quarta-feira, 30 de maio de 2018

Cristiano Romero: Reféns do populismo

- Valor Econômico

Desde 2013, só há resposta populista por parte do setor público

Em 2002, o então presidente da Petrobras, Francisco Gros, advertiu investidores americanos, em conferência em Washington, de que, se chegasse ao poder, o PT usaria a estatal para colocar em prática política de preços irrealista e, portanto, nociva à companhia e também aos cofres públicos. O alerta foi corajoso porque, como CEO, Gros em tese não deveria desestimular seus acionistas a continuarem acreditando na empresa. Por outro lado, é missão do dirigente de uma sociedade de capital aberto prevenir investidores dos riscos que correm, não esconder informações (naquele caso, desconfianças) quanto aos possíveis rumos do negócio. Na verdade, o que Gros fez foi dar um grito contra o populismo que grassa na política brasileira, à esquerda e à direita, desde sempre.

Presentes ao evento, diplomatas e funcionários do governo comandado pelo tucano Fernando Henrique Cardoso ficaram constrangidos com as declarações de Gros. Aquela mesma audiência já havia se sobressaltado com o pronunciamento do então presidente do Itaú, Roberto Setúbal, sustentando, semanas antes do pleito presidencial, que o petista Luiz Inácio Lula da Silva ganharia a eleição e que não havia razões para preocupação - a história mostrou que Setúbal estava certo, embora Gros não estivesse necessariamente errado.

Falecido em 2010, Francisco Gros era um economista liberal, formado em Princeton, uma das mais renomadas universidades americanas. Antes de assumir, em 2002, o comando da Petrobras, presidiu o BNDES e, por duas vezes, o Banco Central (BC). Foi em sua segunda gestão no BC - entre 17 de maio de 1991 e 16 de novembro de 1992 - que um jovem economista chamado Armínio Fraga iniciou a crucial abertura da conta de capitais do Brasil.

Combinado à conclusão da renegociação da dívida externa, também naquela época, aquele processo reconectou o país à comunidade financeira internacional, da qual esteve isolado graças aos sucessivos calotes no pagamento da dívida externa desde a crise de 1982. Nada acontece de forma isolada ou por acaso - o trabalho que Gros e Armínio conduziram no BC, em pleno governo Collor, foi fundamental para a acumulação de reservas cambiais que precedeu o Plano Real, lançado em julho de 1994, e foi uma das razões de seu sucesso inicial.

Sem reservas em dólar, a equipe de FHC, então ministro da Fazenda, não teria conseguido adotar, como primeira âncora da nova moeda, a taxa de câmbio. O problema é que, sem o necessário "apoio" das contas públicas, a âncora cambial fora longe demais - de julho de 1994 até o início de 1999 -, tornando o país extremamente vulnerável a crises externas, como se viu naquele período. Liderada na ocasião pelo PT, a oposição acusou aquela política cambial de "populista".

Quando Francisco Gros "gritou" contra o populismo, no segundo semestre de 2002, atuava como conselheiro informal de Ciro Gomes, então candidato do PPS à Presidência. O populismo a que se referia era outro. Eleito, Lula governou o país por oito anos (de 2003 a 2010) sem submeter a Petrobras à profecia de Gros. Dilma Rousseff, sua sucessora, cumpriu o presságio à risca, o que por muito pouco não quebrou a gigante Petrobras, como revelam claramente os balanços da empresa nos últimos anos. É importante observar que qualquer prejuízo impingido à estatal, e a qualquer uma delas, resulta mais adiante em perda para o contribuinte, que pagará a conta por meio da elevação de impostos.

O populismo sempre nos acompanhou, mas, talvez, tenha se tornado mais impregnado na prática política nacional com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, em 1930. É verdade que Vargas foi o responsável por modernizar minimamente o Estado brasileiro, mas foi também quem inaugurou a prática da demonização das concessionárias privadas de serviço público (energia, telefonia, trens etc), que desde o início do século XX eram controladas por empresas estrangeiras. A ideia do inimigo transnacional teve forte apelo na década de 1930, mesmo diante do elevado grau de satisfação da população com as concessionárias estrangeiras. Desde então, os brasileiros passaram a ver companhias estrangeiras e privadas com enorme desconfiança.

Durante a ditadura militar (1964-1985), o populismo perdeu força nos primeiros anos, de ajuste da economia, mas reacendeu-se durante a crise de hegemonia dos generais. Há algo mais populista que o antigo FCVS (Fundo de Compensação das Variações Salariais), mecanismo que jogava para o Tesouro Nacional a diferença entre os juros pactuados em empréstimos habitacionais e a taxa real, isto é, o juro praticado durante o período do financiamento, ignorando-se, inclusive, a correção monetária (a inflação). A conta foi bilionária, está sendo paga até hoje e decorreu do interesses dos militares em agradar - acalmar, na verdade - a classe média durante os anos de chumbo.

Eternamente em crise, o governo Sarney (1985-1989) também foi pródigo em adotar medidas populistas, mas, nos últimos anos do mandato, a equipe econômica - liderada por Mailson da Nóbrega - começou a desmontar, rodeada de incompreensão, o modelo de Estado e economia fechada erigido pelos militares. Os governos seguintes - Collor, Itamar Franco e FHC - não abandonaram completamente a prática populista - Itamar, por exemplo, exigia que o Banco Central reduzisse os juros bancários por acreditar que era do BC que saía o crédito para empresas e pessoas físicas. Mas é fato que a restrição fiscal que acompanhou aqueles governos diminuiu sobremaneira o espaço para a realização de despesas sem receita correspondente.

Pelo primeiro mandato, Lula não pode ser acusado de ter sido um populista clássico. O mesmo já não se pode dizer do segundo, principalmente, quando Dilma Rousseff passou a mandar de forma mais efetiva nos rumos do governo - na segunda metade de 2008, após o advento da crise financeira mundial. A gestão Dilma (2011-2016) encarnou o período de maior ocorrência, em décadas, da prática de políticas populistas.

Do Fies (com o Tesouro garantindo 100% da inadimplência) ao controle artificial das tarifas de energia e dos preços dos combustíveis, passando pelos empréstimos do BNDES a juros nominais negativos (abaixo da inflação) para grandes empresas - nacionais e multinacionais -, a ex-presidente não mediu esforços para submeter o Orçamento público ao seu projeto de poder, que é do que se trata o populismo. Não é à toa que, desde as manifestações populares de 2013, as autoridades só conseguem responder às questões levantadas com mais populismo.

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