quarta-feira, 8 de agosto de 2012

OPINIÃO DO DIA – Roberto Gurgel: o mensalão maculou a República (IV)

Muitas situações se passavam entre quatro paredes, mas não entre quatro paredes comuns. Mas entre quatro paredes de um palácio presidencial. Toda, absolutamente toda prova possível, transbordantemente suficiente para a condenação dos réus, foi produzida. Jamais um delírio foi tão solidamente, tão concretamente, tão materialmente documentado e provado.

Roberto Gurgel, Procurador Geral da República, na sustentação oral de acusação no processo do mensalão, em 3/8/2012

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Réus responsabilizam Valério
Preço da gasolina vai aumentar ainda este ano
O encontro do mensalão com a CPI do Cacheira
TIM pode ser punida de novo

FOLHA DE S. PAULO
Senado institui cotas para 50% das vagas nas federais
Julgamento do mensalão não afeta planos do PT, diz ministro
Defesa tenta desvincular acusados de Marcos Valério
Anvisa quer exigir receita para remédios tarja vermelha
Anatel cometeu 'falhas grosseiras', diz vice da TIM

O ESTADO DE S. PAULO
'Quem aposta no desgaste se decepcionará’, diz Planalto
SP tem o menor peso na criação de vaga na década
Servidores em greve recebem adesão da PF
Anatel acusa TIM de derrubar ligações

VALOR ECONÔMICO
IPOs pós-crise dão maior retorno aos investidores
Dividendos de estatais bem abaixo da meta
Justiça dá a pastor vínculo de emprego
O trabalho que um 9 deu aos bancos

BRASIL ECONÔMICO
Dilma dá ordem para destravar o Ministério dos Transportes
Seca nos EUA traz recorde na venda de etanol
Fundos de ações voltam a seduzir investidores

CORREIO BRAZILIENSE
Greve cresce e ameaça imobilizar a Esplanada
Educação: Universidade terá 50% das vagas para alunos da rede pública
Mensalão: Mello rechaça prisão imediata de condenados
Para Anatel, TIM derruba as ligações e comete fraude

ESTADO DE MINAS
Caladão milionário
Defesas voltam a apontar acusação frágil no mensalão
Parceiros lideram agressões à mulher

ZERO HORA (RS)
Interior na mira de explosões em bancos
TIM derruba chamadas, acusa Anatel
O pacote do Planalto: Obstáculos no caminho de Dilma
O pacote do Piratini: Projetos de lei preveem reajustes

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Anatel investiga a TIM
Advogados usam Valério como bode expiatório
Senado aprova cotas nas federais
TRT julga ilegais as greves na refinaria e Petroquímica Suape

O que pensa a mídia - editoriais dos principais jornais do Brasil

http://www2.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais

Réus responsabilizam Valério

A estratégia comum ontem dos advogados de Rogério Tolentino, Cristiano Paz, Simone Vasconcelos e Geiza Dias – acusados de formar o “núcleo operacional” do mensalão – foi jogar toda a responsabilidade em Marcos Valério, dono da agência SMP&B, na qual todos trabalharam ou prestaram serviços. Eles alegaram que seus clientes apenas cumpriam ordens ou nada sabiam sobre o destino final dos recursos repassados a políticos. Também ontem, o advogado da ex-presidente do Banco Rural Kátia Rabello, José Carlos Dias, negou irregularidades nos empréstimos do banco para Valério.

Tudo na conta do chefe

Para defesa do "núcleo operacional do mensalão", clientes só cumpriam ordens de Valério

Evandro Éboli, Thiago Herdy

UM JULGAMENTO PARA A HISTÓRIA

BRASÍLIA Acusados de formar o que o Ministério Público chamou de "o núcleo operacional" do esquema do mensalão, o advogado Rogério Tolentino, o publicitário Cristiano Paz e Simone Vasconcelos e Geiza Dias, ex-funcionárias da agência de publicidade SMP&B, adotaram ontem a mesma estratégia para tentar se desvincular das acusações de envolvimento no repasse de dinheiro para políticos ligados ao governo Lula entre 2004 e 2005. Os advogados dos quatro réus preferiram repassar a Marcos Valério, dono da SMP&B, toda a responsabilidade pelas ordens para irrigar mensalão.

O advogado de Tolentino, Paulo Sérgio Abreu e Silva, argumentou que seu cliente não poderia ser acusado de corrupção ativa por não ter participado da entrega de recursos a parlamentares. Segundo ele, Tolentino, advogado de Marcos Valério, deu cheques com sua assinatura e com valores em branco a Marcos Valério. A secretária de Valério os teria preenchido e depositado em conta para que fossem repassados a três ex-deputados petistas.

- Rogério não entregou dinheiro para político nenhum, ele entregou dinheiro à SMP&B. Não houve ação de corromper - alegou.

Sobre o recebimento de R$ 1,4 milhão por Tolentino - valor que teria sido repassado a políticos, segundo a denúncia do MPF -, Abreu e Silva alegou que o dinheiro era referente a honorários por serviços prestados por Tolentino à SMP&B e não contabilizados.

- Não havia prova de que esse dinheiro fosse para uma terceira pessoa. Ele recebeu essa importância e colocou no colo dele, gastou com ele. (...) Rogério fez caixa dois, Rogério sonegou - disse o advogado, informando que a responsabilização adequada para esse crime é a autuação fiscal, com pagamento de multa.

Advogado minimiza cargo da cliente

O advogado Leonardo Yarochewsky fez o perfil da ex-diretora da SMP&B Simone Vasconcelos apenas como uma cumpridora de ordens de Valério, sem qualquer autonomia na empresa. Disse que Simone trabalhava em um andar da agência conhecido como porão e que era uma simples assalariada da agência. Ela era a responsável por fazer os pagamentos a políticos, entregar diretamente o dinheiro em suas mãos ou de prepostos. Políticos que, segundo Yarochewsky, Simone não conhecia por ser uma "ignorante política".

- A mando de Marcos Valério, Simone entregou várias quantias de dinheiro para vários parlamentares, mas nem sabia quem eram esses parlamentares. Não conhecia a composição partidária. O dinheiro não lhe pertencia. Marcos Valério ordenava: vai lá e entregue R$ 50 mil, R$ 100 mil para fulano e beltrano - disse Yarochewsky.

Sobre os pagamentos realizados na agência do Banco Rural, num shopping de Brasília, ele comentou.

- Era uma agência bancária que funciona num shopping, com câmera, tinha que apresentar carteira de identidade. Nunca vi alguém assaltar banco e entregar identidade.

O advogado minimizou o fato de Simone ter cargo de diretora na SMP&B.

- Tem diretor de tudo numa agência. Tem mais diretor que funcionário.

Castellar Modesto Guimarães, advogado do publicitário Cristiano Paz, ex-sócio da SMP&B, repetiu a mesma linha de defesa do ex-sócio da agência Ramon Rollerbach, no dia anterior. Alegou que, por cuidar de assuntos da SMP&B, seu cliente não tinha envolvimento com o esquema financeiro montado por Valério, apesar de ter participado de reunião para discutir os empréstimos tomados em nome da empresa para abastecer o PT e aliados.

- Para um homem de publicidade, a tarefa que lhe cabe é se dedicar à sua atividade de criar. (Paz) trabalhava na construção de marcas, para que seus clientes restassem bem atendidos. (...) - alegou o advogado.

Geiza seria "batedeira de cheques"

Guimarães disse que Tolentino se tornou sócio do filho na Filadélfia Comunicação logo após o mensalão, tamanho seu reconhecimento profissional. O advogado se emocionou ao falar da convivência com Cristiano nos últimos anos e disse que o Ministério Público não tem prova contra o cliente.

- Havia uma expectativa de que a instrução criminal possibilitasse melhor robustez dessa prova, o que não ocorreu. Cristiano era sócio da SMP&B e tão somente pelo fato de ter sido sócio de Valério e Ramon ele se vê a responder por esse processo - reclamou.

O advogado criticou o fato de o Ministério Público não ter feito perguntas a "pouco mais de três centenas de testemunhas" ouvidas no processo, para que pudesse fundamentar a acusação.

- Nenhuma vez sequer existe pelo menos a menção ou a demonstrada intenção de individualizar a conduta a ser atribuída a Cristiano Paz - disse.

A defesa de Geiza Dias, ex-gerente financeira da SMP&B, usou a mesma argumentação de Simone Vasconcelos e alegou que a cliente não tinha autonomia e só cumpria ordens. As duas respondem por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e evasão de divisas. Geiza era subordinada de Simone. O advogado Paulo Sérgio Abreu afirmou que Geiza não conhecia José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino, petistas réus na ação do mensalão. Segundo ele, Geiza era funcionária sem qualquer importância:

- A minha cliente vai me perdoar, sei que estou sendo visto por ela. Mas era uma funcionária mequetrefe, de terceiro ou quarto escalão no setor financeiro. Uma batedeira de cheque.

Paulo Sérgio afirmou ainda que Geiza, por conta do escândalo, teve que sair de Belo Horizonte, onde vivia.

- Essa é a vida de Geiza. Estudou com dificuldades, foi admitida em 1997 na SMP&B, com salário de R$ 1,1 mil, e foi demitida, quando o escândalo estourou, com salário de R$ 1.740. Moça pobre, trabalhadora, honesta.

FONTE: O GLOBO

Defesa de ex-dirigente do Rural diz que Coaf sabia de empréstimos

Kátia Rabello não presidia banco na época do mensalão, diz advogado

André Coelho

BRASÍLIA O ex-ministro José Carlos Dias, advogado da ex-presidente do Banco Rural Kátia Rabello, negou ontem irregularidade nos empréstimos do banco para Marcos Valério, operador do mensalão. Dias disse que todos os empréstimos e os saques foram devidamente informados ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

O advogado teve dificuldade, no entanto, de explicar por que o banco não identificou alguns destinatários de recursos distribuídos por Valério a pessoas indicadas pela cúpula do PT. Segundo ele, Kátia presidia um banco de porte médio, com 120 agências e 2.000 empregados. Por isso, não tinha como acompanhar todas as transações.

- Como é que vamos imaginar que a presidente vai fiscalizar os saques feitos nas agências? Nem as mais sofisticadas teorias conspiratórias ousariam supor que cidadãos que passavam pela agência em Brasília seriam assessores, familiares de políticos - disse Dias.

Pela denúncia do MPF, o Rural concedeu empréstimos fictícios ao PT, por intermédio de Valério, para ajudar o partido a esconder a movimentação de dinheiro feita por dirigentes do partido para comprar votos de parlamentares no início do governo Lula. Em troca dos empréstimos, o banco esperava obter vantagens na liquidação extrajudicial do Banco Mercantil de Pernambuco.

Dias confirmou que dirigentes do Rural pediram ao ex-chefe da Casa Civil José Dirceu os créditos referentes à liquidação do Banco Mercantil, do qual o Rural tinha ações. O fato teria ocorrido numa reunião em um hotel em Belo Horizonte, conforme acusa o Ministério Público no processo no mensalão:

-Houve o pleito. Não sei se foi ela (Kátia Rabello) pessoalmente ou se outra pessoa fez. Mas não há ilegalidade alguma nisso. Foi uma reunião pública.

Kátia Rabello foi acusada de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e gestão fraudulenta. Para Dias, a denúncia não tem fundamento. Ele diz que à época dos empréstimos, em 2003, o banco era presidido por José Augusto Dumont. Era Dumont, e não Kátia, quem tinha relações com Valério. Dumont morreu em 2004 e Kátia assumiu a presidência, só deixando o cargo depois do mensalão.

Antes de fazer sua defesa, Dias apresentou questão de ordem pedindo a suspensão da sessão porque a ministra Cármen Lúcia não estaria presente. Ela tinha compromisso no Tribunal Superior Eleitoral. O pedido foi rejeitado por unanimidade pelos ministros do STF. A OAB protestou.

FONTE: O GLOBO

Defesa tenta desvincular acusados de Marcos Valério

Quatro acusados de integrar o núcleo operacional do mensalão buscaram se desvincular do empresário Marcos Valério. Os advogados de Cristiano Paz e Rogério Tolentino, apontados como sócios de Valério, e de Simone Vasconcelos e Geiza Dias, ex-funcionárias da agência, argumentaram que seus clientes ou faziam só o que eram obrigados ou não sabiam de irregularidades.

Acusados de operar mensalão tentam se desvincular de Valério

BRASÍLIA - Quatro acusados de integrar o núcleo operacional do mensalão buscaram ontem, no quarto dia de julgamento, se desvincular do empresário Marcos Valério de Souza.

A linha da defesa foi atribuir a ele a responsabilidade pelas operações consideradas ilícitas pela Procuradoria-Geral da República.

Os advogados argumentaram que seus clientes ou agiam a mando de Marcos Valério ou não tinham conhecimento de irregularidades.

Ontem se manifestaram as defesas de Cristiano Paz e Rogério Tolentino, apontados como sócios de Valério, de Simone Vasconcelos e Geiza Dias, respectivamente diretora e gerente financeiras da agência do publicitário.

Eles foram acusados pelo procurador-geral Roberto Gurgel de, sob o comando de Valério, fazer parte de uma quadrilha responsável por negociar os empréstimos nos bancos Rural e BMG e montar o esquema de distribuição dos recursos a partidos e parlamentares. Todos negam as acusações.

O advogado de Paz, Castellar Modesto Guimarães Filho, diz que seu cliente, na época, era responsável pela criação, sem ingerência na parte financeira da SMPB, da qual era sócio de Valério.

Já o advogado de Rogério Tolentino, Paulo Sérgio Abreu e Silva, argumentou que seu cliente nunca foi sócio de Valério, tendo sido apenas seu advogado.

Tolentino foi acusado de ter tomado empréstimo de R$ 10 milhões do BMG, recursos que teriam sido repassados a parlamentares do PP.

Seu advogado, no entanto, afirmou que o empréstimo foi entregue a Valério, sem saber o destino do dinheiro.

Os advogados de Simone Vasconcelos e Geiza Dias argumentaram que elas obedeciam ordens de Valério.

"Ela era uma funcionária mequetrefe, Geiza cumpria ordens, trabalhava no terceiro ou quarto escalão", disse Abreu e Silva, que também fez a defesa da ex-gerente.

Já o advogado de Simone, Leonardo Yarochewsky, argumentou que ela trabalhava num andar conhecido como "porão" e que ser diretora não tem grande relevância numa agência.

Outro a falar ontem foi o defensor da dona do Banco Rural, Kátia Rabello, o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias. Ele negou que o banco tinha responsabilidade sobre operações de Valério e afirmou que a instituição foi vítima de sua transparência.

Kátia era presidente do banco na época e hoje é sua principal acionista. Segundo a defesa, ela é "injustiçada", "está vivendo um inferno" e não pode ser responsabilizada por atos que não praticou.

O advogado disse que o Rural seguiu todas as normas e que os contatos com Valério eram feitos com José Augusto Dumont, ex-vice-presidente do banco, já morto. Rabello teria apenas assinado a renegociação contratual. Dias disse ainda que os saques feitos pelas empresas de Valério foram informados ao Coaf.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Defesa atribui comando de operação a morto

Juliano Basile, Maíra Magro e Fernando Exman

BRASÍLIA - Os advogados dos réus do mensalão que apresentaram suas defesas ontem ao Supremo Tribunal Federal (STF) foram unânimes ao dizer que seus clientes não tinham poder de decisão nos repasses de dinheiro para políticos feitos através de agências do publicitário Marcos Valério e na concessão de empréstimos junto ao Banco Rural. Até mesmo a defesa de Kátia Rabello, que era a presidente do Banco Rural quando estourou o escândalo do mensalão, em 2005, alegou que ela não tinha controle sobre essas operações. O dia também foi marcado por críticas duras ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel.

"Kátia era uma bailarina, uma artista. A sua irmã faleceu num desastre de helicóptero. O velho Sabino [Sabino Corrêa Rabello, fundador do Rural] reassumiu a presidência do banco que não poderia ficar acéfalo e trouxe para o conselho de administração Kátia, que não entendia do assunto", disse o criminalista José Carlos Dias, advogado da ex-presidente, que foi apontada pelo Ministério Público como a líder do núcleo financeiro do mensalão.

Segundo Dias, José Augusto Dumont, morto em 2004, foi quem comandou o banco e realizou as operações com as agências de Valério e o PT. Ao todo, o Rural fez empréstimos de R$ 20 milhões à SMP&B, de R$ 9 milhões à Grafitti - ambas de Valério - e de R$ 3 milhões ao PT. "Dumont era quem tocava o banco e se relacionava com Valério", enfatizou Dias. "Kátia não pode ser condenada por atos que não praticou. Quando ela assumiu a presidência do banco, teve, eventualmente, uma conversa com Valério."

Além de José Carlos Dias, também falaram advogados de quatro réus ligados às agências de Marcos Valério: Cristiano Paz, sócio do publicitário, Rogério Lanza Tolentino, advogado ligado a Valério, Simone Vasconcelos e Geiza Dias dos Santos, funcionárias das agências. Os defensores desses réus, que não são famosos e são considerados como o "baixo clero" do mensalão, foram bastante incisivos ao criticar Gurgel.

Paulo Sérgio Abreu e Silva, advogado de Tolentino, admitiu que ele participou de um esquema de caixa dois de campanha, mas acusou o procurador-geral de "preguiça mental". Inicialmente, ele disse que não pretendia criticar a denúncia, "pois ela leva o iminente relator a cometer enganos". "Só quem a leu 50 ou 100 vezes é que pode tirar dela a parte seca, enxuta", completou o advogado. "A denúncia foi fraca. Houve preguiça mental de ler esses laudos. Não é possível", disse Abreu e Silva. "O procurador não sabe redigir uma denúncia. É duro falar isso, mas é a verdade verdadeira", continuou Abreu e Silva, que também defendeu Geiza. "O procurador-geral recorre a colunas e manchetes de jornais para fazer acusação e ainda vem ao final pedir a prisão, como se isso fosse exemplo", afirmou Leonardo Yarochewsky, advogado de Simone.

"Apenas numa coisa eu concordo com o procurador-geral: o seu gosto pela música brasileira e por Chico Buarque", afirmou Yarochewsky. "Mas, logo que vossa excelência citou "Vai Passar", me veio à música "Apesar de Você"", continuou. "Você que inventou o pecado, esqueceu-se de inventar o perdão", cantarolou o advogado.

Castelar Modesto Guimarães, que defende Cristiano Paz, ex-sócio de Valério na SMP&B, procurou desqualificar o trabalho do MP alegando falta de provas. Segundo Guimarães, Paz cuidava somente da área de criação da agência, sem influir na administração, que estaria a cargo de Valério. "Faltam aos autos provas para embasar o oferecimento da denúncia."

A presença dos advogados do baixo clero do mensalão fez com que os ministros do STF vissem cenas típicas de Tribunal de Júri. Guimarães chegou a chorar, ao dizer que trabalhou no Ministério Público, onde gostava de ver promotores pedindo a exclusão de réus de processos penais quando não havia provas contra eles. Procurando cativar o STF, ele saudou até Luiz Tommimatsu, que, apesar de se sentar ao lado dos ministros, atua como secretário do plenário e, portanto, não vota.

Yarochewsky fez citações que foram da novela das oito até o nazismo e apelou até ao coração dos ministros. "Esse advogado não sabe o que se passa entre o cérebro e o coração de vossas excelências que vão decidir o futuro de uma mulher, mãe de filhos e avó, cujo padrão de vida não mudou em nada nos últimos anos".

Os próprios clientes não foram poupados em alguns momentos. Para dizer que Geiza não teve culpa no mensalão, Abreu e Silva qualificou-a como funcionária que não conhecia ninguém e apenas autorizava os saques das agências de Valério. "Ela vai me perdoar, mas tenho que afirmar: Geiza era uma funcionária mequetrefe. Ela não conhece ninguém do Rural, nenhum partido politico, não conhece Dirceu e nem aqueles que foram beneficiados".

O quarto dia de julgamento foi marcado pela terceira questão de ordem levantada pelos advogados. Ao ver que a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha deixou o STF, no intervalo da sessão, para ir ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do qual é presidente, os advogados se reuniram e decidiram que Dias apresentaria questão de ordem pedindo o adiamento da sessão.

Uma vez colocada a questão, o presidente da Corte, ministro Ayres Britto, ouviu os demais ministros e todos concluíram que havia quórum para continuar a sessão. Eles também ressaltaram que a ministra se comprometeu a assistir às defesas feitas após o intervalo, que foram gravadas pela TV Justiça. Com isso, a questão de ordem foi negada por unanimidade.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Defesas de ex-sócios jogam culpa em Valério

Advogados tentam minimizar importância de seus clientes em agências de empresário

Eduardo Bresciani, Ricardo Brito e Mariangela Gallucci

BRASÍLIA - Marcos Valério foi o culpado de tudo, disseram ontem aos ministros do Supremo Tribunal Federal os defensores de ex-sócios e ex-funcionários do empresário mineiro apontado pela Procuradoria-Geral da República como o “operador” do mensalão. Os advogados chegaram a comparar a denúncia da Procuradoria-Geral a um “roteiro de novela das oito” e tentaram desqualificar a importância dos próprios clientes para mostrar que eles não teriam como atuar na “sofisticada organização criminosa”, conforme a denúncia formal. O advogado de Cristiano Paz foi o primeiro a repassar a culpa. O ex-sócio de Valério cuja assinatura está em cheques do esquema, sustentou, por seuadvogado que atuava apenas na área de criação publicitária. “As atividades de Cristiano não se mesclavam porque eram inteiramente lícitas”, disse o defensor Castellar Modesto Guimarães.

O advogado de Rogério Tolentino,amigo de Valério também citado na denúncia, foi na mesma linha. Paulo Sérgio Abreu e Silva disse que seu cliente era advogado da agência,não tendo sociedade com o empresário.E que o empréstimo de R$ 10 milhões no BMG a pedido de Valério foi lastreado por garantia dada pela SMPB, agência de Valério, e não coube a Tolentino a destinação dos recursos.A defesa diz que Tolentino repassou a Valério os recursos, tendo até assinado cheques em branco.Segundo o Ministério Público, o dinheiro foi para a conta de uma empresa, que fez repasse a três deputados do PP.

Novela. A novela Avenida Brasil, da TV Globo, foi parar no julgamento. O advogado Leonardo Isaac Yarochewsky,que defende a ex-diretora financeira da SMPB Simone Vasconcelos, usou o exemplo da personagem Carminha para sustentar que há um processo de banalização das denúncias do MP por formação de quadrilha. “Até na novela das oito a Carminha disse que ia processar a Rita por formação de quadrilha”, disse.Simone é acusada de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e evasão de divisas. Yarochewsky e o defensor da ex-funcionária e gerente financeira da SMPB Geiza Dias, Paulo Abreu e Silva, jogaram, enfim, a culpa no patrão. “O que o patrão faz com o dinheiro, ainda que seja jogar no lixo, não cabe ao funcionário questionar”, disse Yarochewsky. “Geiza era funcionária mequetrefe, de terceiro ou quarto escalão”, disse Abreu e Silva.

Já o advogado e ex-ministro da Justiça José Carlos Dias foi o responsável pela defesa da acionista do Banco Rural Kátia Rabello.Segundo ele, a instituição foi “vítima de sua própria transparência”. Dias sustentou que foi graças aos cuidados do Rural que foi possível identificar sacadores de dinheiro.“Todos esses documentos que indicam quais são os recebedores estão absolutamente presentes. A direção do banco jamais permitira a ocultação.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Ministros resistem à versão do caixa 2

Cinco integrantes do Supremo Tribunal Federal afirmaram ao ‘Estado’ que defesa de Dirceu tem brechas; Corte tem 11 magistrados

Felipe Recondo, Fausto Macedo, Mariângela Gallucci

BRASÍLIA - Parte dos ministros do Supremo Tribunal Federal considerou a primeira safra de defesa dos réus de mensalão incapaz de derrubar a tese do Ministério Público Federal segundo a qual o mensalão existiu e era chefiado pelo ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. Cinco ministros ouvidos reservadamente pelo Estado disseram que a defesa de Dirceu não conseguiu caracterizar a versão segundo a qual o pagamento feito a parlamentares nos primeiros anos do governo Lula foi apenas caixa 2 para quitar dívidas de campanha. A Corte tem 11 ministros. Para que seja condenado, 6 precisam votar contra Dirceu. Um dos magistrados chegou a comentar reservadamente que “o Zé Dirceu fazia navio voar”. Para outro ministro, “ou você acredita que o mensalão existiu, ou não. Se acredita, é porque tem uma lógica e só tem lógica se você colocar o cérebro (o mentor).”

‘Sem cérebro’. Uma parcela do colegiado também vê falhas na acusação do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, conforme revelou o Estado no domingo. É consenso,porém,que,se Dirceu for inocentado, implode o esquema descrito pela denúncia. A absolvição de Dirceu, sustentam, quebraria qualquer lógica do sistema, deixaria o mensalão “sem cérebro”. Apontado pelo procurador-geral como “chefe de quadrilha” e “autor intelectual do mensalão”,Dirceu baseia sua defesa na falta de provas de que teria montado ou ordenado a compra de apoio político valendo-se, segundo a acusação,de dinheiro público lavado por empréstimos bancários.Segundo os ministros,a defesa foi fraca ao não falar sobre os principais pontos que deverão balizar seu julgamento.

Segundo um ministro,a defesa deveria ter explorado a tese de que não há um ato de ofício de autoria de Dirceu, necessário para justificar condenação por corrupção ativa.Outra crítica à defesa é que não foi explorada a inimizade entre ele e o delator do esquema,Roberto Jefferson.Foi este quem prestou depoimento e falou sobre a suposta participação do ex-ministro no esquema. Segundo os ministros,normalmente depoimentos de corréus,como Jefferson, têm peso relativo, ainda mais quando há inimizade.Em vez disso, Oliveira Lima afirmou que Jefferson estava acuado. O mesmo não ocorreu com o advogado Marcelo Leonardo, defensor de Marcos Valério. Ele foi considerado por ministros como o autor da melhor sustentação oral de segunda-feira. “Ele não fugiu de nenhuma acusação”, disse reservadamente um ministro. Conforme um dos ministros,se Dirceu for absolvido,é preciso buscar a cabeça do esquema. Senão,o mensalão poderá ter surgido por “combustão espontânea”, ironizou também reservadamente outro ministro, que considera que o ex-presidente do PT José Genoino não tinha força para gerir o esquema que,segundo a Procuradoria, envolveu recursos públicos, negociações com a cúpula de partidos e partilha de cargos. Genoino afirmou que a responsabilidade recaía sobre o ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares,que também não teria autoridade para conduzir o esquema. Para ele, Dirceu estava mesmo à frente do mensalão “porque era um projeto de longo alcance, por muitos anos”.Sem esse cérebro, diz um ministro, “a culpa sobe para o Lula.” A dificuldade confessada pelo procurador-geral para produzir provas contra Dirceu foi relativizada. A lógica do sistema, a realidade política da época e as provas testemunhais,podem servir de argumento para a condenação.

PARA ENTENDER

O ‘ato de ofício’ e a corrupção

Ato de ofício é a manifestação – geralmente, um documento assinado – da vontade de uma autoridade (um juiz, um chefe de administração) que o expediu sem que houvesse qualquer solicitação externa. A autoridade toma a iniciativa por achar conveniente fazê-lo. Um juiz não pode, por exemplo, agir sem ser provocado. Ele julga desde que tenham existido antes a denúncia, a investigação e um processo. Mas pode, por ato de ofício, pedir uma investigação a mais. A expressão foi mencionada pela defesa de José Dirceu, para a qual ele seria inocente por não haver nenhum ato de ofício por ele assinado que comprovasse sua responsabilidade no mensalão. No Código Penal, esse ato aparece nos arts. 317 e 333. Há polêmica sobre se constitui requisito para definir corrupção ativa ou passiva ou se entra só como agravante.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

'Quem aposta no desgaste se decepcionará’, diz Planalto

Preocupada em blindar o Planalto contra eventuais efeitos negativos do julgamento do mensalão no STF, a presidente Dilma Rousseff escalou ontem o ministro Gilberto Carvalho (Secretaria- Geral) para criticar os que fazem análises precipitadas. "Aqueles que apostam nesse processo para um desgaste do projeto político se decepcionarão", disse. A declaração ocorreu um dia após o advogado do ex-ministro José Dirceu, chamado na acusação de "autor intelectual" do mensalão, evocar os testemunhos de Lula e Dilma em sua defesa. Carvalho reafirmou que a decisão do governo é não paralisar as atividades. Dilma e Lula estão incomodados com versões de que a condenação de Dirceu seria boa para o governo. O assunto foi tratado pelos dois anteontem

"Quem aposta no desgaste do governo vai se decepcionar", afirma ministro de Dilma

Titular da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho sai a campo para tentar manter julgamento do mensalão longe do Planalto

Débora Álvares

Preocupada em blindar o Palácio do Planalto contra eventuais efeitos negativos do julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal, a presidente Dilma Rousseff escalou ontem o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, para uma operação de prevenção de danos. "Aqueles que apostam nesse processo para um desgaste desse projeto político se decepcionarão, porque o povo avalia a sua vida, sua realidade, a justiça e tem sabedoria para colocar cada coisa em seu lugar", afirmou o ministro, após participar de um evento oficial em Brasília.

Carvalho foi o principal assessor pessoal de Lula durante seus oito anos de governo e mantém grande influência na gestão da sucessora do ex-presidente.

Na entrevista de terça, ele comparou a atual profusão de notícias sobre o mensalão motivada pelo julgamento do Supremo àquela vivida quando o esquema de pagamento de parlamentares veio à tona, em 2005. "Quando baixou a espuma do debate político, ficou a realidade dos fatos de que era um país que estava mudando, crescendo, distribuindo a renda e fazendo um processo que foi apoiado pela grande maioria da população em 2006 e depois em 2010", afirmou Carvalho, citando os anos da reeleição de Lula e da eleição da sucessora.

O ministro foi a público um dia depois de o advogado José Luiz Oliveira Lima, que defende o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, evocar os testemunhos do ex-presidente e de Dilma ao falar aos ministros do Supremo.

Dirceu é apontado pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, como o "chefe da quadrilha" que "usou dinheiro público" para comprar apoio no Congresso Nacional nos primeiros anos do governo Lula. Segundo a acusação, o ex-ministro usou sua influência para beneficiar os bancos Rural e BMG - eles emprestaram dinheiro ao PT e a agências do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza que viria a ser usado no pagamento de partidos aliados do governo.

Dilma disse no processo desconhecer algum tipo de favorecimento aos bancos por atuação de Dirceu. O mesmo disse Lula nos autos do caso do mensalão.

O ministro, no entanto, não comentou diretamente as declarações da defesa de Dirceu nem a acusação formal do procurador-geral, lida no plenário do Supremo na sexta-feira passada.

Carvalho voltou a ressaltar as ordens palacianas de não paralisar as atividades por causa do julgamento. "A presidenta Dilma nos deu a orientação de seguirmos trabalhando rigorosamente, seguindo nossa tarefa de governo, numa atitude semelhante à que o presidente Lula já fizera em 2005", disse.

O ministro afirmou que a expectativa do Palácio do Planalto é que o julgamento ocorra "a partir dos autos, com atitude madura e justa dos julgadores".

Eleições. Ele afirmou que não acredita em prejuízo eleitoral para os candidatos do PT nas eleições municipais e voltou a falar em decepção. "Nós continuaremos à frente com o nosso projeto e se decepcionarão muito aqueles que apostam em tirar um proveito e que parcializam os julgamentos e as opiniões pensando que isso poderá causar um grande prejuízo inclusive eleitoral."

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Sua Excelência - Merval Pereira

O deputado Ulysses Guimarães ensina que o que predomina na política é "sua excelência, o fato". Se voltarmos à época em que foram revelados os fatos que hoje sustentam o processo do mensalão, que os petistas gostariam que fosse identificado burocraticamente como Ação Penal 470, veremos que praticamente todos os que hoje estão sendo discutidos no julgamento foram relatados já naquela ocasião, tendo sido confirmados pelas investigações.

Uma das novidades surgidas no depoimento do então ainda deputado federal José Dirceu no Conselho de Ética da Câmara foi a acusação de Roberto Jefferson de que, quando chefe da Casa Civil, Dirceu negociara com a Portugal Telecom uma contribuição para o PT e o PTB acertarem suas contas.

Mais adiante, houve a confirmação de que Marcos Valério viajara a Portugal com o ex-tesoureiro do PTB Emerson Palmieri, tendo sido recebido por um ministro de Estado a pedido do presidente da Portugal Telecom, com um agravante: tanto o ministro português quanto o presidente da Portugal Telecom eram ex-executivos do braço financeiro do grupo Espírito Santo, para cujo banco em Lisboa Marcos Valério tentara transferir as reservas cambiais no exterior do Instituto de Resseguros do Brasil, cuja presidência era da cota do PTB.

A existência da figura de Marcos Valério no centro da trama fora anunciada pelo próprio Jefferson em uma de suas declarações bombásticas à CPI.

Ele disse certa vez que havia "um carequinha" que era o mandachuva dentro do PT. Todos os detalhes contados pela sua secretária Karina Somaggio estavam sendo confirmados, até mesmo as malas recheadas de dinheiro.

O deputado Valdemar Costa Neto renunciou atingido duplamente: pelas acusações de Jefferson e pela sinceridade maliciosamente ingênua de sua ex-mulher Maria Christina Mendes Caldeira, que via malas de dinheiro passando de mão em mão.

Era ressaltado naquela época que todos os deputados petistas que apareciam nas listas de saque do Banco Rural, ou seus assessores, começavam alegando que se tratava de um homônimo, ou motivos triviais como pagar a conta da TV a cabo, para, no fim, quando já não havia mais como mentir, assumirem os saques, sob a alegação geral de que o dinheiro representa o caixa dois de campanha eleitoral.

Os jornais da época registravam a circulação permanente no Palácio do Planalto do tesoureiro do PT Delúbio Soares e do secretário do partido, Silvio Pereira -o homem que andava com uma lista de nomes para indicações para os diversos escalões da República e ganhou um Land Rover da empresa GDK, que operava com a Petrobras.

O ex-secretário-geral do partido fez um acordo na Justiça para não entrar no julgamento e está prestando serviços à comunidade.

Foi ele quem apresentou uma ex-mulher do então ministro todo poderoso José Dirceu a Marcos Valério, confidenciando-lhe que o sonho dela era morar num apartamento maior.

Como para arranjar um empréstimo que viabilizasse a mudança Maria Ângela Saragoça precisava também de um emprego melhor, Valério conseguiu não apenas um emprego no BMG como um financiamento no Banco Rural.

O lobista Marcos Valério e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares só anunciaram os tais "empréstimos" dos bancos Rural e BMG para justificar o dinheiro do valerioduto depois que o esquema começou a ser denunciado.

Documentos do contador, alguns encontrados no lixo, e o Imposto de Renda da agência SMP&B, que teve que ser retificado diversas vezes, desmentem a versão de que os empréstimos eram reais.

Todas as alterações nas declarações de renda foram feitas depois que a CPI dos Correios foi instalada. E Valério foi preso certa ocasião tentando queimar documentos.

O cruzamento entre os recebedores do dinheiro, as datas sucessivas de pagamento, votações importantes e trocas de partido mostram uma correlação entre esses fatos. A alegação de que quanto mais dinheiro entrava menos apoio o governo recebia dos aliados só faz confirmar a tese de que era preciso financiar esses partidos para ter suas lealdades.

Como dizia Nelson Rodrigues, "Deus está nas coincidências".

FONTE: O GLOBO

Derrapadas do MP - Fernando Rodrigues

É impossível prever os veredictos do Supremo Tribunal Federal para os 38 réus do mensalão, mas vai ficando claro nos bastidores da corte que pode haver mais condenações do que absolvições entre os acusados ilustres.

Se for condenado o réu mais famoso e midiático, José Dirceu, será relegado a um segundo plano o trabalho defeituoso do Ministério Público durante o atual processo.

Os procuradores da República têm sido incensados nas últimas décadas. Suas ações produzem um efeito profilático. O saldo tem sido muito mais positivo que negativo. Só que a instituição não se moderniza na mesma proporção do poder recebido pós-Constituição de 1988.

Já há algum tempo é possível notar em parte do MP uma certa falta de destreza combinada com, é duro dizer, preguiça na hora de conduzir determinadas investigações. Todos sabem que o ex-presidente Fernando Collor se salvou na Justiça beneficiado pela inépcia da denúncia apresentada contra ele.

Agora, constata-se, a denúncia do mensalão está cheia de buracos. Não aparece ali uma compilação do conteúdo e do número de e-mails trocados por José Dirceu e por suas secretárias e assessores com personagens como Delúbio Soares e Marcos Valério. Por que essa estatística não consta peça da acusatória? Porque até onde se saiba nunca houve pedido de quebra de sigilo telemático -nome técnico dado à troca de mensagens via internet.

É uma pena que os procuradores tenham se baseado, no caso de alguns réus, só em depoimentos. No século 21, há inúmeros recursos disponíveis para conduzir boas investigações. Mas exigem menos retórica e muito mais trabalho duro.

Último registro. Executivo, Legislativo e Judiciário divulgam seus salários. O Ministério Público continua mudo e não abre os seus dados.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

A carnavalização do juízo - Elio Gaspari

Querem carnavalizar o julgamento do mensalão. O procurador-geral Roberto Gurgel viu-se acusado de "desonestidade intelectual" pelo advogado Antonio Carlos de Almeida Castro (pode me chamar de Kakay) numa peça de oratória produzida no piano-bar do restaurante Piantella. Na noite de segunda-feira, o advogado do comissário José Geonoino pediu ao pianista que tocasse o tema de O Poderoso Chefão. Noutro pretório noturno, o bar do hotel Naoum, advogados de defesa dos 38 réus organizaram uma espécie de "bolão". Como votará a ministra Cármen Lúcia? "Essa condena até Papai Noel." Marco Aurélio Mello: "Subiu no muro."

Do outro lado da tribuna, o ministro Marco Aurelio Mello tornou-se uma espécie de comentarista olímpico do julgamento. Terminada a sessão, discute o processo. Numa entrevista aos repórteres Fausto Macedo e Felipe Recondo, deu à "Ação Penal 470" uma nova dimensão: "Você acha que um sujeito safo como Lula não sabia?" A pergunta, solta, é uma simples e relevante insinuação. Num voto articulado, pronunciado na Corte, seria muito mais. De qualquer forma, Nosso Guia não está acompanhando o caso, pois "tem mais o que fazer". Pena que não declare seu interesse pelo futuro de tão diletos companheiros. Sabia-se que Lula era um daqueles ursos que comem os donos, mas não se esperava que comesse José Dirceu desse jeito.

Não há notícia de formação de uma mesa de advogados no bar do Metropolitan Club de Washington para jogar conversa fora durante um julgamento na Corte Suprema. Também não há notícia de um Ministério Público que coloca na internet uma página infantil intitulada "Turminha do MPF", com uma espécie de "mensalão para jovens".

Há faíscas de vaidade no Supremo, mas há também aulas de rigor. A eloquência dos ministros Celso de Mello, Cármen Lúcia e Rosa Weber está no silêncio. Aliás, quem gosta de atribuir lances de vaidade às mulheres, deveria registrar que até hoje passaram três pelo Supremo. Todas demonstraram que "pavão" é um substantivo masculino. (Quem já ouviu falar em pavoa?)

O Supremo Tribunal Federal é chegado a rituais versalhescos. Seus ministros são acolitados por servidores chamados de "capinhas". Levam-lhes papéis, água e recados. Além disso, são encarregados de empurrar e puxar suas cadeiras, como se esse movimento banal precisasse de ajuda. Coisa de rei. (Um ministro conta que várias vezes quase foi ao chão.)

A tendência carnavalizadora faz bem ao espírito nacional. Instalada uma CPI com parlamentares safando seus aliados, surge uma "musa".

Reunida no Rio uma conferência internacional que vai acabar em nada, a cidade carnavaliza-se e o mundo alegra-se. (Durante a Rio+20 maloqueiros da Glória compraram cocares no Saara para filar as quentinhas que eram dadas aos índios que flechavam o BNDES.)

Se há um teatro para produzir nada, carnaval é o melhor remédio, mas esse não é o caso do julgamento do mensalão.

Ele produzirá resultados duradouros para o Judiciário e, sobretudo, para o futuro das maracutaias da política nacional.

Se o julgamento ficar nos autos e naquilo que se diz na corte, algo de novo estará acontecendo no Brasil. Prova disso foram as sessões em que falaram a procuradoria e os primeiros advogados de defesa. Bar é bar, tribunal é tribunal.

FONTE: O GLOBO

Combinada, defesa individualiza talentos - Rosângela Bittar

Sem dúvida, o procurador geral da República, Roberto Gurgel, o acusador do mensalão, que já vinha dando de dez a zero no PT e em Fernando Collor ao se livrar, com vantagem, da CPI do Cachoeira e outras armadilhas construídas para pegá-lo antes do julgamento, venceu também a primeira batalha contra os advogados dos réus políticos mais importantes do caso. Confrontada a sexta-feira, da sessão de apresentação do procurador, com a segunda-feira, dos advogados de clientes notórios, a convicção de que o mensalão foi um crime de corrupção não se abalou. Nem na opinião pública, nem na percepção da realidade política do ponto de vista dos acusados. Na opinião pública, a fala de Gurgel pegou bem: foi monocórdica, sóbria, aparentemente sem ódio e contundente.

Comparados os advogados entre si, porém, os notáveis da primeira rodada, a peça apresentada pelo procurador perdeu um pouco de seu alicerce condenatório, embora politicamente tenha se mantido de pé. Esses advogados estão há muito combinando estratégias, reuniram-se várias vezes em São Paulo, mas o momento real fez aflorar as diferenças, o talento de cada um, a experiência. Nas avaliações feitas em Brasília, inclusive em meios jurídicos, o melhor de todos foi Marcelo Leonardo, advogado de Marcos Valério.

Conciso, direto, claro, citou crime por crime de que seu cliente foi acusado pelo chefe do Ministério Público e rebateu um a um, argumentando com dados do processo. A principal alegação de Leonardo é que tudo o que foi citado como prova e obtido sem o contraditório não pode ser usado para condenação criminal. Nesse caso estão as evidências reunidas em CPI e em inquérito da Polícia Federal.

Condenação penal não aceita prova sem contraditório

Leonardo referiu-se longamente a isso, ao fato de que condenação criminal só é possível quando há o contraditório. Da mesma maneira que fez o advogado de Marcos Valério, outros utilizarão esse dispositivo do Código de Processo Penal para repelir o procurador.

Sem perder o foco no processo, e além dessa questão substantiva, Leonardo seduziu a audiência em dois momentos. A forma como destacou o relator e o tribunal: lembrou que era o primeiro advogado mineiro a usar aquela tribuna e gostaria de homenagear o tribunal nas pessoas dos ministros mineiros Carmem Lúcia e Joaquim Barbosa. Fugiu dos incensos aos caramurus em que se transformam os juízes das causas difíceis. E não perdeu a objetividade nem mesmo no final, em que pretendeu emocionar ao dizer que Valério raspou a cabeça em solidariedade ao filho de seis anos que teve câncer.

A defesa de José Dirceu, feita por José Luis de Oliveira Lima, o Juca, outra atuação forte do primeiro dia de enfrentamento das teses da acusação, foi avaliada como melhor do que fez o mesmo advogado à época do recebimento da denúncia, jogou menos para a plateia que de outras vezes, mas se perdeu naquela que pode ser definida como parte social do discurso, quando chama a atenção para si e rende-se aos sábios juízes.

Pareceu titubeante, enrolou-se com bobagem, como uma menção à pergunta de um estagiário que lhe indagou, como a seu tempo de estagiário perguntara também, o que se sente naquela tribuna. Juca elogiou muito Celso de Mello numa clara busca de simpatia do decano, que é o mais respeitado entre os ministros do STF. Um início arrastado, piegas, gongórico, que fluiu quando se restringiu ao processo.

Arnaldo Malheiros, outros famoso defensor de um destacado integrante da bancada de réus, Delúbio Soares, precisou admitir um crime, o eleitoral, de caixa dois, mas pela experiência conseguiu demonstrar segurança e intimidade real com o Supremo, com um ponto forte destacado pelos que ouviram seu discurso: os gráficos de comparação entre os saques do mensalão e as votações no Congresso, mostrando que os maiores saques corresponderam a menor apoio ao governo. É a desconstrução do mensalão formal, oficialmente entendido como compra de voto pelo governo e não uma distribuição de dinheiro, inclusive público, a políticos do PT e aliados para gastar como quisessem.

De uma forma geral, os advogados abandonaram o discurso político, a retórica de efeito imediato, e enfrentaram a acusação do procurador. Quem não fez isso se deu pior. Luiz Fernando Pacheco, o advogado de José Genoíno, descreveu todos os passos do ex-presidente do PT, desde o nascimento, em Quixeramobim, passando pela guerrilha do Araguaia aos mandatos no Congresso, trajetória que não o levou a aumentar seu patrimônio. Explicou que Genoíno, como presidente, atuava para o PT na política, delegando a Delúbio Soares as transações financeiras. Mas no processo está lá a assinatura do presidente do partido nos empréstimos bancários do mensalão, e o advogado não enfrentou a realidade.

Para o tribunal aceitar a argumentação de Pacheco, teria que julgar Genoíno pela biografia, politicamente. Exatamente o contrário de tudo o que os réus e sua banca de defesa procuram nesse julgamento.

O médico Roberto Kalil entrou esta semana na campanha eleitoral de São Paulo para acalmar a militância petista, impaciente com a falta de reação do candidato Fernando Haddad nas pesquisas de intenção de voto. Kalil avalizou para todo o país a volta do ex-presidente Lula aos palanques, onde poderá falar pelo tempo que quiser sem prejuízo ao seu tratamento contra o câncer.

A campanha está sem comando, Marta Suplicy não dá sinais de engajamento, Luiza Erundina atua, como fez no último fim de semana, para complicar pois reavivou a crítica à aliança do PT com o Maluf, e das carreatas não se sabe o trajeto ou o número de participantes. A direção do partido passou a apostar que a subida do candidato é fava contada com o início do horário eleitoral. Mas precisava de Lula. Como o ex-presidente vinha se sentindo bem disposto, já perguntava sobre os candidatos do PT nos Estados, e dava sinais de impaciência com a imobilidade, a medicina seguiu em seu socorro para referendar a volta ao batente.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

De corpo presente - Dora Kramer

Inerte diante de depoentes silentes, condescendente ante o atraso no cruzamento de dados indicativos dos caminhos percorridos por uma organização mafiosa no aparelho de Estado e apática frente a ameaças contra um juiz e uma senadora, a CPI do Cachoeira está prestes a assinar seu atestado de óbito.

A retomada dos trabalhos ontem confirmou as piores expectativas sobre uma comissão de inquérito criada sob a égide torta da vingança: não há unidade de ação e o pensamento de parte de seus integrantes é que a maioria esteja interessada na dispersão intencional de propósitos.

A certa altura da sessão o deputado Miro Teixeira foi claro a respeito: "Há no ar uma suspeita de que existem movimentos feitos com o objetivo de não se chegar a lugar algum. A continuar assim é melhor acabar de vez com a CPI", disse, expressando a insatisfação de integrantes da comissão cujos objetivos independem de conveniências partidárias.

Houve reação explícita à concentração das ações da CPI nas mãos do relator Odair Cunha que, aliás, já se disse convencido de que o esquema Cachoeira não atuou para além das fronteiras da Região Centro-Oeste.

Isso a despeito de a construtora Delta, de quem já se descobriram repasses de mais de R$ 300 milhões a empresas fantasmas da organização, ter crescido a partir da atuação no governo do Rio de Janeiro e chegado a ser a maior contratada das obras do PAC.

A desconfiança sobre rumos e objetivos da CPI não é novidade, dada sua origem.

Mas, o que se viu ontem quando a comissão se absteve de questionar a mulher de Cachoeira, nem se diga sobre a tentativa de chantagear um juiz, mas sobre as ameaças denunciadas pela senadora Kátia Abreu a respeito de quem lady Cachoeira andou espalhando maledicências sobre as quais a senadora a confrontou diretamente, foi inusitado.

Em matéria de renúncia de prerrogativas, algo inédito até mesmo para um Parlamento habituado a se acovardar.

Linha auxiliar. Do lado de fora do Supremo, advogados atuam apelando a outras instâncias na tentativa de interditar a fruição do assunto mensalão na sociedade.

O grupo já pediu à Justiça Eleitoral que "fique atenta" à apresentação do tema no horário eleitoral, sugeriu manifestação judicial pela inconveniência do julgamento em ano de eleições, deu abrigo à ideia do PT de proibir o uso do termo "mensalão" e anuncia que representará contra a cartilha feita pelo Ministério Público para explicar o caso a crianças e adolescentes.

Os advogados alegam defesa dos interesses da sociedade.

Interesses que não contam com a mesma diligência quando são agredidos pela verdadeira celebração que os advogados fazem no STF do usufruto de "recursos não contabilizados" nas campanhas eleitorais.

Vinculante. Em caso de condenação de Marcos Valério, complica-se a situação do ex-senador Eduardo Azeredo no processo do mensalão mineiro (ainda sem data para julgamento), matriz do esquema montado pelo publicitário para arrecadar dinheiro para a campanha à reeleição de Azeredo ao governo de Minas e depois adotado pelo PT em âmbito nacional.

Faro fino. Bom para Fernando Haddad é que a maioria dos eleitores não está atenta a detalhes. Senão, seria o caso de se perguntarem por que deveriam apoiar o candidato do PT à prefeitura de São Paulo se a presidente Dilma Rousseff e a senadora Marta Suplicy não se sentem na obrigação de dar uma força ao correligionário.

Ilha. Demóstenes Torres confraternizando com advogados atuantes no julgamento em curso no STF ao pé no piano do Piantella é uma daquelas cenas que fazem a fama muitas vezes injusta, mas nem sempre, de Brasília.

"Apática frente a ameaças contra um juiz e uma senadora, a CPI do Cachoeira está prestes a assinar seu atestado de óbito."

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Servidores em greve recebem adesão da PF

Prometendo embaraços e filas, PF entra em greve

Policiais federais se juntam a servidores públicos parados e pedem aumento de salário; sindicato diz que manterá apenas 30% do efetivo

Leonencio Nossa, Marcelo Gomes e Nataly Costa

BRASÍLIA, RIO, SÃO PAULO - Os servidores públicos em greve terão hoje o reforço dos 1.700 delegados da Polícia Federal, que acusam a presidente Dilma Rousseff de desprestigiar o órgão e reduzir o efetivo.Eles se juntam a 8 mil agentes, escrivães e papiloscopistas que já estão em disputa com o Palácio do Planalto desde sexta-feira. Os delegados avisam que podem paralisar o trabalho por tempo indeterminado a partir do dia 20 se o governo não negociar aumento. O movimento na PF atinge quase todos os serviços de atendimento ao público, como a emissão de passaportes.A Confederação dos Trabalhadores do Serviço Público Federal,que representa 80% do funcionalismo, estima que 350 mil servidores de 26 categorias aderiram à greve.

Delegados e agentes, no entanto, têm divergências. Os agentes exigiram desde reposição de perda inflacionária de 30% e aumento real de salário até o afastamento do diretor-geral da PF, Leandro Coimbra. Os delegados consideram a demissão uma exigência "ridícula",que motiva "indisciplina" e "quebrde hierarquia". "Na mesa de negociação, os ministros não levam a sério esse conteúdo político da pauta",afirma o delegado Marcos Leôncio Souza Ribeiro,da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF). "O governo está sinalizando aumento para os militares e o repasse para o Exército. Isso desmotiva a PF e mostra desprestígio do órgão." No Piauí, os policiais federais entregaram ontem simbolicamente distintivos e armas e suspenderam investigações em andamento. Em São Paulo, a PF fará operação-padrão a partir das 16h30 de amanhã no Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos. Órgãos de inteligência alertaram o governo que a paralisação de servidores tinha entre os alvos parar portos e aeroportos do País, afirmou ontem Dirceu Barbano, diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), também afetada pela greve.

Os servidores em Cumbica vão "reforçar a abordagem de pessoas "e as vistorias. As consequências podem ser filas maiores.Pelo menos 30% do efetivo de 140 agentes vai comparecer ao trabalho, além de 80 funcionários terceirizados. A emissão e entrega de passaportes nos postos da PF na capital estão mantidos, mas a Superintendência em São Paulo também alerta para a possibilidade de filas maiores. No Rio, os servidores também aderiram à paralisação.Até amanhã,a emissão de passaportes estará suspensas – exceção a casos emergenciais, como em caso de doença.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

SP e Rio puxam a queda da produção industrial do semestre

Fabricação de veículos recua 40% no Rio; no sentido oposto, setor cresce 9,2% em Goiás

Mariana Carneiro

SÃO PAULO - O desempenho da indústria no primeiro semestre do ano foi ainda mais negativo nos maiores Estados do país.

Segundo o IBGE, a produção da indústria recuou 7,1% no Rio e 5,9% em São Paulo entre janeiro e junho ante o mesmo período do ano passado. Na média nacional, o setor encolheu 3,8%.

Ambos os Estados foram muito afetados pela queda na produção de automóveis e de caminhões. Mas o resultado não ficou restrito a esse setor.

No Rio, segundo a Firjan (federação das indústrias), a produção do setor automotivo caiu 40% no semestre. O recuo foi mais intenso do que a média nacional (-18%).

O gerente de estudos econômicos da entidade, Guilherme Mercês, afirma que, além da diminuição na fabricação de automóveis, a produção de caminhões sofreu no início do ano, o que explica o quadro pior no Rio.

A menor produção de aço e no refino de petróleo e álcool também afetou o desempenho da indústria no Estado.

O refino representa um quarto da indústria fluminense e, até maio, tinha reduzido a produção em 3,6%.

Em junho, houve uma aceleração e, com isso, a atividade fechou o semestre com a produção praticamente igual à do mesmo período de 2011. Já a produção do setor metalúrgico encolheu 4,1%.

"Nossos indicadores ainda não mostram sinal de retomada da indústria do Estado", diz. "Acredito que haverá recuperação nos próximos meses, mas gradual e insuficiente para colocar a indústria em terreno positivo neste ano."

Em São Paulo, segundo o indicador de atividade da Fiesp, a indústria encolheu 6,4% no semestre, com destaque para perdas da produção de alimentos e de metalurgia. E o empresário não parece confiante na retomada.

Animal ferido

"Esperávamos uma resposta positiva da indústria, mas a verdade é que o animal está ferido. Houve um período longo de desestímulos", diz o economista Paulo Francini.

Em junho, contudo, o IBGE apontou que a produção no Estado cresceu 1% ante maio. Para o economista Júlio Gomes de Almeida, do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento da Indústria), o resultado é positivo.

"São Paulo tem uma indústria bastante diversificada e, se voltou a crescer, pode ser um sinal de recuperação."

Na situação oposta está Goiás, cuja produção da indústria cresceu 9,2%.

Segundo Wellington Vieira, coordenador técnico da Federação das Indústrias do Estado, o setor gerou 35 mil novos postos de trabalho no semestre, puxado pela produção de remédios e de materiais de construção.

Faturamento da indústria recua 6,7%

A queda no resultado das montadoras foi registrada no primeiro semestre. O número de horas trabalhadas e a utilização da capacidade instalada do setor automobilístico caíram 5,4% e 3,2 pontos percentuais, respectivamente. Os dados são da CNI (Confederação Nacional da Indústria).

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Indústria nacional precisa de um choque de produtividade

Márcio Salvato, Reginaldo Nogueira

Se por um lado a maior liberalização comercial produziu efeitos muito positivos para a economia brasileira quando vista como um todo, por outro lado tornou claras as graves deficiências produtivas de uma parte relevante de nosso setor industrial.

Tais deficiências são potencializadas por alta carga tributária, péssima qualidade da infraestrutura, níveis educacionais médios muito baixos e custos de financiamento maiores que os dos principais países do mundo.

Os números recentes reforçam essa questão. A produção industrial brasileira recuou 3,8% no primeiro semestre de 2012, agravando o resultado ruim de 2011.

No comparativo com igual período do ano anterior, o 1º trimestre de 2012 apresentou um recuo de 3,1%, enquanto o 2º trimestre recuou 4,5%.

Esse resultado é em parte explicado pelo cenário internacional com menor crescimento da demanda mundial, mas também é explicado pela baixa competitividade da indústria nacional.

Em outros tempos, reclamávamos da taxa de câmbio desfavorável às exportações brasileiras, mas neste momento um câmbio desvalorizado não está ajudando nossas exportações porque não temos competitividade.

Ademais, câmbio desvalorizado significa, hoje, maior custo para importação de insumos relevantes para a competitividade em produtos. Some-se a isso que ganhos de competitividade requerem investimentos em máquinas e equipamentos que não apresentam cenário de retorno vantajoso no curto prazo.

Contudo, essa é uma decisão que não pode mais ser adiada: ou o setor investe para ganhar em competitividade ou continuará perdendo espaço para os concorrentes.

Uma estratégia do governo é caminhar no sentido do fechamento ao mercado externo, impondo restrições para importações e cotas de nacionalização.

Pode parecer uma solução para o curto prazo para garantir o crescimento da produção industrial brasileira, mas esconde uma ferramenta de manutenção de uma competitividade ilusória.

O fim dessa história nós já conhecemos: baixa produtividade da indústria e menor bem-estar para o consumidor nacional.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Preço da gasolina vai aumentar ainda este ano

Governo planeja autorizar novo reajuste para evitar mais perdas no balanço

Companhia também estuda alterar política de pagamento de dividendos, o que deve elevar ganho de investidores estrangeiros, da União e do BNDES

O prejuízo de R$ 1,3 bilhão da Petrobras no segundo trimestre deste ano fez com que o governo decidisse rever sua estratégia de continuar usando a estatal como arma para segurar a inflação. O que se planeja é autorizar um novo reajuste de preços de combustíveis para diminuir a defasagem com o mercado internacional, que já encosta em 20%. O último reajuste de diesel e gasolina foi dado em junho, mas seu impacto nas bombas foi menor porque o governo zerou a Cide, contribuição sobre combustíveis. Se for aprovada nova política de dividendos, a União e o BNDES, detentores de ações ordinárias, receberão mais R$ 741 milhões.

Novo reajuste nas bombas à vista

Após prejuízo da Petrobras, governo deve autorizar aumento de combustíveis este ano. Inflação baixa permitiria correção

Geralda Doca

SOB PRESSÃO

BRASÍLIA - Diante do megaprejuízo de R$ 1,346 bilhão que a Petrobras teve no trimestre, o governo já cogita um reajuste dos combustíveis nas bombas para ajudar a companhia a reduzir parte das perdas, diminuindo a desfasagem de preços em relação ao mercado internacional. Embora ainda não esteja decidido quando e como será feita a recomposição, ou se o aumento vai pesar mais no diesel ou na gasolina, há chances reais de que a correção ocorra ainda este ano, já que o cenário de inflação em baixa não colocaria em risco a política de queda dos juros.

Além disso, existe forte apelo para aumentar investimentos, não só da estatal, mas também do setor produtivo.

- Essa questão do preço tem de ser corrigida em algum momento. Não há como continuar desse jeito e a oportunidade para fazer isso é neste ano, com cenário benigno para a inflação - disse um interlocutor da área econômica do governo. - Autorizar o reajuste seria importante para aumentar os investimentos. Daria uma sinalização positiva de que a estatal tem uma política saudável. Um balanço negativo é muito ruim.

A alternativa para evitar o reajuste dos combustíveis seria o governo oferecer algum tipo de subsídio à Petrobras, mas na visão da área econômica, isso não seria "salutar" para uma empresa do porte da estatal, ressaltou o interlocutor.

Defasagem já beira os 20%

Também há uma avaliação de que as eleições municipais não deverão ser empecilho para o reajuste nos preços, apesar do temor de alguns integrantes do governo de um eventual uso político da medida.

Nas contas do governo, a defasagem nos preços dos combustíveis está entre 10% e 15%. Falta bater o martelo se há necessidade de recompor toda a perda ou apenas alinhar os preços à realidade do mercado internacional.

Há nove anos, o preço da gasolina está congelado nas bombas para evitar uma pressão inflacionária. Nesse período, o governo reduziu a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), o imposto sobre os combustíveis,para amenizar o impacto do descolamento dos preços no caixa da empresa, que importa petróleo mais caro e vende mais barato os combustíveis no mercado interno. Em junho, o tributo foi zerado e a munição do governo acabou.

No mês passado, o governo autorizou a Petrobras a reajustar o diesel em 6% nas refinarias, com impacto para o consumidor, mas manteve o preço da gasolina inalterado.

Para Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), a situação tornou-se insustentável. Ele afirmou que a atual direção da Petrobras não terá condições de mudar a situação da empresa e recolocá-la no nível de excelência de antes se o governo, como acionista majoritário, não alterar a política adotada em relação à estatal.

- A nova direção da Petrobras não tem como melhorar a performance da empresa a curto prazo - disse Pires, acrescentando que não é possível contar, no momento, com dois fatores que seriam positivos, a alta no preço do petróleo e o câmbio.

Para ele, medidas como a melhoria da eficiência operacional só surtem efeito a médio e longo prazos. Pelas contas do consultor, a defasagem média, entre abril e junho, é de 16% na gasolina e de 21,7%, no diesel. Mas, na sua opinião, dificilmente haveria espaço para um reajuste nessas proporções, uma vez que o impacto seria muito elevado para os consumidores.

Ele avalia, contudo, que repor apenas parte das perdas - um reajuste entre 8% e 10% - já seria suficiente para animar o mercado e minimizar os efeitos da intervenção estatal na empresa.

- O mercado espera isso há nove anos - disse Pires.

Compra externa sobe 370%

Segundo o analista do BB Investimentos, Nataniel Cezimbra, o reajuste seria bem-vindo, já que o que os investidores miram nesse momento é "a parte boa da empresa", a distribuição, a revenda da gasolina.

- Se vier um reajuste, o mercado vai se animar e as ações vão subir - disse.

Cezimbra destacou que o lado ruim da companhia são as projeções para a produção, que não deverá crescer até 2014, o que vai elevar as despesas da estatal com importação de combustível, diante do crescimento da demanda, puxada pela ampliação da frota de automóveis.

De acordo com dados do CBIE, no primeiro semestre deste ano, as compras externas subiram 370% na comparação com o mesmo período de 2011.

FONTE: O GLOBO

A política dos remendos - Rolf Kuntz

As dificuldades do governo para fechar o novo pacote de estímulos à indústria e o prejuízo da Petrobrás no segundo trimestre são páginas da mesma história. Sem novidades para apresentar aos industriais, a presidente Dilma Rousseff adiou um encontro com dirigentes de grandes empresas. O embaraço é facilmente explicável. É cada vez mais complicado encontrar espaço no Orçamento Geral da União para desonerações tributárias. Mantém-se a gastança e a indispensável reforma dos impostos e contribuições continua empurrada para o dia do Juízo Final. Quanto aos problemas da Petrobrás, são obviamente resultantes de um estilo de governo implantado há nove anos e caracterizado pela visão de curto prazo, pela baixa disposição de enfrentar problemas complexos, como os fiscais, e pela tentação permanente de politizar as decisões econômicas. A contenção dos preços da gasolina, os problemas na construção de refinarias e o lançamento oficial de um petroleiro sem condições de navegar - só ficaria pronto dois anos depois - são demonstrações desse estilo.

A presidente da Petrobrás, Graça Foster, tem-se mostrado disposta a mudar a gestão da empresa, a enfrentar os problemas e até a exibir esqueletos guardados por vários anos, como os erros da política de preços, o irrealismo das metas e o mau planejamento das novas refinarias. Se persistir nessa atitude e for mantida no posto, forçará mudança pelo menos numa área da gestão federal. Talvez essa mudança contamine outras áreas da política econômica, mas, por enquanto, a maior parte desse quadro parece altamente improvável.

O País continua a uma boa distância de uma crise cambial, embora esses erros tenham afetado seriamente as contas externas. As exportações emperraram, as importações cresceram, o déficit em transações correntes aumenta de forma sensível e deverá continuar aumentando nos próximos anos. Está pouco acima de 2% do produto interno bruto (PIB), por enquanto, e poderá passar de 3% nos próximos cinco anos, segundo projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI). Os sinais são ruins e o quadro é muito desfavorável à indústria brasileira, atropelada no País e no exterior por vários competidores mais dinâmicos. Apesar disso, as contas externas ainda parecem administráveis e, além disso, o Brasil tem uns US$ 380 bilhões de reservas cambiais, um respeitável colchão de segurança.

Essas reservas, o desemprego ainda baixo e o vigor do consumo são dados inegavelmente positivos, mas igualmente inegáveis são os sinais de deterioração econômica. A perspectiva é animadora pelo menos para os admiradores do calote argentino, da falsificação de estatísticas, do protecionismo, do racionamento de moeda estrangeira, da pressão contra a imprensa e do intervencionismo autoritário. Se continuar no rumo seguido até agora, o governo brasileiro acabará chegando lá e atendendo às aspirações de ilustres economistas defensores do "modelo" kirchnerista. Para isso, bastará a presidente Dilma Rousseff continuar favorecendo setores escolhidos, produzindo remendos tributários, brincando com o investimento público, sujeitando a Petrobrás e outras estatais a objetivos partidários, engessando o Orçamento e perpetuando uma administração de baixíssima qualidade.

O emperramento da indústria brasileira resulta principalmente desses fatores, porque a demanda interna se manteve robusta nos últimos anos e pouco foi afetada pela crise internacional. A estagnação na Europa, a recuperação muito lenta nos Estados Unidos e a perda de vigor de alguns grandes emergentes têm com certeza atrapalhado a economia brasileira. Piorou o mercado de commodities, a competição internacional ficou mais dura e a indústria brasileira está sujeita a pressões excepcionalmente severas. Até o comércio no interior do Mercosul se tornou mais difícil - mas isso se deve em parte à disposição do governo brasileiro de aceitar o protecionismo de seu principal parceiro regional. O retrocesso do Mercosul e a excessiva dependência do fornecimento de commodities à China também refletem a politização, no pior sentido, da estratégia econômica do governo.

A política de remendos tributários, de apoio financeiro a empresas e setores favoritos da corte e de estímulo ao consumo, sem atenção às condições estruturais de eficiência, chegou claramente ao limite. Se apenas ampliar a lista de indústrias beneficiadas com estímulos, o governo oferecerá mais do mesmo. Há uma diferença oceânica entre a mera multiplicação de ações pontuais e a adoção de medidas gerais para aumentar a produtividade geral da economia. Mantida a orientação seguida até agora, será cada vez mais difícil conciliar a concessão de estímulos com as restrições orçamentárias. É difícil apostar em mudança. Por enquanto, a maior parte do governo parece imune ao surto de racionalidade detectado na Petrobrás.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Jogo dos muitos erros - Míriam Leitão

Num ano o governo não reajusta a gasolina porque tem eleição; no seguinte, porque a inflação subiu; no terceiro ano, porque tem eleição. Como a democracia veio para ficar, e nela vota-se com frequência, o governo deve deixar a economia fora disso. A importação de gasolina, em dólares, aumentou 374% no primeiro semestre, a Petrobras teve prejuízo, e o setor de etanol está desorganizado.

Os efeitos colaterais da decisão do governo de manter o preço artificial da gasolina estão se acumulando. Os dados da ANP mostram que de janeiro a junho foram gastos US$ 1,56 bi com a importação do produto, quase o mesmo valor importado em todo o ano de 2011. A exportação caiu 60% e foi de apenas US$ 48 milhões. Veja o gráfico. Aconteceu o mesmo com o óleo diesel: as exportações caíram 50% no primeiro semestre, enquanto as importações subiram 30%. A balança comercial do produto ficou negativa em US$ 3,5 bi. Em 2011, fechou no vermelho em US$ 7 bi.

Os números mostram a completa falta de sentido da política de combustíveis. A Petrobras compra lá fora por um preço mais alto do que vende aqui dentro, tem prejuízo e incentiva o consumo de combustível fóssil.

O mérito da presidente da Petrobras, Graça Foster, foi falar com sinceridade. José Sérgio Gabrielli sempre alegava que não iria repassar a volatilidade. Não era isso, tanto que os outros preços, como os de querosene de aviação e de gás para a indústria eram - e são - reajustados mensalmente. Graça admitiu que a defasagem no preço do diesel ainda está em 20,6%. Na gasolina, a diferença é de 18,1%.

O desequilíbrio no mercado de óleo diesel é antigo. As importações do produto já haviam disparado em 2006 e 2007 e só interromperam a trajetória de alta por causa da crise financeira de 2008, que levou a economia brasileira à recessão. Tanto o governo quanto a Petrobras tiveram tempo para mudar esse cenário.

Não mudaram e ainda entraram em outras decisões controversas, como a construção da refinaria Abreu e Lima, projetada para ser feita pela Petrobras e PDVSA e para processar petróleo venezuelano. A Petrobras banca tudo sozinha e o custo da obra deu um salto mortal: de US$ 4 bilhões para US$ 26 bi. Além disso, está atrasada.

O governo incentivou a compra de carro, segurou o preço do combustível e atrasou investimento em infraestrutura. Isso elevou a importação de gasolina e diesel, o que traz o prejuízo para a Petrobras. A indústria do etanol, sem horizontes, encolheu os investimentos. No ano passado, o país importou um bilhão de litros de álcool, e a ideia era que o Brasil virasse exportador.

Na mudança para o diesel com menos enxofre o governo errou também. Nos outros países o S50 substituiu o diesel velho. No Brasil, depois de adiar por vários anos a adoção do combustível menos poluente, a política foi manter os dois produtos. Como o novo custa 5% a 6% mais caro, toda a frota antiga usa o velho. Os postos de gasolina investiram na estrutura para o novo combustível - 2.800 postos estão com o produto - mas as vendas do S50 são de apenas 6% do total. As montadoras não estão conseguindo vender os novos modelos de caminhões e ônibus porque ninguém quer pagar mais pelo combustível tendo a opção do produto sujo e mais barato.

Poucas vezes se viu uma política que provoca tantos equívocos ao mesmo tempo.

FONTE: O GLOBO

O PIB e a felicidade - Eliana Cardoso

A presidente Dilma Rousseff causou controvérsia ao afirmar que se mede a Nação não pelo produto interno bruto (PIB), mas pela capacidade de proteção às crianças. Os críticos logo apontaram a forte correlação entre renda e situação infantil. O momento tornou infeliz o palpite fabricado para tampar a falta de resultados na seara do crescimento. Mas se a presidente tivesse o dom da oratória poderia ter trazido à tona temas importantes subjacentes à sua declaração.

Dilma poderia ter lembrado, como fez a revista britânica The Economist na mesma semana, que o PIB "mede tudo, exceto o que faz a vida valer a pena". A frase é de Bobby Kennedy. Retórica? Nem tanto. O PIB inclui a publicidade do cigarro, mas não subtrai a poluição do ar. Inclui a cachaça e as ambulâncias que recolhem as vítimas de motoristas bêbados, mas não subtrai as horas que perdemos em congestionamentos de automóveis. Inclui as fechaduras triplas com que trancamos as portas de nossas casas e os cadeados dos presídios. Soma a madeira da árvore derrubada, mas não subtrai o desmatamento da Amazônia. Adiciona os rifles dos traficantes e os jogos de computador que glorificam a violência. Soma geladeiras, armas e carros blindados, mas não subtrai o cheiro dos lixões nem o aquecimento do planeta. O crescimento do PIB proporciona a ilusão da felicidade, enquanto o enriquecimento torna os homens mais aquisitivos e, portanto, cada vez mais insaciáveis e descontentes.

Por que o crescimento superou todos os outros objetivos de política econômica? A origem da ideologia do crescimento surge da década de 1960, com a necessidade de o mundo ocidental enfrentar a corrida armamentista. Países do sistema soviético pareciam crescer mais depressa que os do sistema capitalista. E, capazes de suprimir o consumo privado, também podiam dedicar maior parcela da riqueza a gastos militares. Por outro lado, o crescimento econômico permitia aos países capitalistas melhorar a posição dos pobres sem aumentar os impostos dos ricos. Mas adiante, a ganância solaparia os valores comunitários, reduzindo ainda mais o bem-estar.

Diante dessa distorção, Blanchflower e Oswald, dois professores de Economia, usaram 100 mil respostas a questionários anuais entre 1972 e 1998 nos EUA e na Inglaterra. Os entrevistados responderam a perguntas como: "De um modo geral, você é feliz?". E outras também sobre rendimentos, emprego, casamento, religião, raça e sexo. Eles usaram as informações dos questionários em equações de felicidade. E confirmaram que minha tia-avó tem razão em duvidar que hoje a humanidade seja mais feliz do que há 50 anos.

Pelo menos no caso dos americanos e ingleses. De acordo com as respostas aos questionários, entre o começo da década de 1970 e o final da década de 1990 a felicidade dos norte-americanos diminuiu e a dos ingleses permaneceu a mesma, embora a renda dos EUA e da Inglaterra tenha crescido bastante no mesmo período.

Blanchflower e Oswald suspeitam que nos últimos 30 anos, apesar do aumento significativo de seus rendimentos, os norte-americanos tenham sofrido uma queda no sentimento de felicidade por causa do aumento do número de divórcios. Para um homem bem casado, a mulher vale em média 100 mil dólares de felicidade por ano. Separação e divórcio são fontes de depressão mais graves do que a morte da cara-metade.

Religião e educação superior aumentam o sentimento de bem-estar, ao passo que o desemprego é uma das principais fontes de depressão. Em média, um norte-americano precisaria receber US$ 60 mil por ano para anular o sentimento de infelicidade provocado pelo desemprego. E a curva da felicidade tem a forma de U em relação à idade. Os níveis de felicidade mais baixos estão associados com idades entre 35 e 45 anos. Depois dos 45 a felicidade volta a crescer.

Pesquisas recentes replicam a metodologia de Blanchflower e Oswald e confirmam muitos de seus resultados. Em parte, porque não é preciso ser um gênio nem dispor de bancos de dados para entender que as pessoas com saúde e emprego são mais felizes do que as doentes e desempregadas.

Na última semana de julho, o Office for National Statistics da Inglaterra publicou o primeiro relatório do bem-estar nacional, baseado em pesquisas que perguntam às pessoas o que sentem sobre sua própria vida. A iniciativa partiu de David Cameron, que denunciou as falhas da contabilidade nacional e pediu outra medida de felicidade além do PIB.

Para coletar dados, 165 mil pessoas foram convidadas a dar notas de 1 a 10 em respostas às seguintes perguntas: em geral, quão satisfeito você está hoje com sua vida? Até que ponto você sente que o que você faz vale a pena? Quão feliz você se sentiu ontem? Ontem você se sentiu ansioso?

As respostas mostraram britânicos felizes. Os que têm parceiros são mais felizes do que os solteiros, viúvos ou divorciados. Os donos de casa própria são mais felizes do que os locatários. Os que têm deficiência e saúde ruim são bem menos felizes e mais ansiosos do que os saudáveis. E confirmando pesquisas anteriores, pessoas de meia-idade também são menos felizes do que as mais jovens ou as mais velhas. Ao que parece, a crise da meia-idade não é mito.

Se a moda das pesquisas sobre felicidade se firmar entre os economistas, dentro de 30 anos teremos uma série temporal com observações suficientemente numerosas para rejeitar a hipótese de que o crescimento do PIB aumenta a felicidade. Então saberemos se a presidente Dilma tinha razão ou se deveria ter seguido as teorias convencionais que utilizam o PIB como referência para o sucesso nacional. Por enquanto, parece razoável admitir que medidas do PIB e da felicidade são imperfeitas e que o bom senso sugere combinar políticas de crescimento sustentável com estabilidade e objetivos sociais.

É professora titular da FGV - São Paulo

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO