Correio Braziliense
A crise diplomática e comercial entre o
Brasil e os EUA alimenta a polarização entre Lula e o ex-presidente, porém,
agora, com a balança pendendo a favor do governo e contra a oposição
A decisão do presidente dos Estados Unidos,
Donald Trump, de impor tarifas de 50% sobre produtos brasileiros é uma sanção
política sem precedentes, que viola não apenas as regras do jogo do comércio
mundial, mas também as leis norte-americanas, como apontou o prêmio Nobel Paul
Krugman. Politicamente, está sendo um tiro pela culatra, porque desestabiliza e
divide internamente as forças de direita e prejudica sobretudo a economia dos
principais estados governados por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Mais do que uma represália econômica, houve uma intervenção explícita na política interna do Brasil, conforme admitido na própria carta do republicano ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao condicionar a suspensão das tarifas ao arquivamento dos processos contra o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Os governadores de São Paulo, Tarcísio de
Freitas (Republicanos), e de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), que no primeiro
momento tentaram capitalizar a seu favor o tarifaço, estão tentando se
reposicionar, diante do enorme desgaste da oposição nas redes sociais com o
apoio de Bolsonaro às medidas de Trump. O governador de Goiás, Ronaldo Caiado
(União), está na mesma situação, embora seu estado não esteja entre os
principais exportadores para os Estados Unidos.
Todos são pré-candidatos à Presidência e
sonham com o apoio de Bolsonaro em 2026. Ironicamente, a crise diplomática e
comercial entre o Brasil e os EUA alimenta a polarização entre Lula e o
ex-presidente, porém, agora, com a balança pendendo a favor do governo e contra
a oposição.
A situação é dramática para São Paulo, que
respondeu por US$ 13,6 bilhões das exportações para os Estados Unidos em 2024,
seguido pelo Rio de Janeiro (US$ 7,4 bi), governado por outro aliado de
Bolsonaro, Cláudio Castro, e sua principal base eleitoral. Vêm a seguir Minas
Gerais (US$ 4,6 bi) e Espírito Santo (US$ 3 bi), o único estado cujo
governador, Renato Casagrande (PSB), é aliado de Lula.
A esses números somam-se os R$ 14 bilhões em
exportações do Nordeste — especialmente de Ceará, Bahia e Maranhão —, sob risco
iminente de colapso, segundo levantamento da Sudene. No Brasil meridional, Rio
Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná exportam cerca de US$ 5 bilhões para os
Estados Unidos. Em todos os estados, o bolsonarismo ficou na berlinda, mesmo
naqueles onde é amplamente majoritário.
Entre os principais produtos afetados pelas
tarifas estão petróleo, derivados, ferro e aço, celulose, café, calçados,
carnes, frutas e suco de laranja. São setores que agregam valor às exportações,
empregam milhares de brasileiros e sustentam economias regionais inteiras.
Ainda assim, em nota agradecendo o apoio de Trump, Bolsonaro não fez nenhuma
crítica ao tarifaço.
Tudo ou nada
Seu filho Flávio Bolsonaro (PL-RJ), senador
da República, não apenas minimizou a agressão como tornou mais evidente de que
se trata de uma chantagem política contra o governo brasileiro e um ultimato
contra o Supremo Tribunal Federal (STF). Disse que a solução para o tarifaço
seria anistiar os envolvidos na tentativa de golpe de 8 de janeiro. O deputado
federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) foi ainda mais longe: além de celebrar a
carta de Trump, disse que ele mesmo teria ajudado a Casa Branca a redigi-la. O
parlamentar está licenciado da Câmara e reside nos Estados Unidos, com o
propósito de articular o apoio de Trump ao seu pai, o que fez com êxito. Seu
projeto é substituir Bolsonaro, que está inelegível, nas eleições.
O tarifaço de 50% é a maior taxa comercial
cobrada a um país pelos EUA, está muito acima daquelas anunciadas para o México
(30%), o Canadá (35%), o Japão (25%) e a União Europeia (30%). E não tem
fundamentos econômicos, porque o comércio com o Brasil é superavitário para os
EUA. É mesmo uma decisão política vinculada ao julgamento e à inelegibilidade
de Bolsonaro, com quem Trump se identifica ideologicamente.A empatia entre
ambos aumentou devido aos processos que o próprio Trump sofre nos Estados
Unidos, mas que não o impediram de disputar e vencer as eleições, ao contrário
do que acontece no Brasil. Esse entendimento dificulta muito as negociações
diplomáticas e comerciais e está muito claro para o Itamaraty.
A posição dúbia de Tarcísio, que agora busca
diálogo com diplomatas americanos, expõe o dilema dos supostos “herdeiros” do
bolsonarismo e pode sepultar suas pretensões de disputar a Presidência no
próximo ano. Com apoio à chantagem do tarifaço, será impossível manter o apoio
dos eleitores fiéis a Bolsonaro, sem o qual não chegaria ao Palácio dos
Bandeirantes, e preservar pontes com o empresariado e o eleitorado moderado.
A manobra de Tarcísio, no momento, é buscar
negociações diretas com os Estados Unidos, por meio do encarregado de negócios
da embaixada norte-americana no Brasil, porém, não tem a moeda de troca exigida
por Trump: o arquivamento do processo contra Bolsonaro pelo Supremo. Até então
acuado pela perda de popularidade, Lula fatura as bandeiras da soberania
nacional, da defesa da democracia e da justiça tributária. O clã Bolsonaro, por
sua vez, tirou o protagonismo de Tarcísio e foi para tudo ou nada em 2026.
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