramenta de barganha diplomática.
Contudo, não é de hoje que Donald Trump adota
políticas questionáveis e que não demonstram qualquer preocupação com o
cumprimento da lei e a garantia de direitos. A ideia de deslocar forçosamente a
população de Gaza constitui uma violação direta do direito à autodeterminação
dos povos, princípio basilar do direito internacional. A realocação compulsória
de populações tem precedentes históricos sombrios, associados a crises
humanitárias e impactos sociais de longo prazo. Na lógica trumpista, a solução
para problemas complexos passa por um redesenho geopolítico arbitrário,
ignorando as raízes dos conflitos e os direitos daqueles diretamente afetados.
Em sua ideologia, somente ele teria a solução correta para os problemas
mundiais, mostrando, mais uma vez, a visão centralizadora que os Estados Unidos
têm de si mesmo.
Se Walker não agiu sozinho, tampouco Trump
age. O flibusteiro do século 19 contou com apoio de interesses comerciais e
expansionistas, assim como Trump é impulsionado pelos verdadeiros donos do
poder: magnatas da tecnologia como Elon Musk e Mark Zuckerberg. Seu populismo e
ataques às instituições não são apenas traços pessoais, mas servem aos que
controlam a economia digital e a infraestrutura da informação. O poder
tradicional migrou para grandes conglomerados tecnológicos, tornando Trump um
agente útil, desviando a atenção das forças que realmente remodelam o mundo.
A comparação com Walker vai além da
disposição de ambos em ignorar normas internacionais. Assim como Walker
expandiu a influência americana por meio de intervenções diretas, Trump busca
reconfigurar territórios conforme interesses específicos, projetando crises
internas para fora. A instabilidade política, o descontentamento social e a
criação de inimigos externos transformam a política expansionista em válvula de
escape. Como Walker explorou fragilidades externas para consolidar poder, Trump
usa crises domésticas para justificar medidas radicais fora das fronteiras.
Flibusteiros seguem um ciclo previsível: exploram fragilidades, convencem aliados temporários e, quando a realidade se impõe, são descartados. Walker teve apoio de setores nicaraguenses que, ao perceberem que seu flibusteirismo só o beneficiava, deixaram-no à própria sorte. Trump e seus parceiros que vendem ilusões talvez descubram o mesmo: a história não protege aventureiros por muito tempo. No final das contas, o legado desses flibusteiros será, como sempre, uma história de ilusões desfeitas e ambições fracassadas.
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