A presidente Dilma Rousseff causou controvérsia ao afirmar que se mede a Nação não pelo produto interno bruto (PIB), mas pela capacidade de proteção às crianças. Os críticos logo apontaram a forte correlação entre renda e situação infantil. O momento tornou infeliz o palpite fabricado para tampar a falta de resultados na seara do crescimento. Mas se a presidente tivesse o dom da oratória poderia ter trazido à tona temas importantes subjacentes à sua declaração.
Dilma poderia ter lembrado, como fez a revista britânica The Economist na mesma semana, que o PIB "mede tudo, exceto o que faz a vida valer a pena". A frase é de Bobby Kennedy. Retórica? Nem tanto. O PIB inclui a publicidade do cigarro, mas não subtrai a poluição do ar. Inclui a cachaça e as ambulâncias que recolhem as vítimas de motoristas bêbados, mas não subtrai as horas que perdemos em congestionamentos de automóveis. Inclui as fechaduras triplas com que trancamos as portas de nossas casas e os cadeados dos presídios. Soma a madeira da árvore derrubada, mas não subtrai o desmatamento da Amazônia. Adiciona os rifles dos traficantes e os jogos de computador que glorificam a violência. Soma geladeiras, armas e carros blindados, mas não subtrai o cheiro dos lixões nem o aquecimento do planeta. O crescimento do PIB proporciona a ilusão da felicidade, enquanto o enriquecimento torna os homens mais aquisitivos e, portanto, cada vez mais insaciáveis e descontentes.
Por que o crescimento superou todos os outros objetivos de política econômica? A origem da ideologia do crescimento surge da década de 1960, com a necessidade de o mundo ocidental enfrentar a corrida armamentista. Países do sistema soviético pareciam crescer mais depressa que os do sistema capitalista. E, capazes de suprimir o consumo privado, também podiam dedicar maior parcela da riqueza a gastos militares. Por outro lado, o crescimento econômico permitia aos países capitalistas melhorar a posição dos pobres sem aumentar os impostos dos ricos. Mas adiante, a ganância solaparia os valores comunitários, reduzindo ainda mais o bem-estar.
Diante dessa distorção, Blanchflower e Oswald, dois professores de Economia, usaram 100 mil respostas a questionários anuais entre 1972 e 1998 nos EUA e na Inglaterra. Os entrevistados responderam a perguntas como: "De um modo geral, você é feliz?". E outras também sobre rendimentos, emprego, casamento, religião, raça e sexo. Eles usaram as informações dos questionários em equações de felicidade. E confirmaram que minha tia-avó tem razão em duvidar que hoje a humanidade seja mais feliz do que há 50 anos.
Pelo menos no caso dos americanos e ingleses. De acordo com as respostas aos questionários, entre o começo da década de 1970 e o final da década de 1990 a felicidade dos norte-americanos diminuiu e a dos ingleses permaneceu a mesma, embora a renda dos EUA e da Inglaterra tenha crescido bastante no mesmo período.
Blanchflower e Oswald suspeitam que nos últimos 30 anos, apesar do aumento significativo de seus rendimentos, os norte-americanos tenham sofrido uma queda no sentimento de felicidade por causa do aumento do número de divórcios. Para um homem bem casado, a mulher vale em média 100 mil dólares de felicidade por ano. Separação e divórcio são fontes de depressão mais graves do que a morte da cara-metade.
Religião e educação superior aumentam o sentimento de bem-estar, ao passo que o desemprego é uma das principais fontes de depressão. Em média, um norte-americano precisaria receber US$ 60 mil por ano para anular o sentimento de infelicidade provocado pelo desemprego. E a curva da felicidade tem a forma de U em relação à idade. Os níveis de felicidade mais baixos estão associados com idades entre 35 e 45 anos. Depois dos 45 a felicidade volta a crescer.
Pesquisas recentes replicam a metodologia de Blanchflower e Oswald e confirmam muitos de seus resultados. Em parte, porque não é preciso ser um gênio nem dispor de bancos de dados para entender que as pessoas com saúde e emprego são mais felizes do que as doentes e desempregadas.
Na última semana de julho, o Office for National Statistics da Inglaterra publicou o primeiro relatório do bem-estar nacional, baseado em pesquisas que perguntam às pessoas o que sentem sobre sua própria vida. A iniciativa partiu de David Cameron, que denunciou as falhas da contabilidade nacional e pediu outra medida de felicidade além do PIB.
Para coletar dados, 165 mil pessoas foram convidadas a dar notas de 1 a 10 em respostas às seguintes perguntas: em geral, quão satisfeito você está hoje com sua vida? Até que ponto você sente que o que você faz vale a pena? Quão feliz você se sentiu ontem? Ontem você se sentiu ansioso?
As respostas mostraram britânicos felizes. Os que têm parceiros são mais felizes do que os solteiros, viúvos ou divorciados. Os donos de casa própria são mais felizes do que os locatários. Os que têm deficiência e saúde ruim são bem menos felizes e mais ansiosos do que os saudáveis. E confirmando pesquisas anteriores, pessoas de meia-idade também são menos felizes do que as mais jovens ou as mais velhas. Ao que parece, a crise da meia-idade não é mito.
Se a moda das pesquisas sobre felicidade se firmar entre os economistas, dentro de 30 anos teremos uma série temporal com observações suficientemente numerosas para rejeitar a hipótese de que o crescimento do PIB aumenta a felicidade. Então saberemos se a presidente Dilma tinha razão ou se deveria ter seguido as teorias convencionais que utilizam o PIB como referência para o sucesso nacional. Por enquanto, parece razoável admitir que medidas do PIB e da felicidade são imperfeitas e que o bom senso sugere combinar políticas de crescimento sustentável com estabilidade e objetivos sociais.
É professora titular da FGV - São Paulo
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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