quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Opinião do dia: Luiz Werneck Vianna

IHU On-Line – Qual é a sua avaliação geral do resultado das eleições? Que reflexões o senhor tem feito a partir do resultado das eleições?

Luiz Werneck Vianna – Eu não seria verdadeiro se dissesse que não senti surpresa com determinados resultados. O resultado de Minas Gerais me surpreendeu. No Rio de Janeiro, igualmente. Em São Paulo as coisas se comportaram de forma previsível, assim como no Nordeste. Agora, a onda Bolsonaro que tomou conta do país surpreendeu a mim e penso que surpreendeu a todos. Foi um processo que foi se maturando embaixo da rejeição ao PT, que não soube compreender a sua situação e radicalizou seu posicionamento num momento em que tinha de procurar forças que pudessem estabilizar a sua votação. Foi perdendo o Centro, o que não fez nas eleições anteriores, inclusive na de Dilma, quando a escolha do vice-presidente foi um candidato classicamente do Centro, Michel Temer. Aos poucos, a própria administração do segundo governo Dilma foi se distanciando, dramaticamente eu diria, do Centro político. Ora, este país vem comprovando há décadas que o Centro político é o capital para a estabilidade e a governabilidade no país. O abandono do Centro e mais o avanço que procuradores e juízes exerceram sobre o sistema político feriram preferencialmente as forças que tradicionalmente ocupavam o Centro político. Isso tudo tornou viável essa onda, esse tsunami que invadiu o país.

No Rio de Janeiro, o candidato que está na frente nas pesquisas e que chegou ao segundo turno em posição favorecida não tem registro político na história do país. O que se sabe é que ele foi um fuzileiro naval que abandonou a carreira, depois um juiz concursado, que também abandonou a corporação e que ingressou, por uma inspiração do destino, numa trajetória para a qual não parecia minimamente preparado, mas está aí, liderando as pesquisas e parece que tem possibilidade de vencer. A política tradicional do Rio de Janeiro foi arrasada; está na cadeia. Aliás, o grande nome do PT está na cadeia.

Um elemento de erro, de equívoco e de falta de interpretação lúcida do país propiciou isso. Agora todos choram o leite derramado. Corre-se atrás da recuperação do Centro político, mas o Centro político não é ioiô. O Centro foi o grande responsável pela modernização burguesa do país. Como se explica o governo Juscelino sem o Centro político, a construção de Brasília, o programa de metas, sem o Centro político? Para ir um pouco mais longe, o desentendimento a respeito da nossa trajetória, da nossa história, dos nossos valores, chegou a um ponto agônico. Ninguém mais pode reconhecer na nossa história êxitos e sucessos. Quando se falava em República, era para denegri-la; quando se falava do processo da abolição, que foi uma luta democrática muito vigorosa, era para denegri-la; quando se falava da imposição étnica do país, o que é um verdadeiro milagre a convivência entre diferentes, como tem ocorrido e tem se aprofundado entre nós, isso não encontrava defensores. Gilberto Freyre foi enterrado para não ser mais ouvido; suas lições foram jogadas no porão da história.

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Luiz Werneck Vianna, sociólogo, PUC-Rio. Entrevista: ‘Depois do “teatro de sombras”, Brasil precisará se reinventar e sair do caminho da prancheta.’, Blog Democracia Política e novo Reformismo, 23/10/2018.

William Waack: Discurso para governar

- O Estado de S.Paulo

Alguns gestos de Bolsonaro demonstram a diferença entre retórica e realidade

Tem um discurso para ganhar eleição e tem um discurso para governar. Dizem que a frase é de Tancredo Neves.

Diante de uma eleição que as pesquisas de intenção de voto apontam como decidida já desde o primeiro turno, resta saber que outro discurso Jair Bolsonaro está disposto a empregar. O de ganhar a eleição deu certo.

Talvez alguns gestos de quem – se as pesquisas estão certas – vai ser o novo presidente brasileiro permitam vislumbrar que ele sabe a diferença entre realidade e retórica. A intenção por ele manifestada de preservar alguns quadros da atual equipe econômica, por exemplo. Faz supor que reconhece a existência de funcionários públicos que servem ao Estado e não ao governo da vez.

Ou a articulação de um apoio amplo para eleger um presidente da Camara dos Deputados saído não necessariamente das hostes do chefe do executivo, o que sugere o alguma ideia de que o Legislativo precisa de independência e não de controle pelo Planalto.

Tome-se também a manifestada disposição de rever a pretendida fusão do Meio Ambiente com Agricultura — aliás, o moderno setor agropecuário brasileiro compete internacionalmente dentro de reconhecidos padrões de sustentabilidade. Ou a de voltar atrás no anúncio de subordinar o Ministério da Indústria e Comércio à super pasta da Fazenda – países modernos e avançados separam finanças e economia.

Zeina Latif*: A palavra do presidente

- O Estado de S.Paulo

Seria equivocado tratar a independência ou autonomia do BC como prioritária

O governo Temer, mesmo impopular, teve muitos méritos. Um deles foi o de montar um time técnico com profissionais de grande qualidade, do setor privado e do setor público, não só na área econômica, mas também em alguns ministérios e na Casa Civil. Um bom casamento entre ministros políticos e assessores técnicos.

Atrair talentos requer duas condições principais: o compromisso do presidente com uma agenda consistente e a autonomia dos técnicos na tomada de decisão. Ainda que a palavra final seja do presidente, as recomendações técnicas precisam ser minimamente atendidas.

O mesmo vale para montar um time competente no Banco Central, mas com uma condição adicional: a plena autonomia para cumprir a meta de inflação, sem pressão do governo para reduzir a taxa de juros e estimular artificialmente a economia.

O Banco Central do Brasil não tem autonomia prevista em lei, o que envolveria, por exemplo, dirigentes com mandatos fixos e não coincidentes com o mandato presidencial. Na prática, no entanto, o BC tem gozado de autonomia em suas decisões. Mesmo na gestão Dilma, a possível pressão para o Comitê de Política Monetária (Copom) cortar a taxa de juros não impediu a alta da Selic para 14,25% ao ano. O risco no Brasil tem sido mais de o presidente indicar um colegiado menos zeloso no controle da inflação, do que de pressioná-lo.

* José Serra: Aditivos fatais

- O Estado de S.Paulo

Eles são usados pela indústria do tabaco para mascarar os efeitos da nicotina

O tabagismo mata cerca de 6 milhões de pessoas por ano e custa quase meio trilhão de dólares à economia mundial. Por sorte no Brasil, a partir do governo Fernando Henrique, foram implantadas políticas públicas eficazes para derrubar o consumo de tabaco. Os resultados sobressaem no cenário internacional: o porcentual de fumantes na população adulta caiu de 35% em 1989 para algo em torno de 10% atualmente.

Não obstante os resultados positivos, a iniciação dos jovens brasileiros no tabagismo ainda é preocupante. Isso reforça a importância de mantermos ativa a agenda contra o cigarro, agora proibindo o uso de aditivos destinados a tornar o hábito de fumar mais cativante para os adolescentes.

É preciso difundir a ideia de que o cigarro é um dos maiores fatores de perda de qualidade de vida das pessoas. Muitos avaliam que o hábito de fumar afeta só o sistema respiratório - o tabagismo está por trás de 90% dos casos de câncer de pulmão -, mas seus males vão além: há mais de 50 doenças associadas ao fumo, sendo o interior da boca uma das áreas mais atingidas.

Celso Ming: Voto e vísceras

- O Estado de S.Paulo

Eleitor continua pouco ligado ao conteúdo das propostas e dos programas de governo e falta debate consistente

Também desta vez, conquistará o voto do eleitor aquele que conseguir trabalhar principalmente as emoções. A lógica e a racionalidade continuam sendo instrumentos indispensáveis de convencimento, mas não são o principal, pelo qual o eleitor fará sua opção. As pessoas votam guiadas pelas vísceras e não pela mente.

Esta é a principal razão pela qual o eleitor continua pouco ligado ao conteúdo das propostas e dos programas de governo. Os próprios candidatos pouco se dão ao trabalho de elaborar e de debater propostas consistentes.

A do candidato Jair Bolsonaro (O Caminho da Prosperidade) é um amontoado de frases dispostas em arquivos de PowerPoint, que não aprofunda o que sugerem. Sobre a reforma da Previdência Social, por exemplo, há lá uma afirmação de que a solução consistirá em abandono do atual sistema de repartição, em que o trabalhador da ativa ajuda a pagar a aposentadoria de quem já se retirou do mercado, e pela adoção do sistema de capitalização, por meio do qual o trabalhador da ativa mais seu empregador contribuirão para uma conta de investimento do próprio trabalhador. Sua aposentadoria será baseada no saldo que estiver depositado em sua conta. Mas os grandes problemas desse sistema são ignorados. O programa não diz quem pagará as aposentadorias dos já retirados, uma conta que hoje ultrapassa os R$ 500 bilhões por ano.

O programa do PT já sofreu três ou quatro maquiagens e também continua vago e pouco convincente. Para evitar medidas impopulares, rejeita tanto a reforma da Previdência quanto a política de austeridade (teto dos gastos), inevitável diante da necessidade de conter o rombo fiscal. Afirma que tudo será naturalmente resolvido quando o crescimento econômico voltar. Mas ninguém fica sabendo como será reativado o crescimento econômico. Enfim, o programa do PT continua ruim.

Como nenhum dos dois candidatos à Presidência delineou o que pretende em matérias de políticas públicas, não há, também, como saber quais, afinal, serão as escolhas e até que ponto confiar na sua eficácia.

Merval Pereira: Tiros no pé

- O Globo

Não faz sentido para um político que busca a Presidência da República pelo voto direto defender a ditadura

Essa eleição é tão atípica que os disputantes do segundo turno, além de terem índices de rejeição semelhantemente altos, vivem às voltas com problemas que seus próprios aliados ou seguidores criam.

São campanhas desorganizadas, a do PT pela fragilidade das posições que foram mudando ao longo da campanha de maneira patética, até fazer desaparecer por completo a cara do ex-presidente Lula. A de Bolsonaro, por soberba, pois já se consideram dentro do Palácio do Planalto.

Os candidatos têm que se haver também com seus passados políticos, Haddad não exatamente com o seu, que é escasso, mas com o do PT. Aceitando o papel de poste de Lula, levou consigo toda a rejeição ao próprio Lula e ao PT, e não tem luz própria para compensar essas perdas.

Já Bolsonaro está sempre às voltas com suas declarações, passadas e presentes. Impossível esquecer que ele se declarou a favor da tortura, que elogiou o torturador Brilhante Ulstra, que disse que não estupraria a deputada Maria do Rosário porque ela não merecia.

Não faz sentido para um político que busca a presidência da República pelo voto direto defender a ditadura militar. Assim como o PT teria que fazer o mea culpa para tentar se recolocar no cenário político, livrando-se dos erros do passado, também Bolsonaro deveria ter formalmente renegado suas palavras, para ganhar governabilidade e uma imagem externa não tão degradante quanto a que os grandes meios de comunicação internacionais divulgam.

Míriam Leitão: O kit oferecido por Bolsonaro

- O Globo

Cada grupo de eleitores projeta em Bolsonaro a solução para o seu problema, ainda que ele não esteja oferecendo uma proposta que indique a solução

Os eleitores de Jair Bolsonaro foram atraídos por uma das várias promessas que estão incluídas em seu apelo eleitoral. Mas cada um fez sua escolha no kit que o candidato do PSL ofereceu. Alguns acreditam que ele tem uma solução milagrosa contra a violência, como um dia houve quem apostasse que Collor mataria a inflação com um tiro. Outros acham que o conservadorismo dos costumes vai prevalecer. Há os que votam nele porque os pastores mandaram. Muitos votam com raiva da crise econômica e do desemprego. Uma grande parte dos eleitores está com ele por ser antipetista. Alguns imaginam que ele acabará com a corrupção.

Todo candidato que chega tão confortável à reta final da campanha é porque conseguiu se vender bem como produto eleitoral. Pela soma de seus acertos e dos erros dos adversários. Mas cada grupo de eleitores projeta em Bolsonaro a solução para o seu problema, ainda que ele não esteja oferecendo uma proposta concatenada que indique saber o caminho para aquele drama. A violência, por exemplo, é assunto complexo que não será resolvido com liberação de posse e porte de armas, nem com redução da maioridade penal. Ele não deu qualquer resposta para quem quer de fato saber como vai enfrentar e vencer o poder das facções criminosas, do tráfico, das milícias, da falta de integração entre as polícias, dos presídios. Para nada disso houve respostas nas entrevistas, no programa ou na mídia social. Mas, o sinal dos dedos do candidato simulando uma arma passou a ideia de que ele dará “um tiro” e tudo estará resolvido.

Bernardo Mello Franco: Mano Brown pôs o dedo na ferida do PT

- O Globo

Em ato pró-Haddad, o líder dos Racionais disse que o petismo ‘deixou de entender o povão’. O rapper cresceu no Capão Redondo, que já abandonou a sigla na eleição de 2016

Num palanque com Chico e Caetano, o centro das atenções foi Mano Brown. O rapper fez o discurso mais forte do ato dos artistas com Fernando Haddad. A fala surpreendeu o candidato e a plateia, que encheu a Lapa na noite de terça-feira.

O líder dos Racionais começou reclamando do clima de festa. “Não tá tendo motivo pra comemorar”, disse. Na contramão dos petistas que prometiam uma “virada”, ele admitiu que não acreditava em vitória no domingo. “Não estou pessimista. Sou realista”, justificou.

Brown criticou quem estigmatiza os eleitores de Jair Bolsonaro, que recebeu 46 milhões de votos no primeiro turno. “Não consigo acreditar que pessoas que me tratavam com tanto carinho se transformaram em monstros”, disse. Ele também detonou a comunicação da campanha do PT. “Se não tá conseguindo falar a língua do povo, vai perder mesmo”, sentenciou.

A militância começou a vaiar, mas o rapper não se intimidou. “Não vim aqui pra ganhar voto, porque eu acho que já tá decidido”, disse. Enquanto os políticos tentavam disfarçar o constrangimento, ele concluiu: “Deixou de entender o povão, já era. Se nós somos o Partido dos Trabalhadores, o partido do povo tem que entender o que o povo quer. Se não sabe, volta pra base e procura saber”.

Carlos Alberto Sardenberg: Quem paga a conta?

- O Globo

Pretendentes a governador acham que vão empurrar tudo para os credores, em especial o governo federal

Quando se verifica a situação das contas estaduais, é o caso de perguntar: por que tantos políticos disputam o cargo de governador com tanto empenho? O diagnóstico é simples: há pelo menos cinco anos, a despesa com pessoal (ativos e inativos) cresce acima das receitas; há mais tempo ainda, os governos estaduais foram irresponsavelmente estimulados pelo governo federal a tomar empréstimos para tocar obras caras e que não dão retorno, como os estádios da Copa; vários estados estão simplesmente dando o cano nos clientes e nos seus credores. A coisa chega ao ridículo: o governo de Minas foi processado para devolver à Toyota uns 500 carros que havia comprado e não pagou. Quer dizer, estava na pior e ainda saiu comprando carros novos.

A situação é mais dramática em Minas, Rio e Rio Grande do Sul, mas nada menos que 16 estados estão gastando com a folha um valor acima dos limites de prudência definidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Numa situação assim —despesas crescendo acima das receitas, com endividamento já elevado —não tem outra saída: aumentar impostos, cortar gastos e renegociar dívidas.

E o cara quer se eleger para isso? — pergunta o leitor de bom senso.

Mas bom senso não é exatamente a coisa mais bem distribuída entre políticos. No caso, os pretendentes a governador acham que não vão pagar as contas. Acham que vão empurrar tudo para os credores, em especial o governo federal.

Ascânio Seleme: Exemplo para o Brasil

- O Globo

A tentativa de explodir bombas nas casas dos ex-presidentes Bill Clinton e Barack Obama e na sede da rede de TV de notícias CNN é um bom exemplo para o Brasil no limiar de inaugurar um governo de extrema direita. Terrorismo não é novidade no cotidiano dos Estados Unidos. Atentados praticados por inimigos externos, como os ataques de 11 de setembro de 2001, ou por grupos de casa, como a explosão de Oklahoma City, são objeto de permanente e obsessiva vigilância da Inteligência e das forças policiais americanas.

Os atentados malsucedidos de ontem, contudo, têm outra característica. Foram fomentados, mesmo que indiretamente, contra pessoas e instituições sistematicamente ofendidas pelo presidente Donald Trump. Não falha um dia, desde que assumiu a Casa Branca Trump ataca sem trégua a imprensa, e sobremaneira a rede CNN e o jornal “The New York Times”. Os membros do Partido Democrata, dos ex-presidentes Clinton e Obama, também são objeto da fúria presidencial.

Trump chegou a dizer que os democratas apoiavam e poderiam estar por trás da caravana de refugiados centro-americanos que há dez dias marcham em direção à fronteira dos Estados Unidos. Há dois dias, a polícia explodiu um pacote-bomba enviado para a casa do bilionário George Soros. No início deste mês, Trump acusara Soros de financiar manifestantes que se mobilizaram contra a indicação do conservador Brett Kavanaugh para Suprema Corte.

Trump é um fomentador de ódio entre os americanos. Os que se deixam convencer por sua retórica podem se tornar potenciais agressores de “inimigos” e, no limite, terroristas amadores capazes de fazer barulho como o que se ouviu ontem e na véspera. O pior inimigo dos Estados Unidos pode ser o seu principal líder, se levadas em consideração as suas seguidas manifestações de onde emanam rancor e espírito de vingança.

No Brasil, poderemos viver experiência que tem tudo para ser parecida. O candidato Jair Bolsonaro, líder das pesquisas e que está muito próximo de ser eleito presidente da República, destila seu ódio aos adversários, que não vê como competidores, mas como inimigos a serem varridos do mapa. Foi o que ele disse naquele discurso de domingo, endereçado aos manifestantes a favor da sua candidatura concentrados na Avenida Paulista.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Um grande jornal em tempos difíceis

- Folha de S. Paulo

Folha dá grande contribuição à democracia

É nos momentos de crise como aquele em que nós vivemos hoje que esta Folha mostra o grande jornal que é. Conforme disse Rogério Cezar de Cerqueira Leite ("A escolha", 22/10), o Brasil está ameaçado pela barbárie, e a Folha sabe disso.

Seguiu sua norma de não tomar partido nas eleições, mas deixou seus jornalistas e colunistas livres para informar e afirmar. Embora critique o PT e os demais partidos políticos envolvidos na operação Lava Jato, rejeitou o ódio que ameaça a democracia brasileira e vem dando uma cobertura exemplar às eleições.

O furo de Patrícia Campos Mello mostrou como a campanha de Bolsonaro estava usando fraudulentamente empresas para enviar, via WhatsApp, milhões de mensagens falsas contra o PT. Caso ele seja eleito no próximo domingo, este é um motivo mais que suficiente para que a Justiça casse o seu mandato.

O follow-up que o jornal está fazendo dessa primeira notícia é grande jornalismo.

Os artigos de Janio de Freitas, Clóvis Rossi, Roberto Dias, André Singer, Elio Gaspari, Celso Rocha de Barros, Fernando Limongi, Antonio Prata, Cristovão Tezza, Tati Bernardi e dos intelectuais que publicam na página A3 e na Ilustríssima são um respiro em meio ao sufoco do pensamento único dos "homens de bem".

Mas terá o Judiciário autonomia ou coragem para cassar Bolsonaro? As pessoas a quem faço essa pergunta geralmente respondem que apenas se houver um movimento da sociedade muito forte exigindo sua condenação. Essas pessoas não reconhecem que as instituições brasileiras hoje são mais fortes do que eram há mais de 50 anos, quando Getúlio Vargas lamentou: "a lei, ora a lei!".

Daniela Lima: Foi o eleitor quem puxou o gatilho

- Folha de S. Paulo

Com tudo às claras, voto traz responsabilidade inédita desde a redemocratização

Ao que tudo indica, Jair Bolsonaro (PSL) é a ideia cujo tempo chegou. Se uma disputa presidencial deve espelhar as aspirações de um país, a julgar pelas pesquisas feitas até agora, foi pelo reflexo do capitão reformado e sua retórica bélica que a maioria do eleitorado brasileiro se apaixonou.

O candidato tem méritos. Político com mandato há décadas, vendeu-se e foi comprado como o novo. Mais do que isso, como o antissistema, mesmo tendo nascido, crescido e dado frutos —fez três filhos e ex-mulheres brotarem no meio ambiente do qual diz não fazer parte.

Bolsonaro conseguiu capturar e catalisar sentimentos diversos. Tornou-se o "Messias" de uma nova era. Tendo pronunciado repetidas vezes o Apocalipse para alguns setores, foi aceito. É como se o eleitor dissesse: se tenho que tacar fogo em todo o terreno para ter terra nova para plantar, deixe queimar.

O problema é que o cenário já é de pós-guerra, fruto das escolhas feitas em 2014, quando Dilma Rousseff levou a melhor mesmo diante de todos os sinais de que seu modo de pensar e de fazer política poderiam atirar o Brasil no cadafalso.

A eleição baseada na retórica do medo deveria ter rendido uma lição definitiva: políticos vão, mas o país, ou o que resta dele, fica.

Bruno Boghossian: Nada normal

- Folha de S. Paulo

Disposição em normalizar ditadura é fruto apodrecido da campanha

Quase um terço dos brasileiros acha que o legado da ditadura militar foi positivo para o país. Na última pesquisa do Datafolha, 32% dos entrevistados disseram que houve mais realizações boas do que ruins no regime autoritário. Há quatro anos, esse índice era de 22%.

Um dos frutos apodrecidos da campanha eleitoral deste ano é uma aparente disposição em normalizar os horrores do autoritarismo e da tortura. A defesa aberta do regime feita pelo líder da corrida presidencial e a leniência das instituições contribuem para o retrocesso.

A relativização ganhou ares oficiais quando o chefe do STF, Dias Toffoli, disse que a deposição do presidente da República em 1964 não foi um golpe militar, mas um “movimento”.

Nesta quarta (24), o TSE mandou suspender, pela segunda vez, uma propaganda do PT que vinculava Jair Bolsonaro ao torturador BrilhanteUstra. Para o ministro Luís Felipe Salomão, o vídeo “pode criar [...] estados passionais com potencial para incitar comportamentos violentos”.

Bolsonaro disse no Roda Viva, em julho, que “abomina” a tortura, mas se desmentiu logo depois. Insinuou que “este pessoal que se diz torturado” inventa histórias para obter indenizações e respondeu que Ustra era o autor de seu livro de cabeceira.

Roberto Dias: Avestruz digital

- Folha de S. Paulo

Plataformas de tecnologia não deveriam ter menos responsabilidade do que as teles

Raul Jungmann acredita que não há anonimato na internet. Deveria então ser fácil saber de quem é o telefone com código indiano que disparou um vídeo que dizia mostrar João Doria em uma orgia.

Pena que a realidade seja mais complicada. O comportamento do ministro, assim como o da presidente do TSE, Rosa Weber, é o de quem não quer enfrentar o pântano que virou a campanha nos celulares.

De fato existem caminhos de investigação fora das plataformas. Mas eles não atacam o problema central, que é sistêmico e de larga escala. Resolvê-lo exige mais firmeza do que as autoridades têm demonstrado.

Ou as empresas de tecnologia mudam ou a sociedade continuará correndo atrás de criminosos que já conseguiram o que queriam e que têm boa chance de escapar —basta ver a investigação nos EUA dois anos depois da vitória de Donald Trump.

Vinicius Torres Freire: Bolsonaro, um governo-relâmpago

- Folha de S. Paulo

Mesmo ainda sem licenciamento eleitoral, candidato decide nomes e monta coalizão na Câmara

Jair Bolsonaro acerta nomes para seu governo e sua coalizão no Congresso uma semana antes do fim da eleição. As conversas tornaram-se mais decisivas depois do primeiro turno. Agora, tudo se passa como se tivesse começado o governo de transição.

Na praça do mercado, é motivo para manter a aposta em alta dos preços dos ativos financeiros. Parece que essa arquitetura, ainda à espera de licenciamento eleitoral, garantiria a execução de planos liberais ainda incógnitos, na sequência certa. Essas são as fichas na mesa, que podem rolar pelo chão em caso de tumulto maior na finança americana, por exemplo.

Aliados do candidato do PSL discutem com o governo de Michel Temernomeações para o segundo escalão, entendido aqui como cargos abaixo da função de ministro: direção de estatais, agências do governo, agências reguladoras.

Luiz Carlos Azedo: Algo se move

- Correio Braziliense

“Pesquisas demonstram alterações de comportamento do eleitor na reta final da campanha, que será encerrada amanhã. No primeiro turno, houve grandes surpresas nesses três últimos dias”

A pesquisa do Ibope de terça-feira sinaliza que algo se move entre os eleitores. O dado mais surpreendente é a virada do candidato do PT na cidade de São Paulo, na qual Fernando Haddad ultrapassou Jair Bolsonaro (PSL): 51% a 49%. No primeiro turno, Haddad recebeu 19,7% dos votos dos paulistanos, contra 44,58% de Bolsonaro. Em 2014, Aécio Neves venceu com 63,85% dos votos na capital paulista, contra 36,15% de Dilma Rousseff (PT). Haddad foi prefeito da capital, mas não se reelegeu em 2016. Foi derrotado por João Doria (PSDB) no primeiro turno. Analistas consideram essa mudança um caso isolado e atribuem o fenômeno à rejeição do tucano, que abandonou a Prefeitura de São Paulo com 15 meses de mandato. Os resultados no interior corroboram a tese, porque Bolsonaro lidera a disputa no estado de São Paulo com 64% dos votos válidos contra 36% de Haddad.

Em todo o país, o resultado do Ibope mostra oscilação no limite da margem de erro: Bolsonaro caiu de 59% para 57%, enquanto Haddad subiu de 41% para 43% dos votos válidos. Na votação espontânea, a queda de Bolsonaro é de cinco pontos, de 47% para 42%, enquanto Haddad sobe ligeiramente, de 31% para 33%. Esses números estão diretamente relacionados à rejeição dos candidatos. A de Haddad caiu de 47% para 41%, enquanto a de Bolsonaro subiu de 35% para 40%. As intenções de voto do candidato do PSL oscilaram para baixo na faixa entre 25 e 55 anos, entre homens e mulheres, brancos, negros e pardos, em todas as faixas de escolaridade, (exceto nível superior) e na faixa de renda entre 2 e 5 salários-mínimos.

Os dados da eleição por região revelam indícios de movimentação eleitoral: na região Nordeste, Bolsonaro subiu de 33% para 34%; Haddad, caiu de 57% para 53%. No Norte/Centro-Oeste, o militar da reserva caiu de 59% para 55%; o petista subiu de 33% para 36%. No Sudeste, Bolsonaro caiu de 58% para 54%, e Haddad subiu de 29% para 31%. No Sul, o candidato do PSL oscilou de 62% para 60%, e o petista, de 28% para 29%. Esses resultados demonstram alterações de comportamento do eleitor na reta final da campanha, que será encerrada amanhã. No primeiro turno, em alguns estados, houve grandes surpresas nesses três últimos dias.

O PT faz uma campanha dura e agressiva contra Bolsonaro, na qual resgata posturas e atitudes que o candidato do PSL gostaria que fossem esquecidas pelos eleitores. A estratégia de Haddad é caracterizar a eventual eleição de Bolsonaro como uma volta à ditadura, o que não é verdade, mas ganha veracidade quando acompanhada de antigas declarações do candidato e episódios recentes de sua campanha. As ameaças de seu filho Eduardo Bolsonaro, deputado eleito com a maior votação do país, contra o Judiciário, continuam sendo exploradas por Haddad. Bolsonaro também ameaçou adversários com a prisão e o exílio.

Essas declarações se tornaram verdadeiros bumerangues na campanha eleitoral. O candidato do PSL sentiu o golpe. Orientou seus partidários a não entrarem em confronto físico com os petistas e voltou a dar declarações para suavizar sua imagem e neutralizar os ataques dos adversários. Tem uma vantagem robusta ainda, mas eleição não se ganha de véspera. Mesmo quando já se está com a mão na faixa, ela precisa passar pela cabeça.

Maria Cristina Fernandes: Brown x Etchegoyen

- Valor Econômico

O país depende tanto do eleito quanto do derrotado

Pedro Paulo Soares Pereira nasceu sob o governo do general Médici e começou a compor, como Mano Brown, depois que o Brasil voltou à democracia. Quase três décadas, canções e prisões depois, Mano Brown já tinha resolvido que não subiria mais em palanque político quando, em ato pró-Haddad, no Rio, pegou o microfone para, com a habitual carranca, dizer que não estava ali para festa: "Não consigo acreditar que pessoas que me tratavam com tanto carinho, serviam meu café da manhã, lavavam meu carro ou atendiam meu filho no hospital, se transformaram em monstros (...). Quem errou vai ter que pagar. O que mata a gente é a cegueira e o fanatismo. Deixou de entender o povão, já era."

Como a plateia de convertidos o vaiou, é provável que nada tenham entendido. Mais grave será se a surdez tiver atingido também aqueles que os lideram. Tudo pode acontecer de hoje até domingo, até nada, dirá reverter, por dia, 3 milhões de votos. Quanto mais estreita a eventual vitória de Jair Bolsonaro, mais auspiciosas são as chances do que ainda não dá para nominar de oposição ou resistência. O Brasil depende tanto do vencedor do domingo quanto daquele que for derrotado.

No mesmo dia em que a lucidez de Mano Brown apareceu emoldurada nos arcos da Lapa, Fernando Haddad havia participado da sabatina dos jornais "O Globo", "Extra", Valor e da revista "Época". Indagado sobre o teor de seus pronunciamentos em ambas as possibilidades de desfecho eleitoral, Haddad disse que o eventual reconhecimento de seu adversário estaria subordinado ao desenrolar dos fatos até domingo e a um pedido de desculpas pela fábrica de mentiras da campanha.

Na mesma oportunidade em que Haddad anunciou que poderia vir a repetir, ainda com mais gravidade, o deslize de Dilma Rousseff que, vitoriosa, não cumprimentou seu adversário, o candidato do PT também incorreu nos mesmos erros de seu adversário. Deu curso a acusações não comprovadas contra o vice do PSL. Indagado se a acusação do compositor Geraldo Azevedo de que Hamilton Mourão o havia torturado pessoalmente, tinha sido apurada, repassou a tarefa à imprensa.

Ribamar Oliveira: As ilusões sobre o ajuste fiscal

- Valor Econômico

Redução de despesas obrigatórias é indispensável

Muitos alimentam a ilusão de que é possível fazer o ajuste necessário nas contas públicas brasileiras apenas com o corte de gastos não obrigatórios, preferencialmente reduzindo o custeio da máquina administrativa. Seria bom, se isso fosse possível. Outros alimentam um sonho ainda maior de que é factível obter o reequilíbrio das contas públicas apenas com a volta de um crescimento econômico mais robusto. A situação fiscal da União, no entanto, chegou a tal ponto de deterioração que o ajuste exigirá grande sacrifício, com enorme desgaste político.

O déficit primário da União (receitas menos despesas, fora o pagamento de juros das dívidas públicas) estimado para este ano ficará em torno de R$ 125 bilhões, de acordo com o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto de Almeida. Isto representa quase 2% do Produto Interno Bruto (PIB). Para zerar o déficit de imediato, o próximo governo teria, portanto, que cortar todas as chamadas despesas discricionárias previstas para o próximo ano, ou seja, aquelas em que não há impedimento legal para serem reduzidas, estimadas em R$ 127,2 bilhões em 2019.

Nesta hipótese, o governo teria que fechar suas portas, paralisar as suas atividades, todos os investimentos públicos, obras e serviços. Ninguém de bom senso acredita que isso seja possível ou mesmo desejável.

Ricardo Noblat: A visita da saúde

- Blog do Noblat | Veja

Celebre se a derrota não for feia

Alguma coisa se mexeu a ponto de injetar um pouco de ânimo à candidatura de Fernando Haddad (PT) a presidente, segundo registrou a mais recente pesquisa de intenção de votos do Ibope.

Mas é bom que fique claro que Haddad e Jair Bolsonaro oscilaram dentro da margem de erro da pesquisa. E que será preciso esperar a próxima para saber se tudo não passou de um soluço.

Hoje, o Datafolha divulgará sua nova pesquisa. Ibope e Datafolha divulgarão as últimas destas eleições no próximo sábado. No domingo, o Ibope fará pesquisa de boca de urna.

Se Bolsonaro não bater o recorde de votos de Lula em 2002 (62%), dê-se o PT por satisfeito e comemore.

Centrão vai trocar de nome
Para ficar melhor na foto

Poderosos chefões dos partidos mais fisiológicos do Congresso, aqueles que só dão algo se receberem algo em troca, começaram a discutir se não seria o caso de jogar fora a sigla Centrão por meio da qual se tornaram conhecidos e ganharam triste fama.

Bolsonaro e militares: Editorial | Folha de S. Paulo

Presidenciável atrai simpatias nas Forças, que têm sabido manter a isenção

Em mais de três décadas desde o restabelecimento da democracia, não se viu envolvimento dos militares na vida partidária do país. Entretanto as peculiaridades do momento atual põem as Forças Armadas em evidência, ainda que involuntária, no cenário político.

O avanço da candidatura do capitão reformado Jair Bolsonaro (PSL), hoje franco favorito no pleito, incentivou a militância de oficiais que não faz muito deixaram a ativa. Alguns colaboram no programa de governo do presidenciável; outros lançaram-se à disputa de cargos eletivos.

A camaradagem de caserna e a comunhão de princípios e mentalidades levaram, pelo que se pode observar, a simpatias de comandantes pela campanha na qual seus ex-colegas se engajaram.

Sabe-se que Bolsonaro sempre despertou alguma desconfiança na cúpula das Forças. Hoje se apura, porém, que há satisfação, especialmente no Exército, com o indicativo de prestígio da instituição de algum modo associado às intenções de voto no postulante do PSL.

Tais afinidades não se traduzem, destaque-se, em declarações públicas, que seriam inadmissíveis. Salvo alguns deslizes pontuais, os militares têm sabido manter sua isenção diante das não poucas tensões políticas nacionais dos últimos anos —e a despeito de terem assumido um protagonismo em muitos casos indesejado no período.

O ego de Lula: Editorial | O Estado de S. Paulo

Por mais que o PT tenha se esforçado para fingir que seu candidato à Presidência, Fernando Haddad, não é um mero preposto de Lula da Silva, há algo que nenhum truque de marketing será capaz de mudar: o PT sempre foi e continuará a ser infinitas vezes menor do que o ego de Lula. Na reta final da campanha eleitoral, justamente no momento em que Haddad mais se empenha para buscar apoio fora da seita lulopetista, o demiurgo de Garanhuns, decerto inquieto na cela em que cumpre pena por corrupção, resolveu divulgar uma carta para exigir - a palavra adequada é essa - que todos reconheçam a inigualável grandeza de seu legado como governante e que votem no seu fantoche se estiverem realmente interessados em salvar a democracia brasileira, supostamente ameaçada pelos “fascistas”.

O tom da mensagem é o exato oposto do que seria recomendável para quem se diz interessado em angariar a simpatia daqueles que, embora não tenham a menor inclinação para votar em Jair Bolsonaro (PSL) para presidente, tampouco gostariam de ver o PT voltar ao poder. Para esses eleitores, somente se o PT reconhecesse, de maneira honesta e sem adversativas, seu papel preponderante na ruína econômica, política e moral do Brasil nos últimos anos, cujos frutos mais amargos foram o empobrecimento do País e a desmoralização da política, talvez houvesse alguma chance de mudar de ideia. Mas isso é impossível, em se tratando de Lula da Silva, que se considera o mais importante brasileiro vivo e o maior líder que este país jamais terá.

Meio ambiente não é questão secundária: Editorial | O Globo

Primazia da agricultura no próximo governo colocaria o Brasil na contramão da História

Se confirmados os prognósticos sinalizados pelas pesquisas eleitorais, a partir de 1º de janeiro Jair Bolsonaro (PSL) assumirá o Planalto, e, na agenda de debates que se travam no país, o meio ambiente estará entre os temas mais controvertidos.

O assunto há anos ganha relevância, devido aos efeitos climáticos causados pelo aquecimento global, com grande impacto na produção de alimentos, atividade em que o Brasil se destaca no mundo. Aufere grande receita cambial com as exportações agropecuárias e, até por isso mesmo, precisa acompanhar de perto a questão da preservação do meio ambiente.

Já se discute o assunto, porque, ao contrário da escassez de informações sobre o que um governo Bolsonaro planejar fazer na economia, por exemplo, sobre a necessária administração responsável da convivência equilibrada entre produção agropecuária e os biomas há medidas concretas que poderão ser tomadas pelo novo Planalto. E preocupam.

Mais ondas de instabilidade nos mercados globais: Editorial | Valor Econômico

O crescimento chinês está em seu nível mais baixo desde 2009 (ainda assim, 6,5% no terceiro trimestre), a expansão europeia perdeu ímpeto nos últimos meses e as empresas americanas estão enfrentando aumento de custos ao mesmo tempo em que suas perspectivas de lucros são rebaixadas. Os mercados acionários estão se reacomodando com baixas significativas em um ambiente de juros em elevação. O acúmulo de incertezas indica que aumentaram as chances de que o crescimento global se desacelere com mais força do que o previsto.

Depois da exuberância do desempenho dos mercados acionários dos países ricos, assiste-se agora ao movimento contrário, em uma reavaliação de preços dos ativos ainda ordenada, mas intensa. O índice de ações globais do Financial Times recuou apenas em outubro 7,3% até anteontem, a pior performance desde quando eclodiu a crise da zona do euro em 2012 (FT, ontem). As bolsas americanas estão em baixa, com a Nasdaq à frente - ontem ela teve queda de 4,4%, seu pior dia em 7 anos - e o S&P 500 caiu 3,1%, acumulando seis baixas consecutivas e atingindo rentabilidade negativa no ano. As bolsas europeias acompanham o movimento com fatores baixistas próprios, decorrentes de indicadores de atividades que registraram que a indústria alemã cresceu ao menor ritmo em dois anos e meio e a francesa, em 25 meses.

Carla VisiI: Portela na avenida

Vinícius de Moraes: Menino morto pelas ladeiras de Ouro Preto

Hoje a pátina do tempo cobre também o céu de outono
Para o teu enterro de anjinho, menino morto
Menino morto pelas ladeiras de Ouro Preto.
Berçam-te o sono essas velhas pedras por onde se esforça
Teu caixãozinho trêmulo, aberto em branco e rosa.
Nem rosas para o teu sono, menino morto
Menino morto pelas ladeiras de Ouro Preto.
Nem rosas para colorir teu rosto de cera
Tuas mãozinhas em prece, teu cabelo louro cortado rente...
Abre bem teus olhos opacos, menino morto
Menino morto pelas ladeiras de Ouro Preto.
Acima de ti o céu é antigo, não te compreende.
Mas logo terás, no Cemitério das Mercês-de-Cima
Caramujos e gongolos da terra para brincar como gostavas
Nos baldios do velho córrego, menino morto
Menino morto pelas ladeiras de Ouro Preto.
Ah, pequenino cadáver a mirar o tempo
Que doçura a tua; como saíste do meu peito
Para esta negra tarde a chover cinzas...
Que miséria a tua, menino morto
Que pobrinhos os garotos que te acompanham
Empunhando flores do mato pelas ladeiras de Ouro Preto...
Que vazio restou o mundo com a tua ausência...
Que silentes as casas... que desesperado o crepúsculo
A desfolhar as primeiras pétalas de treva...

1952