Corrupção com emendas corrói Orçamento
O Globo
Estão em curso no Supremo 80 investigações
para apurar suspeitas de desvio de recursos por parlamentares
A explosão das emendas parlamentares nos
últimos anos veio acompanhada de uma consequência nefasta: investigações e
denúncias de corrupção. Há cerca de 80 inquéritos e procedimentos em curso com
o objetivo de apurar suspeitas de desvio das emendas, conduzidos sob sigilo por
nove ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) — pois os parlamentares
desfrutam a prerrogativa de ser julgados lá.
A dimensão do escândalo é proporcional às
cifras distribuídas pelo Parlamento, em patamar inédito entre as democracias.
Em 2015, as emendas somavam R$ 5,4 bilhões (em valores atualizados). De 2019 a
2025, saltaram de R$ 18,5 bilhões para R$ 50,4 bilhões, mais de 170%. Em
participação na Receita Líquida da União, cresceram de menos de 1% para cerca
de 2,5%, aumentando mais que a arrecadação.
O fortalecimento do Congresso como definidor de despesas já seria problemático pelas distorções intrínsecas (ganham o dinheiro localidades com melhor relacionamento no Congresso, não as que mais precisam). Torna-se ainda mais preocupante com as evidências crescentes de que recursos têm sido desviados ao caixa dois de campanhas eleitorais. Degrada-se, assim, a qualidade da democracia.
A pedido da Procuradoria-Geral da República
(PGR), o ministro Gilmar Mendes, do STF, determinou recentemente a execução,
pela Polícia Federal (PF), de mandados de busca e apreensão contra o deputado
Júnior Mano (PSB-CE). Ele é suspeito de destinar verba de emendas a prefeituras
de aliados no interior do Ceará, usadas em licitações fraudulentas para que os
empresários vencedores dirigissem os recursos a campanhas de políticos aliados.
Mano, afirma a PF, “exercia papel central na manipulação dos pleitos eleitorais,
tanto por meio da compra de votos, quanto pelo direcionamento de recursos
públicos desviados de empresas controladas pelo grupo criminoso”.
Das provas recolhidas pela PF, constam
menções aos deputados José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara,
Eunício Oliveira (MDB-CE) — ex-presidente do Senado e ministro das Comunicações
no primeiro mandato de Lula — e Yuri do Paredão (MDB-CE). Está sob investigação
uma frente pluripartidária. As provas foram encontradas no cumprimento de
mandado de busca e apreensão expedido contra Carlos Alberto Queiroz (PSB),
conhecido como Bebeto do Choró, cidade cearense onde foi eleito prefeito no ano
passado, mas não pôde tomar posse, impedido pela Justiça Eleitoral.
A Primeira Turma do Supremo decidiu tornar
réus outros três deputados do PL sob a acusação de “comercialização de
emendas”: Josimar Maranhãozinho e Pastor Gil, ambos do Maranhão, e o suplente
Bosco Costa, de Sergipe. O deputado Juscelino Filho (União-MA) foi forçado a
sair do Ministério das Comunicações ao ser denunciado sob a suspeita de desviar
emendas. O deputado Félix Mendonça (PDT-BA) é suspeito de cobrar propina para
liberar emendas de R$ 4,6 milhões a pelo menos dois prefeitos baianos. No Rio
Grande do Sul, o deputado Afonso Motta (PDT-RS) é acusado de pedir “comissão”
de 6% sobre verbas obtidas em Brasília para um hospital gaúcho.
Nada indica que o tráfico de emendas
parlamentares ficará por aqui. As investigações têm deixado evidente até que
ponto o abuso deletério das emendas leva invariavelmente à corrosão do
Orçamento pela corrupção.
Inundações no Texas expõem cortes sem
critério do governo Trump
O Globo
Redução de quadros nos organismos
responsáveis por prevenir desastres contribuiu para extensão da tragédia
O furor tarifário de Donald Trump,
que teve no Brasil seu alvo de maior destaque, coincide com o baque interno que
ele tem sofrido em razão das inundações no estado do Texas, que até agora já
deixaram pelo menos 120 mortos, entre os quais 27 numa colônia de férias
infantil. A tragédia expôs o preço do programa de cortes promovido por Trump
nos serviços públicos, entre eles os sistemas de previsão meteorológica e
resposta a desastres climáticos.
Quando as inundações se configuravam como um
dos maiores acidentes naturais nos Estados Unidos em cem anos, o líder
democrata no Senado, Chuck Schumer, pediu investigações oficiais sobre os
efeitos dos cortes de pessoal no Serviço Nacional Meteorológico (NWS) na
tragédia. Os democratas veem evidências de que prejudicaram a resposta dos
governos às inundações na região central do estado. Não é necessariamente um
problema cortar excessos na máquina pública. Ao contrário. O problema está nos
cortes sem critério promovidos quando Elon Musk ainda comandava o Departamento
de Eficiência do Governo.
A Fema, agência federal responsável por
emitir ordens de evacuação, perdeu 20% das equipes que trabalham em tempo
integral junto a governos estaduais e municipais para coordenar planos
relacionados a desastres naturais. Trump chegou a mencionar a possibilidade de
extingui-la, transferindo responsabilidades aos estados. Afirmou que governador
de estados açoitados por furacões deveria ser capaz de cuidar do problema sem
ajuda federal.
Depois da tragédia no Texas, a questão ganhou
outra dimensão. Foram emitidos alertas e mensagens para celulares, mas as
sirenes não soaram como deveriam. Os democratas afirmam que teria havido menos
danos e mortes não fossem os cortes no sistema de alerta e gestão de desastres.
Dos 27 cargos do NWS de Austin e San Antonio, no Texas, vitais para as ações na
região da tragédia, seis estavam vagos. Um deles era de um gerente com longa
experiência em alertas e na coordenação com autoridades locais. Depois de 17
anos de trabalho, ele decidiu sair depois dos e-mails disparados por Washington
incentivando servidores a optar entre aposentadoria e demissão.
O meteorologista Louis Uccellini, diretor do
NWS durante três governos de republicanos e democratas, afirma que as equipes
do serviço trabalham dia e noite, com escalas apertadas. Em maio, ele divulgou
carta aberta de crítica a Trump, revelando que a pressão do governo sobre os
servidores levara à saída de 550 funcionários, redução de mais de 10% nos
quadros do NWS.
Em junho, a Administração Nacional Oceânica e
Atmosférica informou que o Departamento de Defesa não mais processaria e
transmitiria dados de três satélites meteorológicos, “cruciais para prever a
rota e a força de furacões no mar”. Não foram dadas explicações. O fato foi
vinculado aos cortes trumpistas pelos democratas. Tudo isso será usado nas
eleições de meio de mandato do ano que vem. Até lá pode haver novas tragédias.
A temporada de furacões vai de junho a novembro.
Inflação torna Brasil mais vulnerável a
tarifas de Trump
Folha de S. Paulo
Possível alta do dólar gerada pelo ataque
comercial tende a dificultar contenção de preços, disparados por gastos de Lula
Nenhuma economia importante é capaz de sair
incólume se submetida a tarifas de importação cavalares pela maior potência do
planeta. O Brasil, ameaçado por Donald Trump com
uma sobretaxação de 50%, tem condições de sofrer danos relativamente menores em
sua atividade produtiva.
Isso porque que somos um dos países mais
fechados ao comércio internacional —uma deficiência histórica que se mostra de
certa forma útil no momento. As exportações brasileiras equivalem a cerca de
18% do Produto Interno Bruto, abaixo do observado em outros alvos de Trump,
como Japão (22%), África do Sul (32%)
e Coreia
do Sul (44%).
Ademais, embora sejam o segundo principal
destino estrangeiro das mercadorias aqui produzidas, atrás apenas da China, os Estados
Unidos responderam por não mais de 12% de nossas exportações no ano
passado (US$ 40 bilhões de US$ 337 bilhões). No fronteiriço México, essa
proporção chega aos 80%.
Faz sentido, portanto, a avaliação de que o
tarifaço trumpista, se de fato vier a entrar em vigor em agosto, não implicará
de imediato abalos dramáticos sobre o crescimento do PIB, estimado por
analistas de mercado em 2,2% neste ano —mais otimista, o Ministério da Fazenda
prevê 2,5%. Haveria, no entanto, impactos ruinosos em setores e regiões
importantes.
A lista de produtos brasileiros mais vendidos
para os EUA inclui petróleo, ferro e aço, café, carne bovina, pasta de madeira,
aviões e suco de laranja. Os
estados líderes de embarques são, pela ordem, São Paulo, Rio de
Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio Grande do Sul.
É na inflação,
porém, que a agressão comercial de Trump pode gerar maiores danos para todos os
brasileiros. Em consequência da política irresponsável de elevação de gastos
públicos do governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), o país se
encontra em posição vulnerável nessa seara.
Divulgou-se há poucos dias que em junho o
IPCA acumulou 5,35% em 12 meses, completando neste ano seis
meses acima do limite máximo de 4,5% —correspondente à meta anual de
3% mais um intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual. No ano passado, o
índice fechou em 4,83%.
É assustador constatar esse avanço da
inflação enquanto os juros do Banco Central subiram
para 15% ao ano, seguramente uma das taxas mais elevadas do mundo. Nessa
situação, uma alta das cotações do dólar, como a que se seguiu após o anúncio
de Trump, dificulta sobremaneira a tarefa de conter a alta de preços.
Qualquer perspectiva de menos exportações e
mais incerteza econômica significa menor oferta e encarecimento da moeda
americana e dos produtos importados e, logo, mais inflação, juros e dívida
pública. A necessidade urgente de trabalhar pela queda da Selic deveria
fazer o governo Lula apressar um ajuste orçamentário inevitável, mas todos
sabem que isso não ocorrerá.
Mais gasto público fora dos limites
Folha de S. Paulo
Ressarcir vítimas das fraudes no INSS com
recursos não sujeitos às regras fiscais impacta equilíbrio das contas públicas
A credibilidade das contas públicas continua
a ser minada com a flexibilização pelos três Poderes dos limites de gastos. A
qualquer demanda, meritória ou não, criam-se novas despesas, em vez de se fazer
escolhas a partir de restrições.
Exemplo recente é o caso dos descontos
fraudulentos de aposentados e pensionistas do INSS por sindicatos e
associações. Para acelerar a resolução do problema e conter a judicialização, o
ministro Dias Toffoli,
do Supremo Tribunal Federal, homologou os termos propostos pelo governo para a
devolução do dinheiro.
Os beneficiários que contestaram os descontos
e não obtiveram resposta das entidades associativas receberão os valores
corrigidos pelo IPCA. Até o momento, são cerca de 3,6 milhões de contestações,
e a maioria deve gerar ressarcimento. A adesão ao acordo é voluntária, mas quem
já entrou na Justiça contra o INSS precisa desistir da ação.
Contudo a medida, correta para as partes,
carrega uma distorção, já que o magistrado autorizou que os valores estimados
em R$ 3 bilhões sejam
pagos por meio de crédito extraordinário, que está fora dos limites legais
de gastos e da meta fiscal, que prevê deficit primário zero neste ano.
Excluir o pagamento às vítimas do INSS do
ordenamento orçamentário significa lesar duas vezes os contribuintes. A decisão
mais sensata seria cortar outras despesas menos prioritárias.
Não se trata, ademais, de evento isolado na
administração pública, pois os gastos extraordinários vem se multiplicando nos
últimos anos, como os
precatórios que estão fora das contas até o final de 2026. Agora,
considera-se expandir prazos de pagamento de demandas judiciais para estados e
municípios. Não é difícil antever os resultados nefastos.
Dispêndios tratados arbitrariamente como
"extras" mascaram a verdadeira situação das finanças do Estado. Cada
real fora do planejamento pressiona o endividamento público, aumenta os juros da
dívida e reduz o espaço para investimentos produtivos.
É imprescindível que todas as despesas sejam
incorporadas às metas. Isso não significa negar direitos, mas garantir que eles
sejam cumpridos de modo sustentável. As boas práticas orçamentárias existem
para proteger o país de aventuras que, no passado, causaram inflação e
recessão.
Ao ignorá-las, estimula-se a instabilidade. É necessário diálogo interinstitucional para alinhar as decisões do STF, do Executivo e do Legislativo às restrições do Orçamento. Mas não parece haver em nenhum dos Poderes lideranças com tal disposição.
Aprendizes de Bolsonaro
O Estado de S. Paulo
Fiéis à desonestidade intelectual do
padrinho, governadores bolsonaristas que aspiram à Presidência culpam Lula pela
ameaça de tarifaço de Trump. A direita pode ser muito melhor que isso
A direita brasileira que se pretende moderna
e democrática, se quiser construir um legítimo projeto de oposição ao governo
Lula da Silva, precisa romper definitivamente com Jair Bolsonaro e tudo o que
esse senhor representa de atraso para o Brasil. Não se trata aqui de um
imperativo puramente ideológico, e sim de uma exigência mínima de civilidade,
decência e compromisso com os interesses nacionais.
O recente ataque do presidente americano,
Donald Trump, às instituições brasileiras, supostamente em defesa de Bolsonaro,
é só uma gota no oceano de males que o bolsonarismo causa e ainda pode causar
aos brasileiros. A vida pública de Bolsonaro prova que o ex-presidente é um
inimigo do Brasil que sempre colocou seus interesses particulares acima dos do
País. A essa altura, portanto, já deveria estar claro para os que pretendem
herdar os votos antipetistas que se associar a Bolsonaro, não importa se por crença
ou pragmatismo eleitoral, significa trair os ideais da República e arriscar o
progresso da Nação.
Por razões óbvias, Bolsonaro não virá a
público condenar o teor da famigerada carta de Trump a Lula. Isso mostra, como
se ainda houvesse dúvidas, até onde Bolsonaro é capaz de ir – causar danos
econômicos não triviais ao País – na vã tentativa de salvar a própria pele,
imaginando que os arreganhos de Trump tenham o condão, ora vejam, de subjugar o
Supremo Tribunal Federal e, assim, alterar os rumos de seu destino penal.
Nesse sentido, é ultrajante a complacência de
governadores como Tarcísio de Freitas (SP), Romeu Zema (MG) e Ronaldo Caiado
(GO) diante dos ataques promovidos pelo presidente dos EUA ao Brasil. As
reações públicas dos três serviram para expor a miséria moral e intelectual de
uma parcela da direita que se diz moderna, mas que continua a gravitar em torno
de um ideário retrógrado, personalista, francamente antinacional e falido como
é o bolsonarismo.
Tarcísio, Zema e Caiado, todos aspirantes ao
cargo de presidente da República, usaram suas redes sociais para tentar
impingir a Lula, cada um a seu modo, a responsabilidade pelo “tarifaço” de
Trump contra as exportações brasileiras. Nenhum deles se constrangeu por
tergiversar em nome de uma “estratégia eleitoral”, vamos chamar assim, que nem
de longe parece lhes ser benéfica – haja vista a razia que a associação ao
trumpismo provocou em candidaturas mundo afora.
Tarcísio afirmou que “Lula colocou sua
ideologia acima da economia, e esse é o resultado”, atribuindo ao petista a
imposição de tarifa de 50% sobre as exportações brasileiras aos EUA – muitas
das quais saem justamente do Estado que ele governa. Classificando, na prática,
a responsabilidade de Bolsonaro como uma fabricação, o governador paulista
concluiu que “narrativas não resolverão o problema”, como se ele mesmo não
estivesse amplificando uma narrativa sem pé nem cabeça.
Caiado, por sua vez, fez longa peroração, com
direito a citação do falecido caudilho venezuelano Hugo Chávez, antes de dizer
que, “com as medidas tomadas pelo governo americano, Lula e sua entourage tentam
vender a tese da invasão da soberania do Brasil”. Por fim, coube a Zema
encontrar uma forma de inserir até a primeira-dama Rosângela da Silva no script para
exonerar Bolsonaro de qualquer ônus político pelo prejuízo a ser causado pelo
“tarifaço” americano se, de fato, a medida se concretizar.
O Brasil não merece lideranças que
relativizam os próprios interesses nacionais em nome da lealdade a um projeto
autoritário, retrógrado e personalista. Até quando a direita brasileira
permitirá ser escrava de um desqualificado como Bolsonaro? Não é essa a direita
de um país decente. Não é possível defender o Estado Democrático de Direito e,
ao mesmo tempo, louvar e defender um ex-presidente que incitou ataques às urnas
eletrônicas, ameaçou as instituições republicanas, sabotou políticas de saúde
pública e usou a máquina do Estado em benefício próprio e de sua família ao
longo de uma vida inteira.
O Brasil precisa, sim, de uma direita
responsável, madura e comprometida com o futuro – não de marionetes de um
golpista contumaz.
Brotam penduricalhos
O Estado de S. Paulo
Enquanto se discutem medidas para frear a
profusão de privilégios dos magistrados, tribunais País afora deram a largada a
uma corrida por benefícios, com salto de 49% nos gastos
Um recente estudo apresentado pelo Movimento
Pessoas à Frente mostrou que os penduricalhos pagos aos juízes brasileiros
custaram R$ 10,5 bilhões ao País em 2024. Segundo os cálculos realizados pelo
economista Bruno Carazza com base em dados do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ), houve um aumento desses gastos da ordem de 49% em relação aos R$ 7
bilhões registrados no ano anterior. A título de comparação, a expansão é dez
vezes a inflação oficial do período, que foi de 4,83%, de acordo com o Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Em tese, nenhum servidor público deveria
receber por mês uma remuneração superior àquela paga a um ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF), o chamado teto constitucional. No ano passado, esse
limite era de R$ 44 mil, mas ao menos 93% dos magistrados conseguiram furá-lo,
em um movimento que cresce ano após ano. Foi em setembro de 2022 que os juízes
passaram a ganhar em média mais do que os integrantes da mais alta Corte. Em
2023, o valor subiu para R$ 45 mil em média por mês; em 2024, foi de R$ 54,9 mil;
e, neste ano, já são R$ 66,4 mil.
Não há notícia no Brasil de uma categoria de
trabalhadores que tenha registrado um aumento nessa magnitude e nessa
velocidade, mas no Judiciário brasileiro esse fenômeno é possível graças ao
poder que os magistrados têm para se autoconcederem benefícios em série. Isso
ocorre porque, por meio de decisões de conselhos superiores, como o próprio
CNJ, são criadas e distribuídas as chamadas verbas indenizatórias, que são
benefícios que permitem o estouro do teto e ainda driblam o Imposto de Renda.
O que era para ser uma verba eventual ou
transitória, torna-se, na prática, permanente. Hoje, esses penduricalhos são
pagos nos mais variados tipos de auxílios, como saúde, e sob as mais criativas
justificativas, como no caso de um alegado excesso de trabalho ou acúmulo de
função em que um magistrado contabiliza até dez dias de folga por mês, podendo,
por óbvio, convertê-las em dinheiro. E, para piorar, há efeito cascata por
tribunais País afora e Ministério Público. Não à toa, recentemente até servidores
do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
passaram a ter direito a folgas – leia-se, dinheiro – por “excesso de trabalho”
na produção de minutas de votos dos ministros.
Esse milagre de multiplicação dos rendimentos
dos juízes por meio dos penduricalhos não é recente no Brasil e tem se
acentuado, num evidente escárnio ao contribuinte. Existe uma explicação para
essa subversão. Segundo o estudo coordenado por Carazza, houve uma verdadeira
“corrida” por esses benefícios no ano passado. Essa largada em busca de
penduricalhos foi dada quando o governo Lula da Silva e o Congresso começaram a
debater uma proposta legislativa para frear a profusão de verbas indenizatórias
que mascara benesses e culminam nos chamados supersalários.
Na época, associações de magistrados e até
presidentes de tribunais manifestaram-se contra medidas que pudessem, em seu
douto entendimento, afetar as prerrogativas do Poder Judiciário. A gritaria
surtiu efeito, e a discussão foi posta mais uma vez em banho-maria. Poucos
servidores públicos exercem um lobby tão forte e eficaz em Brasília quanto os
magistrados, que batem de porta em porta no Congresso para ter seus interesses
atendidos e, após deixarem suas associações, ocupam cadeiras nos conselhos
superiores, onde também atuam como sindicalistas.
Mas esse debate não pode mais esperar. Os
supersalários pagos a essa elite do funcionalismo, que também compõe a elite da
sociedade brasileira, prejudicam o serviço público de um modo geral, por
ignorar o desempenho, a responsabilidade e a meritocracia. Considerando que as
varas continuam abarrotadas, com cerca de 80 milhões de processos pendentes de
julgamento, não se pode condenar quem veja nos supersalários dos magistrados um
prêmio indevido.
Juízes ‘sem rosto’, Estado sem medo
O Estado de S. Paulo
TJ-SC cria vara que preserva identidade de
magistrados que punem integrantes de facções
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina
(TJ-SC) acabou de criar uma Vara Estadual de Organizações Criminosas na qual a
jurisdição será colegiada e anônima. Essa unidade terá cinco juízes, que
tomarão conjuntamente decisões sobre processos do Estado que versem sobre
crimes praticados por integrantes de facções criminosas. Para isso, serão
escalados magistrados “sem rosto” para que possam desempenhar seu trabalho.
Onde na sentença deveria estar a assinatura de um juiz, constará “Vara Estadual
de Organizações Criminosas”.
Acertadamente, a Justiça catarinense apostou
na tecnologia. Um software desenvolvido em parceria com uma empresa
norte-americana vai distorcer o rosto e a voz do juiz, e não será possível
identificar nem o sexo do interlocutor. Com isso, evita-se que o criminoso em
julgamento tenha conhecimento de quem é o agente do Estado que o processa,
julga e eventualmente venha a condená-lo. Nem mesmo a identidade dos 35
servidores alocados para trabalhar nessa vara será revelada. E a ferramenta
tecnológica vai usar da inteligência artificial para fazer o reconhecimento
facial das testemunhas e transcrever audiências.
A complexidade dos delitos cometidos por
integrantes de facções criminosas, e não raro a violência que empregam para
impor seu poder, justificam essa cautela e a preocupação do Judiciário
catarinense. Integrantes de facções criminosas como o Primeiro Comando da
Capital (PCC), presentes em todo o País e no exterior, dominam territórios,
espalham o terror nas ruas, atuam no bilionário tráfico internacional de drogas
e se infiltram em uma série de setores econômicos legais para lavar dinheiro
oriundo de suas atividades ilícitas extremamente lucrativas.
A audácia dos integrantes das organizações
criminosas exige dos Poderes do Estado respostas inteligentes e bem
articuladas, como a iniciativa adotada pelo TJ-SC. Inspirado em iniciativas já
implementadas em países como Colômbia, México e Peru, e amparado na lei e em
uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Judiciário catarinense
reage de forma adequada no combate ao crime organizado ao mesmo tempo em que
garante a segurança dos seus magistrados e servidores. Não à toa, o presidente
em exercício do TJ-SC, desembargador Cid Goulart, afirmou ao Estadão que
chama a iniciativa de “verdadeiro sonho de Justiça” por promover “segurança,
tranquilidade e, sobretudo, saúde mental” dos seus funcionários.
De fato, não é possível exercer uma atividade jurisdicional em sintonia com as expectativas da sociedade quando se temem ameaças ou retaliações. Ao adotar a colegialidade, garantir o anonimato e recorrer à tecnologia contra esse bandidos, a Vara Estadual de Organizações Criminosas catarinense acelera a promoção da justiça e encurta o caminho na direção da pacificação social. Essa estratégia institucional se mostra necessária e promissora no enfrentamento das facções e, por tudo isso, deveria servir de exemplo a todo o Poder Judiciário brasileiro.
País avança com uma negra na ABL
Correio Braziliense
A chegada de Ana Maria Gonçalves à casa
fundada por Machado de Assis é repleta de simbolismos. Em primeiro lugar porque
a primeira imortal negra passa a integrar a instituição que perpetua o legado
Foram necessários praticamente 128 anos, a
serem completados no próximo dia 20, para a Academia Brasileira de Letras abrir
as portas para uma negra. Na última quinta-feira, a escritora Ana Maria
Gonçalves ingressou no panteão da cultura nacional, em votação praticamente
unânime. Obteve 30 dos 31 votos possíveis no sufrágio entre os imortais. A
mineira nascida em Ibiá vai ocupar a cadeira de número 33, antes pertencente ao
gramático e filólogo Evanildo Bechara, falecido em maio último.
A chegada de Ana Maria Gonçalves à casa
fundada por Machado de Assis é repleta de simbolismos. Em primeiro lugar porque
a primeira imortal negra passa a integrar a instituição que perpetua o legado
do maior escritor do Brasil, apenas recentemente identificado como um autor
afrodescendente. Trata-se de um avanço extraordinário em um país onde negros
acumulam dificuldades históricas no acesso à educação e no reconhecimento de
sua cultura.
A conquista da escritora também representa um
marco porque reforça a presença feminina na cultura nacional. No dia da
eleição, a nova integrante da ABL comentou a importância do momento. "É
uma responsabilidade grande. Sou a 13ª mulher na Academia, que proibia nossa
entrada até 1970. As mulheres precisam se candidatar mais. Que venham mais
mulheres. É um dos papéis que gostaria de ensinar lá dentro, este caminho das
pedras", afirmou.
Por último, Ana Maria Gonçalves imprime um
traço de renovação na instituição mais tradicional da cultura brasileira. Aos
54 anos, a mais jovem imortal da Academia pretende alargar os horizontes da
literatura no Brasil, no momento em que a leitura e a concentração estão cada
vez mais escassas. "Minha eleição sinaliza a vontade da Academia de
diversidade e que ela traga um outro público", sustenta a escritora,
roteirista e dramaturga.
Em larga medida, o ingresso de Ana Maria
Gonçalves na ABL é creditado à sua magistral obra Um defeito de cor, publicada
em 2006. A trajetória da negra Kehinde, narrada em primeira pessoa, revela um
retrato profundo do Brasil escravocrata, com um lirismo extraordinário. Com
mais de 180 mil exemplares vendidos, o livro de 952 páginas está na 46ª edição.
Em 2024, inspirou o enredo da escola de samba Portela no carnaval do Rio de
Janeiro.
Em entrevista publicada na revista Fórum de
Literatura Brasileira Contemporânea, em 2020, Ana Maria Gonçalves explicou por
que decidiu mergulhar no universo de Um defeito de cor. Afirmou que o romance
histórico é um registro de sua "construção de identidade como mulher
negra". Filha de mãe negra e pai branco, revelou a motivação que a levou a
escrever a monumental obra. "O meu livro foi a minha busca também, por
construir uma identidade de uma história que me foi negada, a história dos negros
no Brasil", contou a nova imortal.
Ao reconhecer o talento de Ana Maria Gonçalves, a ABL contribui para o Brasil ler as suas próprias raízes. Que venham mais capítulos.
O "coração da Cidade" precisa de
cuidado
O Povo (CE)
Conhecida como um símbolo histórico e um
marco patrimonial para a cidade de Fortaleza, a Praça do Ferreira será
finalmente requalificada. O conhecido cartão-postal da Capital passará por
serviços que incluem uma reforma completa do piso, instalação de travessias
elevadas, remodelação dos passeios com acessibilidade, construção de quiosques,
instalação de fontes interativas e paraciclos e reforma da fonte da Coluna Hora
e de estátuas de bronze. Também está previsto o alargamento da Praça em oito
metros.
A ordem de serviço, assinada pelo prefeito
Evandro Leitão e pelo governador Elmano de Freitas, na semana passada, foi
celebrada por quem frequenta o Centro e por comerciantes da região. Afinal, a
área merece esse olhar mais cuidadoso pela quantidade enorme de pessoas que
passam pelo local e, sobretudo, pelo patrimônio que representa para a Capital.
É um ícone que dialoga com a identidade de um povo.
O orçamento divulgado para as reformas é de
R$ 8 milhões e a entrega deve ser feita até novembro deste ano. Segundo os
governos, a intervenção ocorrerá em parceria com a Câmara de Dirigentes
Lojistas de Fortaleza (CDL Fortaleza) e seguirá o projeto original dos
arquitetos Fausto Nilo e Delberg Ponce de Leon. Ambos foram responsáveis pela
última grande reforma da praça, no ano de 1991, na gestão do então prefeito
Juraci Magalhães (1931-2009).
A ideia é que as novas intervenções garantam
também mais acessibilidade. É uma preocupação louvável, contanto que seja
colocada em prática de modo eficaz, respeitando o direito de ir e vir e dando
condições para que todos possam transitar pelo local com as devidas condições.
De acordo com o presidente da CDL Fortaleza, Assis Cavalcante, as pedras
portuguesas, que são características do piso atual, serão recolocadas depois de
uniformizadas. Desse modo, serão diminuídos os problemas causados para os pedestres
por causa das pedras que se soltam no pavimento.
Inaugurada oficialmente em 1933, a Praça do
Ferreira é conhecida amplamente como "o coração da cidade".
Testemunha de conversas cotidianas nos tradicionais bancos e zona de passagem
de um fluxo intenso de pessoas e veículos, a Praça é palco de acontecimentos
políticos, econômicos e culturais que imprimem em Fortaleza a marca da
metrópole que ela é hoje. Impossível falar da capital cearense sem citar a
Praça do Ferreira.
Tem esse nome devido a uma homenagem ao
ex-vereador Boticário Ferreira, responsável pela reforma e urbanização do
local, quando era presidente da Câmara Municipal. Ao longo dos anos, a praça
recebeu outros nomes, como Feira Nova, Largos das Trincheiras, Pedro II e
Municipal.
A renovação do local, com possibilidade de acolhida a todos que por lá passam, é um fato que precisa ser comemorado. Ao mesmo tempo, cobra-se dos governos que outros espaços do Centro não sofram o abandono histórico patrimonial que destoa completamente da conexão afetiva que mantêm com a Cidade.
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