quarta-feira, 30 de maio de 2018

Rosângela Bittar: O líder sem rosto

- Valor Econômico

A nova oposição está fora dos partidos políticos

Os preços da Petrobras vinham sendo calculados, tanto quanto criticados, com muita soberba e sofisticação, de parte a parte. Inclusive por acompanhar países que nada têm a ver com o Brasil, sem levar em conta carga e alertas dos caminhoneiros, desde o ano passado. Eles, também movidos a modernidade, conectados e rastreados pela empresas por satélite, já não aceitavam qualquer solução. A greve pegou um governo em seu ocaso, fragilizado, fazendo o que pode para mostrar que ainda tem condições de gerir o país. Sem informação, com órgãos de segurança distanciados da realidade, está e continuará no escuro, mas ainda se vira. O movimento não tem um líder, orquestra sem maestro, onde já se viu? Numa reunião no Palácio do Planalto Temer perguntou duas vezes quem era o líder, e não obteve resposta. Havia na sala quase 100, menos a pessoa capaz de fazer os caminhões voltarem a circular.

O verdadeiro líder está oculto, no 9º dia de greve ainda não apareceu. Agora tudo ficou mais embaralhado porque começou a se apropriar do movimento uma certa marginalidade, que misturou as estações. Acrescentou às reivindicações sobre preço do frete e do diesel, de atendimento possível e provável, os pedidos de renúncia do presidente da República e intervenção militar, de atendimento impossível e improvável. Uma confusão proposital que, embora tenha teoricamente beneficiado o candidato Jair Bolsonaro, que faz o discurso da lei e da ordem, não parece ter conexão com as eleições, tão próximas.

Os candidatos têm dado declarações adjetivas mas, na verdade, não sabem o que fazer com o problema.

A informação que circula no exterior, a reportagem internacional da crise brasileira atual, está equivocada, como esteve a do impeachment, e não há quem consiga audiência para mostrar a realidade: dizem que Lula está por trás do movimento dos caminhoneiros, que o Fora Temer está relacionado com a prisão do Lula, e assim se segue um equívoco atrás do outro.

A população vai à rua fazer fila em postos de combustíveis e estocar gasolina, em galões, querendo mais do que encher o tanque do seu carro. Muitos lotam o carrinho de supermercado com caixas de leite, esperando o toque de recolher, sem saber que nas casas comerciais mais acostumadas à crise de desabastecimento no exterior, as prateleiras estão cheias porque há limite de produtos para cada consumidor.

O protesto é difuso, as pessoas não querem ver políticos pela frente, o Legislativo não consegue participar das soluções de forma adequada porque seus dirigentes disputam os holofotes. Dizem bobagem o dia inteiro e assim temos o retrato da política às vésperas de uma eleição aguardada com esperança.

O sociólogo e ex-deputado Paulo Delgado tenta explicar: " Os partidos passaram a trabalhar com públicos e plateias e a indignação com a política, no Brasil, é da sociedade de massa".

Delgado identifica dois fenômenos nessa greve: um é que há uma nova oposição política no Brasil, que está fora dos partidos e é uma sociedade sem rosto, de massa. Outra, é que a sociedade de públicos com que trabalham os partidos políticos (plateias, bajuladores), nessa greve se revelou difícil de capturar. "As direções sindicais não falam com a massa, os partidos políticos não falam com a massa, o governo muito menos, e aí surgem os líderes ocultos".

Esse é um dos pontos a destacar no movimento. Seja greve de caminhoneiros, ou locaute, ou greve de caminhões sem caminhoneiro dentro, ou infiltrada por militantes políticos, os líderes não apareceram. Pelo menos não o que seria capaz de por fim à paralisação que já recebeu do governo todas as concessões, a um preço muito alto para a sociedade.

Numa das inúmeras reuniões de negociação no Palácio do Planalto líderes disseram que não conseguiriam levar os "liderados" a aderir ao "acordo". Eram líderes entre aspas também, sem capacidade de conduzir posições além da sua.

Dessa constatação surge um segundo destaque a registrar: a atuação discreta e firme do governador de São Paulo, Márcio França. Pelo whatsapp, fez o que a Abin (agência de inteligência do governo) não conseguiu: identificou os líderes periféricos da greve e, do seu gabinete, conseguiu acordo para desobstruir rodovias importantes em São Paulo para abastecer áreas prioritárias.

Também do ponto de vista da disputa eleitoral a atuação de Márcio França o beneficiou: se fez muito mais conhecido tanto no Estado quanto no resto do Brasil, e virou ponto de exclamação entre os que não o conheciam e o viram atuar nessa greve. Atrás de França, em entrevistas mostradas ao vivo, havia sempre um militar fardado, provavelmente o chefe da Casa Militar; enquanto no Rio as informações eram transmitidas pelo Interventor e, atrás dele, o governador Pezão. A TV traduz para o Brasil todos os simbolismos. Os demais governadores em geral ficaram inoperantes e, em alguns casos, foram acusados de insuflar a greve e colocar a polícia a seu serviço.

No governo Temer, cuja cabeça é pedida faltando apenas quatro meses para a eleição do novo presidente, há um personagem a evidenciar porque se superou e conquistou uma nova função bem realizada: Carlos Marun (MDB), um gaúcho deputado pelo Mato Grosso do Sul que, quando lider do governo na Câmara abraçou causas perdidas e impopulares, como a defesa do ex-presidente da Casa, Eduardo Cunha, entre outras questões que dele exigiram extrema coragem política. Agora, transformou-se no Comunicador do governo, e expôs, clara e pacientemente, sem arrogância, as decisões e avaliações do gabinete de crise. Uma demanda intensa da sociedade e, portanto, dos meios de comunicação.

Ao contrário, os militares, que ganharam popularidade com as operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLOs) nos Estados, instituídas para apoiar a ação de segurança em áreas dominadas pelo narcotráfico e em crises provocadas por greves policiais, ainda não apresentaram resultados notáveis de sua ação. O general da reserva Sérgio Etchegoyen, ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional, diz que esperar deles algo mais do que fizeram é um raciocínio anacrônico, preso ao passado.

Bem, se não resolveram nada com a intervenção no Rio, por que resolveriam na greve de caminhoneiros, sob suspeita de ser mais locaute do que greve, e de estar manipulada? É até bom que não façam. O apoio das Forças Armadas está se tornando mais logístico do que de segurança.

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