- Valor Econômico
O país depende tanto do eleito quanto do derrotado
Pedro Paulo Soares Pereira nasceu sob o governo do general Médici e começou a compor, como Mano Brown, depois que o Brasil voltou à democracia. Quase três décadas, canções e prisões depois, Mano Brown já tinha resolvido que não subiria mais em palanque político quando, em ato pró-Haddad, no Rio, pegou o microfone para, com a habitual carranca, dizer que não estava ali para festa: "Não consigo acreditar que pessoas que me tratavam com tanto carinho, serviam meu café da manhã, lavavam meu carro ou atendiam meu filho no hospital, se transformaram em monstros (...). Quem errou vai ter que pagar. O que mata a gente é a cegueira e o fanatismo. Deixou de entender o povão, já era."
Como a plateia de convertidos o vaiou, é provável que nada tenham entendido. Mais grave será se a surdez tiver atingido também aqueles que os lideram. Tudo pode acontecer de hoje até domingo, até nada, dirá reverter, por dia, 3 milhões de votos. Quanto mais estreita a eventual vitória de Jair Bolsonaro, mais auspiciosas são as chances do que ainda não dá para nominar de oposição ou resistência. O Brasil depende tanto do vencedor do domingo quanto daquele que for derrotado.
No mesmo dia em que a lucidez de Mano Brown apareceu emoldurada nos arcos da Lapa, Fernando Haddad havia participado da sabatina dos jornais "O Globo", "Extra", Valor e da revista "Época". Indagado sobre o teor de seus pronunciamentos em ambas as possibilidades de desfecho eleitoral, Haddad disse que o eventual reconhecimento de seu adversário estaria subordinado ao desenrolar dos fatos até domingo e a um pedido de desculpas pela fábrica de mentiras da campanha.
Na mesma oportunidade em que Haddad anunciou que poderia vir a repetir, ainda com mais gravidade, o deslize de Dilma Rousseff que, vitoriosa, não cumprimentou seu adversário, o candidato do PT também incorreu nos mesmos erros de seu adversário. Deu curso a acusações não comprovadas contra o vice do PSL. Indagado se a acusação do compositor Geraldo Azevedo de que Hamilton Mourão o havia torturado pessoalmente, tinha sido apurada, repassou a tarefa à imprensa.
Mas se o candidato do PT, por um lado, custa a aprender com os erros do seu partido e com aqueles dos seus adversários, por outro já começa a antever o que pode ser o rearranjo do seu campo político. Horas antes de Mano Brown ser vaiado na Lapa, Haddad disse que, se derrotado, a esquerda teria que fazer dois movimentos - abrir-se a outros partidos, como o PSDB, e engajar na política lideranças emergentes da periferia das grandes cidades. Para isso, terá antes que vencer resistências de seu próprio partido, incluindo aquelas que, a despeito da maior experiência em governos e campanhas, lhe sopraram a barrigada sobre Mourão.
A esquerda não terá alternativas. Até porque na base que sustenta Jair Bolsonaro só os vídeos do candidato são amadores. Basta ver o decreto que cria uma força-tarefa de inteligência a cargo do general Sérgio Etchegoyen. Sua publicação, a dois meses e meio do fim do governo Michel Temer, dá margem às mais criativas interpretações. Seus trabalhos têm como meta primeira a reta final de uma disputa em que o entorno do candidato líder permanece obcecado contra um ataque do PCC, mas podem ultrapassar o atual mandato.
Endereça-se ao combate a organizações criminosas que afrontam o Estado brasileiro e suas instituições num momento em que o país pode assistir a um alargamento da interpretação do conceito de crime. Daqui a três dias pode se eleger presidente da República um candidato que ameaçou, de viva voz, prender o adversário para que faça companhia ao presidente mais popular da história do país que ele pretende ver apodrecer na cadeia. Ao reunir os órgãos de inteligência de todas as Armas e de órgãos como a Polícia Federal e a Receita, Etchegoyen deixa claro que as decisões da força-tarefa não dependerão de quórum mínimo para deliberação.
A uma semana do segundo turno, Etchegoyen participou da entrevista convocada pela presidente do TSE, a ministra Rosa Weber. Dos três ministros do Executivo presentes, foi o primeiro a falar. Não citou nenhum dos candidatos, mas mandou um recado claro aos adversários de Bolsonaro: "Assisti muitos arautos do apocalipse frustrado serem abandonados à irrelevância da história".
Um coronel da ativa havia feito, na véspera, ataques à ministra sentado ao seu lado, o candidato a vice aventara a possibilidade de autogolpe e o deputado federal mais votado do país e filho do presidenciável, havia discorrido sobre a banalidade do fechamento do Supremo Tribunal Federal. Mas o general que é braço-direito do presidente da República se limitou a dizer que o Brasil não é um país de radicais.
Em meio a uma peroração sobre notícias falsas, tão antigas, no seu entendimento, quanto Adão e Eva, Etchegoyen tranquilizou o público sobre o que está por vir. Valeu-se da atuação da Secretaria de Segurança Pública do Rio, hoje sob intervenção militar, para dizer que o comando tem bombardeado os policiais sobre a maneira como a população deve ser tratada.
Os 60% de votos que Bolsonaro teve no Estado do Rio indicam que o general Braga Neto pode ter tido algum mérito nisso. Mas a indignação de Mano Brown, alvo de sucessivas prisões ao longo das últimas três décadas em que o país viveu sob o regime democrático, indicam o temor de que os porões civis se unam aos militares para subir a rampa junto com seu candidato.
Raymundo Costa
Até quem não conhecia Raymundo Costa o chamava pelo diminutivo. Da copeira da redação ao presidente da República, todos pareciam reverenciar o jeito tímido e discreto com o qual se conduzia o repórter de uma época em que o jornalismo produziu celebridades. Contava o que ouvia e via. De todos os lados. Falava baixo, mas nunca deixou de ter respondidas suas perguntas simples, à direita e à esquerda. Fez do arroz e feijão do jornalismo uma iguaria num mercado de notícias movido a escândalos. Deixou o esboço de um livro sobre o MDB num momento em que o país corre o risco de ter saudades do partido. Difícil encontrar um erro no que escrevia. E ainda mais, quem se dissesse traído por um relato equivocado. Poucas vezes o país precisou tanto de jornalismo comprometido com os fatos a mediar uma política conflagrada e o leitor. Raymundo só errou na hora de ir embora.
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