quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Ribamar Oliveira: As ilusões sobre o ajuste fiscal

- Valor Econômico

Redução de despesas obrigatórias é indispensável

Muitos alimentam a ilusão de que é possível fazer o ajuste necessário nas contas públicas brasileiras apenas com o corte de gastos não obrigatórios, preferencialmente reduzindo o custeio da máquina administrativa. Seria bom, se isso fosse possível. Outros alimentam um sonho ainda maior de que é factível obter o reequilíbrio das contas públicas apenas com a volta de um crescimento econômico mais robusto. A situação fiscal da União, no entanto, chegou a tal ponto de deterioração que o ajuste exigirá grande sacrifício, com enorme desgaste político.

O déficit primário da União (receitas menos despesas, fora o pagamento de juros das dívidas públicas) estimado para este ano ficará em torno de R$ 125 bilhões, de acordo com o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto de Almeida. Isto representa quase 2% do Produto Interno Bruto (PIB). Para zerar o déficit de imediato, o próximo governo teria, portanto, que cortar todas as chamadas despesas discricionárias previstas para o próximo ano, ou seja, aquelas em que não há impedimento legal para serem reduzidas, estimadas em R$ 127,2 bilhões em 2019.

Nesta hipótese, o governo teria que fechar suas portas, paralisar as suas atividades, todos os investimentos públicos, obras e serviços. Ninguém de bom senso acredita que isso seja possível ou mesmo desejável.

No ano passado, a despesa primária total da União (não inclui gastos com juros das dívidas públicas e com transferências legais a Estados e municípios) ficou em R$ 1,279 trilhão, de acordo com o relatório de avaliação do cumprimento das metas fiscais, relativo ao terceiro quadrimestre de 2017. As despesas discricionárias ficaram em apenas R$ 114 bilhões. Ou seja, os gastos obrigatórios atingiram 91,1% do total.

Na relação das despesas discricionárias, o gasto com o custeio administrativo básico, imprescindível para o funcionamento da máquina administrativa (não inclui pagamento de salários dos servidores), ficou em R$ 40,6 bilhões no ano passado. Deste montante, a despesa com energia elétrica, água e gás somou R$ 2,9 bilhões, e a com diárias e passagens de servidores, R$ 1,8 bilhão. O gasto com material de consumo (caneta, papel, combustíveis para veículos etc.) ficou em R$ 5 bilhões, e a despesa com processamento de dados e manutenção de sistemas, R$ 4,5 bilhões.

Os serviços de limpeza e conservação consumiram R$ 13 bilhões, enquanto o apoio administrativo, técnico e operacional, R$ 10 bilhões. A locação de mão de obra e terceirização somou R$ 900 milhões, enquanto a despesa com locação de imóveis, R$ 1,6 bilhão. Outros gastos somaram R$ 900 milhões. Os dados foram retirados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), que registra todas as receitas e despesas da União.

Um corte, por exemplo, de 20% do custeio administrativo básico, que representaria uma economia de apenas R$ 8 bilhões (20% de R$ 40,6 bilhões), poderia estrangular o funcionamento da máquina administrativa e não resolveria o problema do déficit.

Os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) também fazem parte das despesas discricionárias e foram reduzidos para apenas R$ 29 bilhões no ano passado, o nível mais baixo da série histórica. Neste ano, eles cairão para R$ 25 bilhões e para R$ 23 bilhões em 2019. Um corte maior no PAC para ajudar no ajuste das contas poderia paralisar os poucos investimentos ainda em andamento.

Na relação das discricionárias, ainda estão incluidas as despesas com emendas parlamentares de execução obrigatória que, em 2017, atingiram R$ 13,5 bilhões. Assim, no ano passado, do montante de R$ 114 bilhões de despesas discricionárias em 2017, apenas R$ 30,9 bilhões (R$ 114 bilhões menos R$ 40,6 bilhões menos R$ 29 bilhões menos R$ 13,5 bilhões) vão para todas as atividades-fim do governo federal, que não têm execução obrigatória (como as atividades-fim da Embrapa, do Ibama, de fiscalização).

A tabela abaixo mostra que o montante das despesas discricionárias vem caindo, em termos reais, ao longo dos últimos anos. Isto significa que não é possível fazer um ajuste fiscal com base em cortes nesses gastos. Assim, o governo será obrigado a cortar despesas obrigatórias ou, na melhor das hipóteses, reduzir o seu ritmo de crescimento. Por isso é que a equipe econômica do governo Temer tem insistido nas reformas, que precisam de aprovação do Congresso Nacional.

Para estabilizar a dívida na comparação com o PIB, o governo precisa fazer um superávit primário de cerca de 2% do PIB. Estamos falando, portanto, da necessidade de fazer um ajuste da ordem de 4% do PIB, pois temos hoje um déficit de 2% do PIB. É óbvio que a retomada do crescimento econômico em ritmo mais acelerado irá turbinar as receitas tributárias, o que ajudará sem dúvida no ajuste. Mas, talvez, não seja suficiente. Uma coisa é clara: se as despesas obrigatórias continuarem crescendo em ritmo acelerado, como estão agora, o ajuste das contas não ocorrerá, mesmo com o aumento da arrecadação.

Homenagem
Quero registrar aqui minha homenagem ao jornalista Raymundo Costa, colunista do Valor, que faleceu na noite de terça-feira. Além de brilhante analista da cena política brasileira, Raymundo era uma figura humana inesquecível. Ele vai fazer muita falta.

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