Juliano Basile, Maíra Magro e Fernando Exman
BRASÍLIA - Os advogados dos réus do mensalão que apresentaram suas defesas ontem ao Supremo Tribunal Federal (STF) foram unânimes ao dizer que seus clientes não tinham poder de decisão nos repasses de dinheiro para políticos feitos através de agências do publicitário Marcos Valério e na concessão de empréstimos junto ao Banco Rural. Até mesmo a defesa de Kátia Rabello, que era a presidente do Banco Rural quando estourou o escândalo do mensalão, em 2005, alegou que ela não tinha controle sobre essas operações. O dia também foi marcado por críticas duras ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel.
"Kátia era uma bailarina, uma artista. A sua irmã faleceu num desastre de helicóptero. O velho Sabino [Sabino Corrêa Rabello, fundador do Rural] reassumiu a presidência do banco que não poderia ficar acéfalo e trouxe para o conselho de administração Kátia, que não entendia do assunto", disse o criminalista José Carlos Dias, advogado da ex-presidente, que foi apontada pelo Ministério Público como a líder do núcleo financeiro do mensalão.
Segundo Dias, José Augusto Dumont, morto em 2004, foi quem comandou o banco e realizou as operações com as agências de Valério e o PT. Ao todo, o Rural fez empréstimos de R$ 20 milhões à SMP&B, de R$ 9 milhões à Grafitti - ambas de Valério - e de R$ 3 milhões ao PT. "Dumont era quem tocava o banco e se relacionava com Valério", enfatizou Dias. "Kátia não pode ser condenada por atos que não praticou. Quando ela assumiu a presidência do banco, teve, eventualmente, uma conversa com Valério."
Além de José Carlos Dias, também falaram advogados de quatro réus ligados às agências de Marcos Valério: Cristiano Paz, sócio do publicitário, Rogério Lanza Tolentino, advogado ligado a Valério, Simone Vasconcelos e Geiza Dias dos Santos, funcionárias das agências. Os defensores desses réus, que não são famosos e são considerados como o "baixo clero" do mensalão, foram bastante incisivos ao criticar Gurgel.
Paulo Sérgio Abreu e Silva, advogado de Tolentino, admitiu que ele participou de um esquema de caixa dois de campanha, mas acusou o procurador-geral de "preguiça mental". Inicialmente, ele disse que não pretendia criticar a denúncia, "pois ela leva o iminente relator a cometer enganos". "Só quem a leu 50 ou 100 vezes é que pode tirar dela a parte seca, enxuta", completou o advogado. "A denúncia foi fraca. Houve preguiça mental de ler esses laudos. Não é possível", disse Abreu e Silva. "O procurador não sabe redigir uma denúncia. É duro falar isso, mas é a verdade verdadeira", continuou Abreu e Silva, que também defendeu Geiza. "O procurador-geral recorre a colunas e manchetes de jornais para fazer acusação e ainda vem ao final pedir a prisão, como se isso fosse exemplo", afirmou Leonardo Yarochewsky, advogado de Simone.
"Apenas numa coisa eu concordo com o procurador-geral: o seu gosto pela música brasileira e por Chico Buarque", afirmou Yarochewsky. "Mas, logo que vossa excelência citou "Vai Passar", me veio à música "Apesar de Você"", continuou. "Você que inventou o pecado, esqueceu-se de inventar o perdão", cantarolou o advogado.
Castelar Modesto Guimarães, que defende Cristiano Paz, ex-sócio de Valério na SMP&B, procurou desqualificar o trabalho do MP alegando falta de provas. Segundo Guimarães, Paz cuidava somente da área de criação da agência, sem influir na administração, que estaria a cargo de Valério. "Faltam aos autos provas para embasar o oferecimento da denúncia."
A presença dos advogados do baixo clero do mensalão fez com que os ministros do STF vissem cenas típicas de Tribunal de Júri. Guimarães chegou a chorar, ao dizer que trabalhou no Ministério Público, onde gostava de ver promotores pedindo a exclusão de réus de processos penais quando não havia provas contra eles. Procurando cativar o STF, ele saudou até Luiz Tommimatsu, que, apesar de se sentar ao lado dos ministros, atua como secretário do plenário e, portanto, não vota.
Yarochewsky fez citações que foram da novela das oito até o nazismo e apelou até ao coração dos ministros. "Esse advogado não sabe o que se passa entre o cérebro e o coração de vossas excelências que vão decidir o futuro de uma mulher, mãe de filhos e avó, cujo padrão de vida não mudou em nada nos últimos anos".
Os próprios clientes não foram poupados em alguns momentos. Para dizer que Geiza não teve culpa no mensalão, Abreu e Silva qualificou-a como funcionária que não conhecia ninguém e apenas autorizava os saques das agências de Valério. "Ela vai me perdoar, mas tenho que afirmar: Geiza era uma funcionária mequetrefe. Ela não conhece ninguém do Rural, nenhum partido politico, não conhece Dirceu e nem aqueles que foram beneficiados".
O quarto dia de julgamento foi marcado pela terceira questão de ordem levantada pelos advogados. Ao ver que a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha deixou o STF, no intervalo da sessão, para ir ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do qual é presidente, os advogados se reuniram e decidiram que Dias apresentaria questão de ordem pedindo o adiamento da sessão.
Uma vez colocada a questão, o presidente da Corte, ministro Ayres Britto, ouviu os demais ministros e todos concluíram que havia quórum para continuar a sessão. Eles também ressaltaram que a ministra se comprometeu a assistir às defesas feitas após o intervalo, que foram gravadas pela TV Justiça. Com isso, a questão de ordem foi negada por unanimidade.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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