sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Vera Magalhães: Uma nova eleição tem início hoje

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro ficará fisicamente afastado da campanha, mas ganhará ainda mais protagonismo.

O atentado contra Jair Bolsonaro perpetrado na tarde de 6 de setembro em Juiz de Fora (MG) inicia uma campanha presidencial completamente nova. Diante da facada desferida no líder nas pesquisas por Adélio Bispo de Oliveira, o estado democrático de direito também foi golpeado. E no terreno estritamente eleitoral, todas as estratégias dos demais postulantes à Presidência, as pesquisas e os prognósticos foram jogados no lixo.

A um mês do pleito, a campanha mais imprevisível desde a redemocratização ganha mais um componente inédito e dramático. É impossível prever o que o atentado acarretará do ponto de vista das chances de cada postulante. Diante de um quadro clínico grave e tendo sido submetido a uma cirurgia, Bolsonaro ficará fisicamente afastado da campanha, mas ganhará ainda mais protagonismo.

Existe o risco de que a polarização, que já estava exacerbada, resvale para novas manifestações de violência nas redes sociais e nas ruas. É responsabilidade de todos os homens públicos, da imprensa e das instituições repudiar qualquer relativização do atentado e todas as tentativas de capitalização política do ataque por qualquer lado do espectro ideológico. Portanto, a hora deve ser de serenar os ânimos. Isso deve se refletir na propaganda eleitoral, que entrava num momento de ataques mais sistemáticos, com Bolsonaro como alvo.

É provável que o candidato do PSL escale ainda alguns pontos nas pesquisas. Episódios que geraram forte comoção levaram a esse resultado num passado recente – basta lembrar a morte de Eduardo Campos num acidente aéreo em 2014 e a ascensão de Marina Silva. Resta saber a força que isso terá e a maneira como os demais atores do processo reagirão. É preciso que as instituições falem mais alto, punindo o responsável por um atentado inconcebível numa democracia e assegurando a segurança – física e simbólica – do processo sucessório.

Eliane Cantanhêde: Campanha catatônica

- O Estado de S.Paulo

A facada em Bolsonaro atinge uma pessoa, o líder nas pesquisas e a própria eleição

O ataque contra Jair Bolsonaro é de extrema gravidade porque atinge uma pessoa, um deputado, o líder nas pesquisas presidenciais. E mais: afeta diretamente as eleições e joga a pobre democracia brasileira no perigoso terreno das fake news, do oportunismo político e do jogo das acusações levianas, recheadas de interesses os mais diversos e danosos.

O mais importante, neste primeiro momento, é a solidariedade humana com Bolsonaro. Goste-se ou não das suas ideias e do que projeta caso seja eleito presidente, ele é a vítima. Jamais podemos transformar vítimas em réus, como muitas vezes ocorre com mulheres estupradas, espancadas e até mortas. Vítimas são sempre e, simplesmente, vítimas.

Mas, a menos de um mês da eleição, e tratando-se de quem se trata, é fundamental também investigar eventuais motivações políticas, evitar a contaminação mortal das eleições e, principalmente, uma metralhadora giratória contra “culpados” que só têm “culpa” nas irresponsáveis ou manipuladas redes sociais. Se já estão fora do controle normalmente, imagine-se onde podem parar depois dessa tragédia...

O fato, em si, é lamentável e condenável sob todos os aspectos e une os candidatos dos diferentes partidos e tendências na indignação. Mas é preciso, a bem do processo, a bem da democracia, que fique restrito ao que é, não ao que querem que seja.

O criminoso atribuiu sua ação a “questões pessoais”, mas toda a sua vida e todas as suas ligações ou preferências políticas estão sendo levantadas, para que não pairem dúvidas nem fantasmas que às vezes duram anos ou décadas, aqui e lá fora. Vide os assassinatos de John Kennedy, na maior democracia do planeta, e de Celso Daniel e de PC Farias, nas nossas barbas.

Merval Pereira: Uma situação de ruptura

- O Globo

Agora, esfaqueado e em grave situação, Bolsonaro iguala-se a Lula como martirizado na visão de seus eleitores

A radicalização da política brasileira teve seu ápice até agora com o ataque sofrido ontem pelo candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro, que lidera a corrida eleitoral quando o quadro real é apresentado ao eleitor, sem a presença de Lula por decisão da Justiça Eleitoral. É uma situação de ruptura que se agrava pela crise econômica e social do pais.

Temos presenciado nos últimos tempos radicalizações diversas de ambos os extremos em luta pelo poder. A caravana de Lula foi atingida por tiros, o acampamento em Curitiba, depois de sua prisão, foi atacado por adversários políticos. No outro extremo, Jair Bolsonaro, que cansou de estimular a população a se armar, e chegou a ensinar uma criança a atirar, acabou atingido por um radicalismo aparentemente de fundo religioso, uma novidade perversa na disputa política brasileira.

A divisão da sociedade por Lula entre “nós”, os que são a favor do povo, e “eles”, os adversários, definidos não por questões ideológicas, mas interesses eleitoreiros, levou o país a uma radicalização que desmente a fama do brasileiro cordial, conceito definido pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda no sentido de passional, mas deturpado popularmente por uma cortesia que cada vez mais é desmentida pela realidade da violência nossa de cada dia em todos os setores da sociedade, sem distinção de ricos e pobres, de quem é a favor ou contra o povo, como se fosse possível existir só pessoas boas de um lado e más do outro.

Desde as manifestações de 2013, o ano que, tal como definiu Zuenir Ventura o de 1968, não terminou, o país vive essa tensão latente que fez desabrochar uma direita extremista para se contrapor a uma esquerda radical. Sem Lula na disputa presidencial por determinação da Justiça, por ter sido condenado em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro, o seu oposto Bolsonaro, que cultiva a imagem de antiLula, aparece como a solução rápida dos problemas do país.

Míriam Leitão: Violência que atinge a todos

- O Globo

É preciso reduzir a radicalização e fazer o caminho de volta a uma disputa serena em que as ideias e os rumos do país estejam no centro das discussões

O Brasil viveu ontem o dia mais difícil da eleição mais tensa desde a redemocratização, com o ataque ao candidato do PSL, Jair Bolsonaro. A reação da maioria dos outros candidatos e grupos políticos repudiando o crime é um sinal de que o país pode estar começando a procurar um outro tom. O atentado a qualquer candidato que esteja legitimamente na disputa é uma ameaça à própria democracia.

Nesta campanha, houve tiros à caravana do ex-presidente Lula, no Paraná, e houve agora esse gravíssimo fato que foi o atentado contra a vida de Jair Bolsonaro. É preciso reduzir a radicalização no país e fazer o caminho de volta a uma disputa mais serena, em que as ideias e os rumos do país possam estar no centro das discussões.

O mercado financeiro teve a reação superficial de sempre. Avaliou que o atentado reduz as possibilidades de que a esquerda ganhe a eleição e por isso o dólar caiu, a bolsa subiu e o risco-país diminuiu. É particularmente irônico que se considere menor o risco depois de um atentado a um candidato que tem conseguido até agora atrair uma ampla parcela do eleitorado. Na verdade, a maneira como o país atravessará esse fato é que poderá dizer que grau de maturidade tem a democracia brasileira e que dará a dimensão real do risco Brasil, no sentido mais profundo da expressão.

Há muito tempo, o PT tem falado na suposta divisão do país entre nós e eles. De outro lado, o próprio Bolsonaro tem feito do enfrentamento a sua proposta de solução para os problemas brasileiros, usando inclusive o sinal de arma como parte do marketing eleitoral. Não se quer dizer com isso que sejam o PT ou o PSL os culpados. Só há um culpado, o autor do esfaqueamento. Mas é forçoso refletir sobre as causas desse momento de radicalização na política e torcer para que o próximo mês de campanha antes das eleições no primeiro turno se concentre nas discussões sobre propostas.

Hélio Schwartsman: Atentado inaceitável

- Folha de S. Paulo

Violência política contra qualquer candidato põe em risco todo o sistema

O atentado contra o candidato presidencial Jair Bolsonaro merece veemente repúdio —e sem nenhum tipo de ponderação adversativa ou reserva mental.

Há um paradoxo na democracia: ela funciona, ainda que tenhamos dificuldade em apontar com precisão o porquê. Sua efetividade aparece numa série de medidas empíricas, que englobam várias dimensões.

Com a exceção de alguns Estados petrolíferos, países democráticos tendem a ser mais ricos do que aqueles governados por autocratas ou relegados à anomia. Também encontramos correlações positivas entre o nível de democracia de uma sociedade e sua performance em saúde, educação e respeito aos direitos humanos. Nunca na história moderna duas democracias entraram em guerra uma contra a outra.

O espantoso é que, apesar de definirmos a democracia como o regime no qual os cidadãos escolhem periodicamente seus dirigentes, também acumulamos fartas evidências de que o voto é o ponto fraco do sistema. Eleitores costumam ser incoerentes, desinformados e impulsivos na hora de votar. Pior, não têm nem estrutura cognitiva nem disposição para fazer escolhas racionais.

A literatura tenta conciliar esses dois corpos de achados especulando que o sucesso das democracias se deve menos à forma de selecionar governantes e mais a outros elementos que vêm embutidos no pacote democrático, como a segurança jurídica, a consolidação de um núcleo forte de liberdades individuais e, principalmente, a realização de eleições livres e periódicas, porque elas canalizam os conflitos políticos presentes em qualquer sociedade para uma forma pacífica de disputa.

A violência política contra qualquer candidato põe assim em risco todo o sistema e deve ser rejeitada. É positivo que as condenações tenham vindo de todos os lados do espectro ideológico e tenham se dado em termos menos ambíguos do que os registrados quando a caravana de Lula foi atacada no início do ano.

Bruno Boghossian: À beira do precipício

- Folha de S. Paulo

Ataque a Bolsonaro abre dois caminhos: uma barreira de contenção e um precipício

O processo democrático rola ladeira abaixo com o atentado a Jair Bolsonaro (PSL). O ataque a faca ao candidato cristaliza o ambiente radicalizado que domina o país e confere traços primitivos à disputa política. Há dois caminhos no fim dessa descida: uma barreira de contenção e um precipício.

O acirramento do debate eleitoral produziu um estado de anomalia em que um cidadão julgou ser legítima a tentativa de eliminar com violência um adversário. A polarização política, nutrida por anos, abriu espaço para a convicção absurda de que a força poderia ser usada para calar alguém que pensa diferente.

Pouco importa agora se Bolsonaro tem posições radicais ou se é intolerante; ou se o autor do atentado tem problemas psicológicos. A arena política saiu do controle. Cabe aos protagonistas dessa cena a tarefa de domar o monstro —ainda que nenhum deles queira ou deva assumir sozinho sua paternidade.

Se o ataque não servir para que os líderes percebam que a radicalização precisa ser contida, e não alimentada em troca de benefícios eleitorais, desceremos os últimos metros rumo à barbárie absoluta.

Dilma Rousseff, que viu de perto a ebulição desse processo, resolveu mergulhar no abismo: “O ódio, quando se planta, você colhe tempestade”. Sem um repúdio veemente, a ex-presidente se absteve de participar de um debate político razoável.

Bernardo Mello Franco: Uma eleição fora dos trilhos

- O Globo

Os presidenciáveis suspenderam a campanha após o atentado contra Bolsonaro. É um bom momento para todos pensarem no que podem fazer para esfriar os ânimos

O ataque a Jair Bolsonaro é o episódio mais lamentável de uma eleição que saiu dos trilhos. A violência ronda a campanha desde março, quando dois tiros atingiram a caravana do ex-presidente Lula no Paraná. Ontem o candidato que lidera as pesquisas foi vítima de uma facada em Juiz de Fora.

O atentado contra Bolsonaro é inaceitável. Numa democracia, as divergências devem ser resolvidas no debate de ideias e no voto. O discurso radical do deputado não justifica o uso da força contra ele.

A facada pode mudar os rumos da eleição. Com o impedimento de Lula, Bolsonaro virou líder da corrida presidencial. No entanto, pesquisas telefônicas que circulam nas campanhas indicavam que ele começava a cair. O desgaste era atribuído ao intenso bombardeio na propaganda de Geraldo Alckmin.

Agora os comerciais que criticavam o capitão serão retirados do ar. A comoção com o ataque também deve ter consequências eleitorais. Elas serão medidas na próxima rodada de pesquisas, que Ibope e Datafolha vão divulgar depois do feriadão.

Em março, Alckmin desdenhou do atentado contra a caravana lulista e disse que os petistas estariam “colhendo o que plantaram”. Bolsonaro sugeriu, sem provas, que o ataque a tiros teria sido armado.

Luiz Carlos Azedo: A democracia esfaqueada

- Correio Braziliense

“A radicalização e o ódio semeados até agora na disputa eleitoral são o caldo de cultura para que o pior possa acontecer”

Campanhas de massas têm o condão de despertar a paixão dos eleitores, agora numa escala inédita, por causa da tevê, do rádio e das redes sociais. Quando a retórica dos candidatos se radicaliza, mais cedo ou mais tarde, isso se traduz em ações violentas, que atentam contra as regras do jogo democrático. Foi o que aconteceu ontem em Juiz de Fora (MG) com o candidato do PSL, Jair Bolsonaro, que foi esfaqueado na barriga durante uma caminhada no centro da cidade.

Adélio Bispo de Oliveira, de 40 anos, confessou o crime, segundo a PM. Natural de Montes Claros, no Norte de Minas Gerais, foi preso em flagrante e disse à polícia que atacou Bolsonaro “a mando de Deus”, por ter divergências de ideias e pensamentos com ele. A Polícia Federal investiga o criminoso, que já foi filiado ao PSol entre 2007 e 2014. O partido repudiou o atentado, assim como todos os candidatos a presidente da República e as autoridades do país, entre as quais o presidente Michel Temer e a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Rosa Weber.

Segundo a PF e a PM, havia agentes de segurança no momento do episódio, mas a situação ficou fora de controle: Bolsonaro estava sobre os ombros de um correligionário e buscava contato direto com seus eleitores. A primeira reação ao episódio nas redes sociais foi muito ruim: mais radicalização de partidários e adversários de Bolsonaro. Dizia-se que o atentado foi obra da esquerda, de um lado, e que tudo não passava de uma encenação da direita, de outro. As primeiras versões eram todas para pôr mais lenha na fogueira da radicalização.

Bolsonaro foi ferido gravemente, sendo obrigado a sofrer uma colostomia, procedimento que conecta o intestino delgado para uma bolsa fora do corpo, evitando que as fezes passem pelo intestino grosso e possam causar uma infecção no local onde os médicos suturaram a perfuração. A perfuração provocou múltiplas lesões internas, sua recuperação será lenta, mesmo que tudo corra bem com a cirurgia. O episódio vai prejudicar a campanha dele do ponto de vista físico, mas, eleitoralmente, ainda é uma grande incógnita.

Com a saída de Lula da disputa eleitoral, Bolsonaro subiu mais dois pontos. As próximas pesquisas dirão qual será a repercussão do episódio. Na pesquisa do Ibope divulgada na quarta-feira, estava com 22% de intenções votos, contra Marina (Rede) e Ciro (PDT), com 12%; Alckmin, com 9%; e Haddad, com 6%, para citar os que disputam uma vaga no segundo turno. O episódio teve ampla repercussão internacional e acirrou o clima eleitoral, da pior maneira possível. Apesar dos apelos dos demais candidatos e das autoridades, ninguém garante que o clima de radicalização venha a se distender. O “nós contra eles” é recíproco, até porque isso beneficia os interessados na radicalização.

A não aceitação do outro como alternativa de poder é o sentimento que alimenta a radicalização, queiramos ou não. Em circunstâncias normais, faz parte da disputa pelo poder; num ambiente que degenera em violência e atentados à vida, passa a ser uma ameaça ao processo democrático. A regra de ouro da eleição é “quem ganhar, leva”. Não existe outra opção que não seja a aceitação da alternância de poder e o respeito à decisão popular, qualquer que seja. A radicalização e o ódio semeados até agora na disputa eleitoral são o caldo de cultura para que o pior possa acontecer.

Efeito imprevisível
O líder socialista francês Jean Jaurès era um pacifista, apostava na diplomacia para evitar a Primeira Guerra Mundial. Acabou assassinado em um café de Paris, em 31 de julho de 1914, por Raoul Villain, um jovem nacionalista francês que desejava a guerra com a Alemanha. Era uma das vozes que tentavam circunscrever o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austríaco, e sua esposa em 28 de junho de 1914, ao conflito entre a Sérvia e a Áustria. O arquiduque e sua esposa foram mortos a tiros em Sarajevo, capital da Bósnia, por um estudante nacionalista sérvio.

Ricardo Noblat: Eleição do fim do mundo

- Blog do Noblat | Veja

Boa sorte, Bolsonaro!

O que todos afirmavam ser uma eleição imprevisível, a próxima para presidente da República, começava pelo menos a ganhar contornos com a mais recente pesquisa de intenção de voto aplicada pelo Ibope e divulgada na última quarta-feira.

Os contornos foram apagados pelo atentado contra a vida do deputado Jair Bolsonaro (PSL), esfaqueado em Juiz de Fora, Minas Gerais, ali operado e recolhido ao leito de um hospital. A eleição virou uma mancha indecifrável, por ora.

No país onde um presidente eleito (Tancredo Neves) começa a morrer na véspera de tomar posse, e depois escala a rampa do Palácio do Planalto dentro de um caixão, tudo pode acontecer, inclusive nada. Foi reaberta a temporada de puro “achismo”.

O general, vice de Bolsonaro, acha – ou melhor: diz ter certeza – que o atentado foi cometido por um filiado do PT a serviço dos que pretendiam barrar o que estava escrito nas estrelas. Bolsonaristas de raiz compartilham a mesma opinião nas redes sociais.

João Doria, que desertou do cargo de prefeito de São Paulo para se candidatar ao governo, acha que o atentado garantiu a Bolsonaro um lugar no segundo turno. Sob o anonimato, políticos de vários partidos acham que Bolsonaro poderá ser eleito no primeiro turno.

É cedo para que se possa afirmar qualquer coisa. Bolsonaro lidera as pesquisas de intenção de voto sem Lula. No momento, estava empenhado em manter sua tropa unida. A ser bem-sucedido, já teria lugar assegurado no segundo turno com ou sem atentado.

O atentado deverá dar coesão às suas forças. Ele é o único candidato dispensado daqui para frente a expor-se aos riscos de 30 dias de campanha. Os boletins médicos e suas falas de leito serão suficientes para que siga sob a luz benigna dos holofotes.

Qual dos seus adversários ousará atacá-lo no rádio, na televisão ou em qualquer parte? Se o eleitor é refratário à pancadaria entre candidatos a um mesmo posto, tanto mais será quando o alvo de críticas escapou da morte, mas não tem condições de se defender.

Do ponto de vista estritamente político, nem por encomenda um ato bárbaro beneficiaria mais Bolsonaro como o atentado de ontem – camisa verde e amarela às vésperas do dia 7 de Setembro, multidão a carregá-lo pelas ruas, celulares a registrarem tudo.

Quem ainda não foi contaminado pelo discurso raivoso do “nós contra eles” nem pela ideia de que bala (ou faca) resolve problemas, só pode desejar que Bolsonaro se recupere logo, para o seu próprio bem, de sua família, dos seus amigos e admiradores.

Dora Kramer: De pernas longas

- Revista Veja

Uma vez consentida, a mentira é obra difícil de demolir

O problema da mentira não é tanto o mentiroso, pois a ele cabe apenas sustentar a invencionice adicionando ponto sobre ponto ao próprio conto conforme a conveniência. Mais complicada é a situação de quem trata com condescendência a mentira na ingênua fé de que a verdade é submissa ao poder soberano dos fatos. Nem sempre.

Disso vem dando notícia o PT desde que assumiu a Presidência qualificando de “herança maldita” o legado da estabilidade econômica, enquanto se preparava para aderir ao festim diabólico da roubalheira patrocinado havia décadas por seus novos companheiros de uma jornada cuja meta seria a formação de um consórcio de poder perpétuo.

De memória fraca, a maioria ignorou um fato: o ambiente estável foi uma conquista coletiva, decorrente da adesão do país a um plano que o governo sozinho não teria dado conta de executar. Inexperiente no exercício do cotejo entre palavras e atos de seus governantes, ficou indiferente às incongruências factuais, preferindo ser feita de boba pelo falatório diário conversor de mentiras pela via da repetição.

Assim, sob consentimento quase geral, operou Lula durante anos, antes e depois do poder. Daí não é de surpreender a capacidade do PT de não apenas se adaptar às vicissitudes como tirar bom proveito delas. A mentira é obra que se constrói com muita facilidade. Difícil de destruir, entre outros motivos porque tem como alicerce a desonestidade. O trapaceiro não tem compromisso com a regra; já larga no lucro quando é aceito no jogo, e na dianteira fica em relação aos demais que atuam dentro de restrições legais, morais, educacionais, sociais e/ou institucionais.

Eis a razão pela qual Lula e o PT permanecem no centro da cena política apesar de todos os pesares: falta de escrúpulos. Contra o desrespeito deslavado às leis, a afronta a decisões judiciais e a ausência total de espírito público pouco há que fazer além de aguardar que o tempo dê seu jeito. São tão emaranhados e erráticos os caminhos do fingidor que uma hora termina prisioneiro do próprio labirinto.

Lula e o PT montaram esse tipo de armadilha e seguem na direção dela. Mas como, se fazem o maior sucesso? Digo como: apostando tudo na sobrevivência da fama de uma pessoa e confessando, assim, que o partido só tem um ativo; com isso deixando de investir nas eleições estaduais e parlamentares, o que equivale ao enfraquecimento da legenda e consequente perda de importância no jogo político.

O petismo já largou a ponta da toalha, pois só quem se dá por perdido admite correr tantos riscos. Quais sejam, os de perder espaço no horário eleitoral, ficar reduzido a representação irrisória no Congresso, transformar a preferência nas pesquisas numa montanha de votos nulos por insistência em candidatura nula de origem, passar à história como campeão de derrotas na Justiça e, o risco maior de todos, ganhar a eleição sem ter como cumprir a promessa de fazer “o Brasil feliz de novo”.

Essa canoa já virou, e foi a benevolência geral para com os caprichos autorreferidos do PT o que a fez virar.

Violência gera violência
Facada, tiro, grito e pancada não servem à linguagem democrática

Que ambiente o desta eleição em que um candidato é esfaqueado em pleno ato de campanha. Não resta dúvida de quem são as vítimas no ataque sofrido por Bolsonaro em Juiz de Fora: o candidato, a civilidade, a sanidade, o embate democrático e o que mais de possa listar como consequência da opção à barbárie.

Ascânio Seleme: A intransigência vem desde a eleição de 2002

- O Globo

O atentado contra Jair Bolsonaro aprofundou ainda mais a crise de tolerância que dilacera o país

O atentado contra o candidato Jair Bolsonaro coroa a magnífica onda de intolerância que atravessa o país desde a campanha presidencial de 2002. Inúmeras vezes militantes de PT e PSDB trocaram sopapos em nome de seus candidatos. Uma militante arrancou a dentada um dedo da mão de adversária com quem batia boca num bar do Leblon, no Rio de Janeiro.

A partir daí a intolerância cresceu e passou à etapa de contágio durante o mensalão. O início foi parlamentar, a falta de razoabilidade tomou conta do Congresso durante a CPI dos Correios e do julgamento do escândalo no Supremo Tribunal Federal. Em seguida ganhou as ruas e contaminou o Brasil.

Nas manifestações de 2013 ela apareceu mascarada e atendia pelo nome de black blocs. Durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff e ao longo do julgamento, da condenação e da prisão do ex-presidente Lula ganhou o ar sombrio do dilúvio. Uma caravana petista com a presença do ex-presidente foi objeto de atentado ao ser atingida por bala numa estrada no Rio Grande do Sul.

As redes sociais fundaram guetos em que os manifestantes mais bem qualificados eram aqueles que mais virulência empregavam ao atacar seus “inimigos”. Amizades de anos foram desfeitas. Achava-se que o fundo do poço havia sido alcançado. Não fora, como se viu ontem, em Juiz de Fora.

José Casado: Na ponta da faca, novo rumo da campanha

- O Globo

Atentado em Minas contra o candidato do PSL, líder nas pesquisas, deverá ter efeitos eleitorais. Imprevisíveis.

O atentado de ontem é o tipo de evento com peso específico para mudar o rumo de uma campanha eleitoral. Até chegar ao centro de Juiz de Fora, Jair Bolsonaro estava isolado no topo da disputa presidencial. Já há algum tempo estacionara no patamar de 20%, mas conservava ampla vantagem sobre os outros candidatos. Seu potencial de votos equivalia, praticamente, à soma dos adversários Marina Silva e Ciro Gomes, empatados em segundo lugar.

Mais notável, porém, era a dimensão da sua rejeição, acima de 40% —ou seja, o dobro da preferência eleitoral que possuía nas pesquisas Ibope e Datafolha.

Até então, o problema do candidato Bolsonaro era com o voto feminino. Ele moldou sua imagem num discurso arcaico, rudimentar e percebido como hostil às mulheres, a maioria (52%) no eleitorado. Conseguiu assim, pelo lado avesso, cristalizar na campanha presidencial o debate sobre a desigualdade de gênero no país.

Quando isso ficou evidente, os adversários iniciaram uma ofensiva anti-Bolsonaro focada no eleitorado feminino. Ele começou a perder em média 300 mil votos por dia, conforme pesquisas diárias que abastecem o PSDB de Geraldo Alckmin, do PT de Lula e do MDB de Henrique Meirelles.

Paulo Celso Pereira: A hora da razão antes das eleições

- O Globo

Fica a pergunta: após o ataque, o eleitor vai mesmo apostar em mais radicalismo?

Desde o momento em que Adélio Bispo de Oliveira estocou o presidenciável Jair Bolsonaro nas ruas de Juiz de Fora, previsões sobre o impacto eleitoral do atentado começaram a pipocar. O “mercado”, sempre ele, aproveitou para especular em cima de palpites sobre o eventual fortalecimento da direita, da esquerda, do capitão reformado ou de seus opositores. Na roleta financeira, mais importante que o resultado final é acertar qual será o efeito manada dos demais apostadores.

O resultado prático do atentado é imprevisível, por envolver um sem-número de variáveis.

Como estará a saúde do presidenciável nos próximos dias e semanas? Bolsonaro voltará à campanha? Em quanto tempo? Estará nos debates? E sua postura será beligerante? Ou adotará um “Bolsonaro paz e amor”? E como seus adversários abordarão a situação do deputado? Voltarão a lembrar suas falas polêmicas?

Existe, no entanto, outra questão ainda mais importante: qual será a postura do eleitor brasileiro a partir de agora?

A beligerância política que dominou o país desde que “o gigante acordou” nos protestos de 2013, com a ascensão dos grupos radicais de black blocs, foi levada ao paroxismo no atentado de ontem. Nos cinco anos que separam os dois fatos, o país mudou radicalmente. Ocorreu a mais belicosa e disputada eleição presidencial desde 1989, seguida por um impeachment presidencial e pelo esfacelamento dos principais partidos por denúncias de corrupção. Lula foi preso, e três dos outros quatro ex-presidente vivos foram denunciados à Justiça. O atual presidente da República só não virou réu porque foi salvo pelo Congresso Nacional.

Pedro Dória: Eleitor, não odeie o adversário

- O Globo

No momento mais delicado desde a democratização encaramos uma eleição que será decidida pelo ódio

É tentador lembrar que Jair Bolsonaro é o candidato que ensina crianças a atirar, transforma um tripé de câmera em metralhadora, e fala de armas, de tiros, de violência. Mas foi Bolsonaro quem sofreu um atentado, ontem. É ele que foi arrancado da campanha eleitoral e passará as próximas semanas se recuperando, incapaz de andar pelas ruas carregado pelo povo, seu forte político. E, principalmente, ele não detém o monopólio da violência na política brasileira.

Há muitas formas de violência, nem todas tratam de armas. Os últimos debates entre Dilma Rousseff e Aécio Neves, na eleição de 2014, foram duros, agressivos, carregados de ódio. É ódio que se percebe nas ruas e nas redes. Ódio que parte do PT. E ódio que existe contra o PT.

A polarização que entorna em ódio interessa a quem ganha votos por ter um inimigo a bater. Gostamos de dizer que violência não tem parte na cultura política brasileira. Porém, um soldado sacou uma peixeira e partiu contra o primeiro presidente civil, Prudente de Moraes. Matou seu ministro da Guerra. O candidato a vice de Getúlio Vargas em 1930, João Pessoa, foi assassinado a tiros na campanha. Em 1954, o chefe da Segurança do próprio Getúlio disparou contra Carlos Lacerda, matando um major que o escoltava.

A violência está entre nós. Neste ano mesmo tiros foram disparados contra uma caravana de Lula. A vereadora carioca Marielle Franco foi assassinada e não há notícia de solução. Crimes sem solução passam uma mensagem clara: a violência está permitida. O discurso de quem transforma antagonista em inimigo incentiva esta mesma violência.

E cá estamos neste ponto ao qual chegamos. No momento mais delicado desde a democratização encaramos uma eleição que será decidida pelo ódio. Um ódio que se sustentou em cada um dos quatro anos desde então. Nada sugere que será diferente a partir de agora. Nada fora a esperança de que o eleitor vote num candidato que não vê as ideias dos outros como algo a calar para todo sempre. Você, eleitor. Não odeie o adversário. O Brasil talvez não aguente se continuar assim.

Presidenciáveis, FHC, Freire, Maia e OAB repudiam ataque contra Jair Bolsonaro

O Estado de S.Paulo /Valor Econômico

Após o candidato à Presidência da República do PSL nas eleições 2018, Jair Bolsonaro, ser esfaqueado durante ato de campanha em Juiz de Fora na tarde desta quinta-feira, 6, os demais presidenciáveis se manifestaram repudiando o ocorrido.

Bolsonaro já foi operado e estava a caminho do Centro de Terapia Intensiva (CTI) da Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora às 19h15. A informação de seu estado de saúde foi passada por uma fonte da campanha, segundo a qual o candidato reagiu bem ao procedimento e que deve ser recuperar sem grandes complicações. A Santa Casa não está divulgando detalhes de seu quadro. O candidato está sendo acompanhado pelo presidente nacional do PSL, Gustavo Bebiano, e integrantes do partido.

O candidato do PSDB à Presidência nas eleições 2018, Geraldo Alckmin, lamentou o ataque sofrido pelo concorrente.

"Política se faz com diálogo e convencimento, jamais com ódio. Qualquer ato de violência é deplorável. Esperamos que a investigação sobre o ataque ao deputado Jair Bolsonaro seja rápida, e a punição, exemplar. Esperamos que o candidato se recupere rapidamente", escreveu o tucano no Twitter.

O candidato a vice-presidente pelo PT, Fernando Haddad, classificou como "lastimável" e "absurdo" o ataque. Durante entrevista ao canal MyNews, no Youtube, e ao site Congresso em Foco, Haddad disse que as pessoas não podem entrar "em provocação" por causa do comportamento de Bolsonaro.

"Lastimável, absurdo. A gente não pode entrar em um discurso... a pessoa tem lá as suas idiossincrasias, seu temperamento, mas nós, democratas, temos que garantir um processo tranquilo e pacífico", disse Haddad. "Não se pode entrar em provocação de jeito nenhum, sob nenhum pretexto."

Em seu Twitter, Ciro Gomes (PDT) disse que se solidariza com seu opositor. "Exijo que as autoridades identifiquem e punam o ou os responsáveis por esta barbárie", disse.

Comentando a agressão, o candidato ao Planalto Guilherme Boulos (PSOL) também se manifestou pelo Twitter declarando que "violência não se justifica" e cobrou uma investigação sobre o fato.
Alvaro Dias (Podemos) repudiou o ataque e afirmou que "violência nunca deve ser estimulada".

O presidente Michel Temer classificou como lamentável o esfaqueamento de Jair Bolsonaro. O presidente disse também que o episódio demonstra a falta de tolerância da sociedade brasileira.

"Isso revela algo que nós devemos nos conscientizar porque é intolerável justamente a intolerância que tem havido na sociedade brasileira. [...] É intolerável em um Estado democrático de Direito que não haja a possibilidade de uma campanha tranquila, uma campanha em que as pessoas vão e apresentem seus projetos", afirmou Temer ao participar da cerimônia de lançamento de edital para ações para populações extrativistas da Amazônia.

O presidente afirmou que o episódio é "triste para a nossa democracia". "Mas que sirva de exemplo. O candidato Bolsonaro, se Deus quiser, passará bem. Esperamos que não haja nada mais grave", disse.

A candidata à Presidência Marina Silva (Rede) disse, em nota, que o ataque sofrido pelo presidenciável é "inadmissível" e precisa ser "investigado e punido com todo rigor."

"A violência contra o candidato Jair Bolsonaro é inadmissível e configura um duplo atentado: contra sua integridade física e contra a democracia", escreveu Marina. "Este atentado deve ser investigado e punido com todo rigor. A sociedade deve refutar energicamente qualquer uso da violência como manifestação política."

Atentado é reflexo de cenário em ebulição, dizem analistas

Pesquisadores ouvidos pelo ‘Estado’ afirmam que ataque deve alterar estratégias da campanha eleitoral na reta final das eleições 2018

Adriana Ferraz | O Estado de S.Paulo

O ataque sofrido pelo presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) na quinta-feira, 6, em Juiz de Fora (MG) é capaz de mudar os rumos da disputa eleitoral nas eleições 2018, já marcada pela imprevisibilidade, segundo especialistas ouvidos pelo Estado. Para eles, o episódio certamente deverá surtir impacto nas campanhas.

Conforme José Álvaro Moisés, cientista político da USP, o deputado deverá passar a ocupar, por motivos distintos, o mesmo posto de vítima do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso pela Lava Jato. “Esse fato lamentável pode transformá-lo na segunda vítima dessa campanha, confundindo ainda mais o eleitorado e resultando em um impacto no resultado da eleição. As chances dele podem aumentar”, afirmou o cientista político.

Moisés ressaltou que o grau de tensão observado no cenário político nacional se intensificou nos últimos meses e já gerou outros episódios de violência. Ele citou o assassinato da vereadora do Rio Marielle Franco (PSOL), há quase seis meses, e os tiros que atingiram um ônibus da caravana de Lula pelo Paraná, em março. “A reintrodução da violência na política não favorece a democracia, não permite que o clima seja de reorganização do País. Pelo contrário, gera mais confusão na população.”

Para Marco Antonio Teixeira, professor de ciência política da FGV-SP, o ataque deve fazer com que as campanhas reavaliem suas estratégias. “Isso deve ser veementemente repudiado. A hora é de serenidade e de se esperar os devidos esclarecimentos. Todos nós devemos refletir sobre esse lamentável episódio, e os candidatos devem cessar as agressões entre eles”, afirmou o analista.

Repercussão de ataque a Bolsonaro ainda é imprevisível, dizem especialistas

Candidato foi alvo de uma facada quando fazia campanha em Juiz de Fora

- Globo

RIO — O ataque sofrido pelo candidato à Presidência JairBolsonaro (PSL), na quinta-feira, pode ter repercussões imprevisíveis para as eleições, disseram especialistas em Ciência Política ouvidos pelo GLOBO. O atentado, em que um homem esfaqueou o deputado na cidade de Juiz de Fora (MG), mobilizou as redes sociais e provocou reações de diversos setores da política brasileira, de outros candidatos até membros do Judiciário, Legislativo e Executivo.

Confira abaixo as análises feitas pelos pesquisadores

• David Fleischer
• Cláudio Couto
• Carlos Melo
• Alberto Carlos Almeida
• Pablo Ortellado
• Marco Aurélio Nogueira
• Fernando Schüler
• Carlos Pereira

David Fleischer
O fato é que nunca tivemos um atentado assim no Brasil, o que causa grande repercussão internacional e piora ainda mais a imagem do país, já bem abalada com o incêndio recente do Museu Nacional. Por um sentido de simpatia, a aprovação dele deve subir e até sua rejeição deve ser reduzida. O problema é que agora deverá ficar fora de campanha. Sem a exposição nas ruas e em atos com apoiadores, ele pode se prejudicar, e uma saída poderia ser colocar na rua o seu candidato a vice, general Mourão.

*Professor de Ciência Política da UNB

Cláudio Couto
O efeito desse acontecimento vai depender de quem seja identificado como responsável pelo atentado em Juiz de Fora. Uma parcela do eleitorado enxerga uma martirização do candidato, outra pode argumentar que, como o deputado Jair Bolsonaro adota na sua campanha um discurso de enaltecimento da violência, todo esse discurso, calcado na apologia da violência, pode ter se revertido contra ele mesmo. As causas, claro, estão relacionadas ao processo de radicalização política.

*Professor de Gestão Pública da FGV

Carlos Melo
A gente vem numa escalada há tempos. Começou com o nós contra eles, depois os coxinhas versus mortadelas, tucanos contra petralhas, os tiros contra o ônibus da caravana de Lula e agora a facada em Bolsonaro. A martirização de candidato é evidente após esse episódio. Será suficiente para ele ganhar a eleição? Não sei. Em 2014, Eduardo Campos morreu num acidente aéreo e sua vice não venceu. Desta vez, acho que o fato causará menor comoção, porque não houve morte, e mais convulsão.

*Professor de Ciência Política no Insper

Alberto Carlos Almeida
Casos como o de Bolsonaro costumam ter um efeito de mídia muito forte. Nas primeiras horas que se sucederam ao atentado isso ficou claro mais uma vez. Lembro do caso em 2004 da eleição na Espanha, que sofreu uma reviravolta após o atentado nos trens que matou quase 200 pessoas. A eleição aconteceu três dias depois do ato terrorista, e o partido conservador, que era o favorito, perdeu para os socialistas. Essa reviravolta se confirmaria se a eleição fosse mais adiante? Não sabemos.

*Autor do livro ‘O voto do brasileiro’

Pablo Ortellado
Não creio que esse atentado possa servir para desconstruir o discurso pró-armas de Jair Bolsonaro, justamente porque, agora, ele está em posição de vítima e tem a oportunidade de revigorar sua campanha. O problema não é mais a polarização. É a violência política. Os outros candidatos (à Presidência) devem se manifestar e se solidarizar com Jair Bolsonaro em nome da pacificação. Uma coisa é uma eleição muito disputada. Outra coisa é uma eleição disputada no campo da violência.

*Professor de Gestão de Políticas Públicas da USP

Marco Aurélio Nogueira
Os outros candidatos à Presidência devem explorar esse fato como um alerta para que a sociedade não se comporte de maneira violenta, seja durante a campanha, seja na vida social. Isso é assustador. As coisas já estão ultrapassando o limite do razoável no campo do debate verbal. Quando atingem esse nível, devemos acender todos os alertas. A sociedade brasileira não merece que a disputa eleitoral descambe nesse tipo de violência.

*Doutor em ciência política pela USP

Fernando Schüler
A violência cria uma permissibilidade, e o grande risco desse episódio é ter uma escalada de violência na política. O efeito eleitoral, neste momento, é secundário. Foi positiva a reação dos candidatos. Especulações sobre vantagem ou desvantagem na eleição são precipitadas. O que aconteceu a Bolsonaro é consequência da tensão política e do discurso recíproco muito radicalizado. Ele não justifica nada, mas acaba criando clima que pode levar uma pessoa perturbada ao extremo radicalismo.

*Professor do Insper

Carlos Pereira
É ruim um candidato à Presidência sofrer um atentado. Para pensar na repercussão disso, precisamos saber como o candidato vai se posicionar. Uma possível opção é a de martirização. Já tínhamos um mártir na prisão, agora vamos ter um esfaqueado, então a disputa política ganha mais dramaticidade. Não sabemos como os eleitores vão reagir a isso. Se, antes, o Ibope sinalizava que ele perderia em praticamente todos os cenários no segundo turno, agora, pode mudar. É um choque na campanha.

*Cientista Político e professor da FGV

Clóvis Rossi: Brasil se afoga em um mar de bílis

- Folha de S. Paulo

Negociação e diálogo são os únicos meios para o país começar a sair do buraco em que caiu

Do jeito que vão as coisas, o Brasil vai acabar se afogando em um mar de bílis. O ataque a Jair Bolsonaro é a mais recente —e talvez a mais grave evidência— de que o ódio impregnou de tal maneira partes substanciais da sociedade que qualquer hipótese de conciliação se torna perto de impossível.

Não é porque Bolsonaro foi a vítima que deixa de ser também responsável por essa maré montante de ódio. Quem, como ele, sugere “metralhar” petistas está semeando a intolerância. Não estou dizendo que haja uma relação de causa e efeito entre a frase do candidato e o ataque a ele. Seria estúpido dizer que a culpa pelo atentado é da vítima.

Não é isso. O que existe é um ambiente de radicalização horroroso pelo qual todos os partidos são de alguma forma responsáveis.

Pode até ser que o criminoso não tenha sido movido pela política (o fato de ter sido militante do PSOL entre 2007 e 2014, não quer dizer que o partido é responsável).

Pode ter sido um ato insano, mas é óbvio que o ambiente de ódio de que o Brasil foi se impregnando mais e mais aplaina o caminho para insanidades.

Igor Gielow: Ato extremo lança incertezas sobre radicalização do ambiente eleitoral

- Folha de S. Paulo

Atentado inédito pode causar refluxo ou aumentar extremismo, criando incertezas na campanha

O atentado contra Jair Bolsonaro, ato inédito em campanhas presidenciais desde a redemocratização, insere um elemento de imprevisibilidade na já turbulenta disputa pelo Palácio do Planalto.

O presidenciável, se sobreviver às sequelas do grave ataque, tende a ser beneficiado politicamente pelo episódio. No mínimo, ficará difícil para seus adversários manterem o ritmo diário de críticas contra ele.

Mas há alguns fatores concorrendo contra a expansão dessa simpatia para além de sua base de apoio, hoje cristalizada nos cerca de 15% do eleitorado que declaram voto nele espontaneamente.

O primeiro diz respeito à autoria do ataque. O suspeito de ter esfaqueado o deputado foi filiado ao PSOL e, segundo relatos disponíveis, parece desequilibrado.

Alguma conta política cairá para o partido de Guilherme Boulos. Não que isso vá piorar ou melhorar seu desempenho de nanico, mas poderá alimentar o impacto mais importante: na radicalização já em curso no país.

A primeira reação dos bolsonaristas foi previsivelmente exacerbada, reforçada pela associação à esquerda do agressor. Membros da cúpula militar, reunidos em Brasília, avaliavam conversar com o núcleo familiar da campanha para pedir moderação.

O atentado é o zênite do processo de polarização extrema que toma conta do país desde os protestos de junho de 2013.

Vinicius Torres Freire: Bolsonaro e o clima de morte do país

- Folha de S. Paulo

Ataque homicida levanta a poeira tenebrosa de outros confrontos políticos

O homem acusado de esfaquear Jair Bolsonaro parece pessoa perturbada, dada a publicar delírios em redes sociais, entre outros sinais de desvario apontados por policiais que o prenderam.

É improvável a hipótese que relaciona o ataque homicida ao ódio político no país.

Ainda que não seja razoável derivar esta agressão ao clima de fúria, a estes tempos em que se nega direito à existência de adversários políticos, a violência contra Bolsonaro desde já realimentou a raiva.

Degradará ainda mais a imagem do país, ao nível da selvageria.

Vai mudar a eleição, a começar pela inviabilidade de campanhas baseadas em ataques a um candidato que foi ameaçado de morte, de fato.

Embora entenda-se que o calor da hora favoreça destemperos, há risco de o nível de agressão política subir de patamar.

Mesmo antes de haver notícias sobre o estado de saúde do candidato, liam-se nas redes sociais comentários de gente supostamente de esquerda: piadas sobre a facada, dúvidas sobre o ataque, acusações de vitimização eleitoreira ou até elogios da violência.

Na cúpula da campanha bolsonarista, houve chamados ao combate.

O presidente do PSL, Gustavo Bebbiano, assim reagiu: "Agora é guerra!", atitude parecida com a do vice de Bolsonaro, general da reserva Hamilton Mourão, que também acusou partido adversário pelo atentado.

Políticos precisam combater o clima de intolerância: Editorial | O Globo

Atentado a Bolsonaro tem de servir de marco para a descompressão da campanha

Apolítica brasileira tem um lado B de violência na sua história que não pode ressurgir. O atentado contra o candidato Jair Bolsonaro (PSL), em Juiz de Fora, esfaqueado quando era carregado nos ombros por correligionários, foi corretamente repudiado por todos os principais concorrentes na disputa pelo Palácio do Planalto.

Presidentes de poderes, Michel Temer, do Executivo; Eunício Oliveira, do Congresso e Senado; Rodrigo Maia, da Câmara; Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, também se pronunciaram. Justifica-se a reação, porque é inadmissível o risco da volta a um passado antidemocrático e de intolerância sistêmica.

Além de tudo, é inaceitável que isso ocorra quando o país se prepara para realizar a sua sétima eleição direta, depois de institucionalizada a redemocratização pela Constituição promulgada em 1988. São três décadas de estabilidade que precisam ser defendidas e incorporadas pela sociedade como patrimônio da nação.

Repúdio geral: Editorial | Folha de S. Paulo

Atentado contra Bolsonaro não tem acolhida num país que está comprometido com a democracia

Recebeu imediata e unânime condenação o atentado que, na tarde desta quinta-feira (6), atingiu Jair Bolsonaro, candidato do PSL à Presidência da República.

Do PSTU ao DEM, do PT ao MDB, lideranças de todos os matizes políticos sublinharam, com razão e com espanto, a brutalidade e a covardia de um ato que atinge, além de um cidadão, os fundamentos do convívio democrático no país.

Afortunadamente, foi instantânea a ação da polícia, retirando do local o agressor e identificando-o sem dificuldade. Pelas informações disponíveis até o momento, trata-se de um desequilibrado, sem conexões com qualquer organização extremista.

A circunstância de ter sido filiado ao PSOL, até o ano de 2014, não parece ser significativa. Nada seria mais catastrófico, para o campo ideológico a que o partido pertence, do que alimentar versões conspiratórias, envolvendo propostas de esquerda ou simpatias pela ação armada e pelo terrorismo.

No atual ambiente político nacional, em que crescem a irracionalidade, a intolerância e as fake news, é de desejar que o estúpido ataque a Bolsonaro não venha a fomentar, em especial entre seus entusiastas mais radicais, novas ondas de paranoia política.

Apesar dos componentes francamente assustadores de sua retórica, como a sua anunciada disposição de “fuzilar a petralhada”, o fato é que Bolsonaro e seus adeptos na prática conduzem a campanha presidencial sem incidentes conhecidos de violência física.

O perigo da anomia: Editorial | O Estado de S. Paulo

O respeito às leis livremente pactuadas pelo conjunto da sociedade é o sustentáculo da democracia. A expressão máxima desse acordo é a Constituição, que explicita as bases sobre as quais se regula o espaço público, local da construção de consensos. Esse formidável empreendimento político requer o exercício da autoridade, sobre cujos ombros repousa a tarefa de fazer escolhas e tomar decisões entre os muitos pontos de vista e as muitas reivindicações que são característicos de uma sociedade democrática e, portanto, plural. Em nenhum momento, as decisões dessa autoridade podem ofender aquele pacto legal, pois tal comportamento seria equivalente a uma ruptura da trama constitucional que mantém coesa a sociedade. O resultado, de todo indesejável, é a anomia – situação caótica na qual ninguém se sente obrigado a se submeter a uma ordem legal que não vale para todos. E a anomia, é bom lembrar, pode nos jogar a todos de volta ao estado de natureza, no qual prevalecem a força e a selvageria.

Assim, é mais do que compreensível a inquietação em torno do desfecho jurídico do caso envolvendo a candidatura do senhor Lula da Silva à Presidência da República. Uma eventual decisão dos tribunais superiores que nos próximos dias favoreça o pleito do petista, cuja pretensão é concorrer ao cargo máximo do Executivo nacional mesmo sendo um corrupto condenado pela Justiça, representaria uma adulteração gritante da ordem legal, em várias dimensões. Se o senhor Lula da Silva for dispensado de cumprir a lei por instituições cuja função é justamente zelar pela Constituição, então esta perderá seu valor como liame democrático.

Onde o Brasil aprendeu a Liberdade - Martinho da Vila

Cecília Meireles: Romanceiro da Inconfidência

(Trecho)

Não posso mover meus passos
Por esse atroz labirinto
De esquecimento e cegueira
Em que amores e ódios vão:
- pois sinto bater os sinos,
percebo o roçar das rezas,
vejo o arrepio da morte,
à voz da condenação;
- avisto a negra masmorra
e a sombra do carcereiro
que transita sobre angústias,
com chaves no coração;
- descubro as altas madeiras
do excessivo cadafalso
e, por muros e janelas,
o pasmo da multidão.

Batem patas de cavalos.
Suam soldados imóveis.
Na frente dos oratórios,
que vale mais a oração?
Vale a voz do Brigadeiro
sobre o povo e sobre a tropa,
louvando a augusta Rainha,
– já louca e fora do trono –
na sua Proclamação.

Ó meio-dia confuso,
ó vinte-e-um de abril sinistro,
que intrigas de ouro e de sonho
houve em tua formação?
Quem condena, julga e pune?
Quem é culpado e inocente?
Na mesma cova do tempo
Cai o castigo e o perdão.
Morre a tinta das sentenças
e o sangue dos enforcados …
- liras, espadas e cruzes
pura cinza agora são.
Na mesma cova, as palavras,
e o secreto pensamento,
as coroas e os machados,
mentiras e verdade estão.

Aqui, além, pelo mundo,
ossos, nomes, letras, poeira…
Onde, os rostos? onde, as almas?
Nem os herdeiros recordam
rastro nenhum pelo chão.

Ó grandes muros sem eco,
presídios de sal e treva
onde os homens padeceram
sua vasta solidão…

Não choraremos o que houve,
nem os que chorar queremos:
contra rocas de ignorância
rebenta nossa aflição.

Choraremos esse mistério,
esse esquema sobre-humano,
a força, o jogo, o acidente
da indizível conjunção
que ordena vidas e mundos
em polos inexoráveis
de ruína e de exaltação.

Ó silenciosas vertentes
por onde se precipitam
inexplicáveis torrentes,
por eterna escuridão!