As dificuldades do governo para fechar o novo pacote de estímulos à indústria e o prejuízo da Petrobrás no segundo trimestre são páginas da mesma história. Sem novidades para apresentar aos industriais, a presidente Dilma Rousseff adiou um encontro com dirigentes de grandes empresas. O embaraço é facilmente explicável. É cada vez mais complicado encontrar espaço no Orçamento Geral da União para desonerações tributárias. Mantém-se a gastança e a indispensável reforma dos impostos e contribuições continua empurrada para o dia do Juízo Final. Quanto aos problemas da Petrobrás, são obviamente resultantes de um estilo de governo implantado há nove anos e caracterizado pela visão de curto prazo, pela baixa disposição de enfrentar problemas complexos, como os fiscais, e pela tentação permanente de politizar as decisões econômicas. A contenção dos preços da gasolina, os problemas na construção de refinarias e o lançamento oficial de um petroleiro sem condições de navegar - só ficaria pronto dois anos depois - são demonstrações desse estilo.
A presidente da Petrobrás, Graça Foster, tem-se mostrado disposta a mudar a gestão da empresa, a enfrentar os problemas e até a exibir esqueletos guardados por vários anos, como os erros da política de preços, o irrealismo das metas e o mau planejamento das novas refinarias. Se persistir nessa atitude e for mantida no posto, forçará mudança pelo menos numa área da gestão federal. Talvez essa mudança contamine outras áreas da política econômica, mas, por enquanto, a maior parte desse quadro parece altamente improvável.
O País continua a uma boa distância de uma crise cambial, embora esses erros tenham afetado seriamente as contas externas. As exportações emperraram, as importações cresceram, o déficit em transações correntes aumenta de forma sensível e deverá continuar aumentando nos próximos anos. Está pouco acima de 2% do produto interno bruto (PIB), por enquanto, e poderá passar de 3% nos próximos cinco anos, segundo projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI). Os sinais são ruins e o quadro é muito desfavorável à indústria brasileira, atropelada no País e no exterior por vários competidores mais dinâmicos. Apesar disso, as contas externas ainda parecem administráveis e, além disso, o Brasil tem uns US$ 380 bilhões de reservas cambiais, um respeitável colchão de segurança.
Essas reservas, o desemprego ainda baixo e o vigor do consumo são dados inegavelmente positivos, mas igualmente inegáveis são os sinais de deterioração econômica. A perspectiva é animadora pelo menos para os admiradores do calote argentino, da falsificação de estatísticas, do protecionismo, do racionamento de moeda estrangeira, da pressão contra a imprensa e do intervencionismo autoritário. Se continuar no rumo seguido até agora, o governo brasileiro acabará chegando lá e atendendo às aspirações de ilustres economistas defensores do "modelo" kirchnerista. Para isso, bastará a presidente Dilma Rousseff continuar favorecendo setores escolhidos, produzindo remendos tributários, brincando com o investimento público, sujeitando a Petrobrás e outras estatais a objetivos partidários, engessando o Orçamento e perpetuando uma administração de baixíssima qualidade.
O emperramento da indústria brasileira resulta principalmente desses fatores, porque a demanda interna se manteve robusta nos últimos anos e pouco foi afetada pela crise internacional. A estagnação na Europa, a recuperação muito lenta nos Estados Unidos e a perda de vigor de alguns grandes emergentes têm com certeza atrapalhado a economia brasileira. Piorou o mercado de commodities, a competição internacional ficou mais dura e a indústria brasileira está sujeita a pressões excepcionalmente severas. Até o comércio no interior do Mercosul se tornou mais difícil - mas isso se deve em parte à disposição do governo brasileiro de aceitar o protecionismo de seu principal parceiro regional. O retrocesso do Mercosul e a excessiva dependência do fornecimento de commodities à China também refletem a politização, no pior sentido, da estratégia econômica do governo.
A política de remendos tributários, de apoio financeiro a empresas e setores favoritos da corte e de estímulo ao consumo, sem atenção às condições estruturais de eficiência, chegou claramente ao limite. Se apenas ampliar a lista de indústrias beneficiadas com estímulos, o governo oferecerá mais do mesmo. Há uma diferença oceânica entre a mera multiplicação de ações pontuais e a adoção de medidas gerais para aumentar a produtividade geral da economia. Mantida a orientação seguida até agora, será cada vez mais difícil conciliar a concessão de estímulos com as restrições orçamentárias. É difícil apostar em mudança. Por enquanto, a maior parte do governo parece imune ao surto de racionalidade detectado na Petrobrás.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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