sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Opinião do dia: José Antonio Segatto - Uma política para a democracia*

Não obstante elementos da cultura política do PCB persistirem no imaginário e na práxis de muitos atores, tanto o projeto político como a propositura de uma nova formação política – formulados por herdeiros seus que tomaram consciência da necessidade de ´recomeçar´ -- não tiveram seguimento e condições para se concretizarem ou, quando absorvidas, formam-no em aspectos muito parciais e seletivos.

Pode-se dizer que o ´marxismo político” pecebista emanando da Declaração de Março de 1958 seria, de fato, um divisor de águas histórico da esquerda brasileira. Quase todas as correntes e partidos, grupos e seitas, sejam eles comunistas, católicos de esquerda, socialistas, socialdemocratas etc., colocaram-se contra tais concepções, ou, ao menos, manifestaram desconfiança em relação a elas. Isso foi manifestado por muitos agrupamentos nascidos das divisões do PCB, como o PCdoB, a ALN, o PCBR, ou à parte de sua tradição, como é o caso do PT – o móbil primordial das cizânias ou dissensões foi, invariavelmente, a questão democrática; nenhum deles tinha muito, ou nenhum apreço aos valores, institutos e práxis democráticas. Alguns irão, tardiamente, incorporar seletivamente aspectos e elementos daquela práxis política.

Nas atuais circunstâncias históricas, adversas e prenhe de incertezas, protagonismo capital poderá vir a ter, no processo político reconstituinte, uma esquerda democrática com práxis renovadora e com projeto reformista vigoroso, capaz de superar concepções e práticas antidemocráticas e excludentes, opressoras e iníquas. O desafio está posto, à espera de agentes que possam remover entraves e dar curso progressivo à dinâmica democrática, criando pressupostos necessários para que suas prerrogativas sejam efetivamente socializáveis e de desfrute coletivo.

*Cf. Uma política para a democracia. In: As esquerdas e a democracia, coletânea organizada por José A. Segatto, M. Lahuerta e R. Santos. Brasília: Verbena Editora/FAP, dezembro de 2018.
Link do livro: 

Luiz Carlos Azedo - Nós, os brasileiros

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“A crise exacerba os conflitos sociais e regionais, por falta de um objetivo mobilizador da sociedade. O Brasil perdeu a utopia do país do futuro, a sacada genial de Stefan Zweig”

Duas das consequências da globalização estão sendo o aprofundamento das desigualdades e o esgarçamento das democracias no mundo. Num cenário de revolução tecnológica, em que a modernização da economia passou a ser uma condição para o crescimento econômico, a reinvenção dos Estados nacionais tornou-se um imperativo. É aí que certas contradições se acirram profundamente; o Brexit e a vitória do conservador Boris Johnson nas eleições britânicas de ontem confirmam essa tendência.

Aqui no Brasil, a política reflete de maneira particular essas contradições. Desde a abertura comercial do governo Collor, decorrência do esgotamento do modelo de substituição de importações, o Brasil vive uma crise de financiamento de sua infraestrutura, que se tornou um grande gargalo para a retomada do crescimento. Nossa vocação natural de país exportador de commodities agrícolas e minerais nos garante um papel relevante na divisão internacional de trabalho, mas isso não basta, porque outra face dessa integração à economia mundial está sendo a desindustrialização, a concentração de renda e o desemprego em massa.

Merval Pereira - Exotismos extemporâneos

- O Globo

O que Bolsonaro e Trump fazem, ao tratar o ativismo de Greta com desdém, é reafirmar suas posições anacrônicas

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pode não ser o grande amigo dos Bolsonaro que o presidente brasileiro vendeu para a opinião pública. Mas não há dúvida de que os dois, o brasileiro e o americano, têm mais coisas em comum do que seria desejável para o nosso país.

Ontem, foi Trump quem criticou a escolha da ativista ambiental Greta Thunberg pela revista Time como a personalidade do ano de 2019. Trump foi paternalista com Greta, tratando-a como uma menina estressada que precisa “relaxar” em vez de ficar pelo mundo com “raiva”.

Sem esconder também uma ponta de machismo, disse no Twitter que o que Greta precisa é “ir ao velho e bom cinema com um amigo”. Trump classificou de “ridículo” o episódio da escolha de Greta, e diagnosticou: “Greta deveria trabalhar em seu problema de controle da raiva”.

Na véspera, foi Bolsonaro quem atacou Greta, com o desdém que os “adultos sérios” tratam “pirralhas” como ela. Assim como Trump, e ao contrário do mundo civilizado, o presidente brasileiro não leva a sério o trabalho de Greta Thunberg, e nesse caso os dois misturam sentimentos de machismo com uma pitada de misoginia.

Assim como Bolsonaro, também o presidente americano tem casos em sua vida que deixam patentes sexismo e misoginia, mas nada os afetou em suas campanhas eleitorais.

Bernardo Mello Franco - Bolsonaro e o populismo pau de arara

- O Globo

Bolsonaro ameaçou usar um instrumento de tortura para punir ministros que se corromperem. Faltou dizer que ao menos quatro figurões do governo já estão sob suspeita

Jair Bolsonaro lançou uma nova bravata para agitar seus radicais de estimação. Em visita ao Tocantins, ele prometeu punir com castigos físicos o ministro que se envolver com escândalos de corrupção. “Se aparecer, boto no pau de arara”, afirmou.

O pau de arara é um instrumento de tortura que usa uma barra de ferro para imobilizar o prisioneiro. Pendurado de cabeça para baixo, ele fica exposto a outros maus-tratos, como choques elétricos e afogamentos.

A Constituição proíbe a tortura, mas o presidente não se importa em banalizá-la em falas oficiais. É o que ele faz desde o tempo de deputado, quando exaltava a ditadura e pregava o fuzilamento de adversários.

Eliane Cantanhêde - A real renovação

- O Estado de S.Paulo

O ‘novo Senado’ tem base forte, articulação eficiente e uma líder: Simone Tebet

As votações do pacote anticrime e da prisão em segunda instância geraram uma mudança no equilíbrio político do Senado do primeiro para o segundo semestre de 2019. O Congresso viveu um grande ano, com evidente afirmação do seu poder e independência, e o Senado deu visibilidade a Davi Alcolumbre no primeiro semestre e confirmou a liderança e habilidade de Simone Tebet no segundo.

No início do ano, o plenário derrubou os “jabutis” do Código Florestal e os dois projetos de armas do presidente Jair Bolsonaro, depois retirados da Câmara para evitar nova derrota pessoal dele. E Alcolumbre devolveu ao Planalto a MP que empurrava a demarcação de terras indígenas para a Agricultura – a raposa cuidando do galinheiro, mas o argumento foi técnico: é inconstitucional MP sobre tema já derrotado no Congresso no mesmo ano.

Alcolumbre ia bem, participando ativamente de um gabinete de crise informal para enfrentar os arroubos de Bolsonaro, ou melhor, dos Bolsonaros, com Rodrigo Maia, da Câmara, e Dias Toffoli e Gilmar Mendes, do Supremo. Mas algo desandou. Alcolumbre perdeu fôlego antes de concluir o seu primeiro ano na presidência do Senado. Talvez por inconstância, ora se aproximando, ora se distanciando de Bolsonaro, mas sempre atrelado ao baixo clero ou à “velha política”.

Foi aí que Simone Tebet entrou em cena, surfando numa onda que começou em fevereiro. Quando ela se inscreveu para disputar a presidência do Senado com o então poderoso Renan Calheiros, quase todos imaginaram que não era para valer. Era. Ela articulou bem e a grande surpresa foi quando ela perdeu para Renan por um só voto na bancada do partido de ambos, o MDB. Como uma novata como Simone Tebet quase bateu o imbatível Renan?

Dora Kramer - Autoridades abusivas

- Revista Veja

Financiar a democracia não é dar boa vida às burocracias partidárias

Pensando bem, é até bom que deputados e senadores estejam propondo um assalto ao trem pagador das despesas públicas ao incluir no Orçamento da União de 2020 a destinação de 3,8 bilhões de reais (ou 2,5 bilhões, tanto faz, o acinte é o mesmo) para o fundo eleitoral, que somados aos mais de 900 milhões do partidário dariam aos políticos quase 5 bilhões de reais para o financiamento da próxima campanha eleitoral, de prefeitos e vereadores.

E por que é bom? Porque a explicitação de um abuso dessa natureza por parte das autoridades legislativas dá margem a que nos perguntemos se, afinal de contas, temos de pagar pelo que chamam de “financiamento da democracia”, mas que na realidade significa financiar as burocracias partidárias.

Talvez seja uma boa hora esta agora para discutir se é o caso de o público pagante de impostos continuar dando boa vida a entidades de direito privado que se valem do dinheiro público sem entregar mercadoria de qualidade. Quando suas excelências radicalizam de lá, abrem espaço para que a sociedade radicalize de cá e, assim, se resolvam questões pendentes no cabide da inércia.

Monica de Bolle* - Nem nacionalismo nem ultraliberalismo

- Revista Época

Ressuscito a era Dilma e a época áurea da substituição de importações por uma razão: há muitos motivos que podem levar a mudanças políticas traumáticas

O Brasil e, de modo mais geral, a América Latina são profundos conhecedores das mudanças traumáticas de regimes políticos. Para que fique claro, não considero a mudança de Mauricio Macri para Alberto Fernández recém-ocorrida na Argentina “traumática”, ainda que o país vizinho esteja novamente engalfinhado numa crise econômica. As mudanças traumáticas a que me refiro são os golpes militares dos anos 1960 e 1970 e, na história recente brasileira, o impeachment de Dilma Rousseff.

Como tenho abordado neste espaço, estou estudando a volta do nacionalismo econômico e tenho me aprofundado em estudos de caso selecionados desde o início do século XX. Recentemente, andei relendo a literatura sobre a industrialização por meio da substituição de importações (ISI), com um olhar especial para os casos do Brasil e da Argentina nos anos 1940 e 1950. O estudo de medidas de cunho nacionalista no âmbito da ISI me levou às leituras sobre a extensão dos problemas econômicos causados por esse modelo de desenvolvimento — industrializar substituindo produtos importados — e às relações entre esses problemas e a primeira fase de mudanças traumáticas na região durante o pós-guerra. Há muitas formas de analisar a ISI. Mas o pensador que melhor definiu os problemas desse modelo de desenvolvimento, tão disseminado na região, foi o economista e cientista social Albert O. Hirschman. O alcance de sua análise se deve, primeiro, a sua nítida abertura de pensamento e aversão ao reducionismo. O modelo da ISI, ao contrário do que muitos afirmaram nos anos 1960 e 1970, não sofreu um “esgotamento”, conforme analisou Hirschman. Fosse assim, as políticas que Dilma ressuscitou — os campeões nacionais com dinheiro do BNDES e a preocupação extrema com a desindustrialização, suscitando ações que muito remetiam ao passado — não teriam tido o apoio temporário do empresariado industrial brasileiro.

Rogério L. Furquim Werneck* - Festival de desatinos

- O Estado de S.Paulo / O Globo

Sucesso em áreas-chave para sairmos da crise depende de que o Brasil continue a ser percebido como um país sério

Que efeito uma nomeação desastrosa para a Funarte poderá vir a ter sobre o investimento estrangeiro em projetos de infraestrutura? Tivesse sido feita há um ano, tal indagação teria causado espanto e levantado sérias dúvidas sobre a sanidade de quem teria sido capaz de formular semelhante pergunta. Passados 12 meses, contudo, é triste constatar que a indagação já não parece tão estapafúrdia assim. Mas quem, em sã consciência, poderia imaginar no final do ano passado as proporções dos infindáveis desatinos que agora vêm pautando não só a gestão da Funarte, como a de muitos outros segmentos importantes do governo federal?

A Fundação Nacional de Artes é um órgão que tem como objetivo fomentar produção, prática, desenvolvimento e difusão das artes no País. Como amplamente divulgado, seu recém-nomeado presidente tem externado ideias ensandecidas sobre amplo leque de questões, nem sempre relacionadas ao campo de atuação da Funarte. Faz apaixonada profissão de fé na ideia de que a Terra é plana. E está convicto de que o rock é um gênero musical que induz ao satanismo.

Claudia Safatle - Há mais rigidez na rigidez orçamentária

- Valor Econômico

O ajuste será em pessoal, no social ou nos investimentos

O governo tem sido demasiadamente econômico nas informações sobre aonde pretende chegar com o ajuste fiscal. Não se sabe, por exemplo, o que vai acontecer com a despesa pública até 2026 - primeiros dez anos de vigência da lei que estabeleceu o teto para o gasto. E, até que ponto, os gastos sociais estarão preservados de eventuais cortes para reduzir a despesa primária, exclusive transferências federativas, dos atuais 19,8% do PIB para a faixa dos 17,1% do PIB, trajeto necessário para cumprir a lei do teto de gasto.

Ao explorar os números do orçamento executado de 2018 e a tendência do gasto no futuro, seja ele corrigido pela inflação, seja pela variação do PIB, é possível identificar quais são as reais possibilidades que estão à mão dos gestores da política econômica. O analista do Senado e especialista em contas públicas Leonardo Ribeiro, assessor do senador José Serra (PSDB-SP), fez esse trabalho.

Diante do esmagamento das despesas discricionárias - a ponto de não haver mais cafezinho nos ministérios -, é difícil imaginar que todo o ajuste sairá de lá, mesmo que o governo opte por zerar o gasto com investimentos, que foram de R$ 42,49 bilhões em 2018, mas caem para cerca de R$ 19 bilhões no Orçamento de 2020.

A área econômica já concluiu que é preciso centrar o foco do ajuste nas despesas obrigatórias. A primeira ofensiva foi na reforma da Previdência Social, conquista importante, mas que apenas desacelera o ritmo de crescimento das aposentadorias e pensões.

O segundo passo, que seria a reforma administrativa e, com ela, uma nova política de recursos humanos que resultasse em freios no crescimento da folha de salários, foi adiado para o próximo ano. E, ao que tudo indica, o presidente Jair Bolsonaro não concordou com a dureza das providências concebidas pela equipe do Ministério da Economia. Aliás, Bolsonaro tem dito a Paulo Guedes que “não dá para ganhar todas”.

César Felício* - O brasileiro, um apaixonado pelas redes

- Valor Econômico

Preocupação com manipulação nas redes é pequena

É possível imaginar o Brasil como um dos países mais tolerantes do mundo? A resposta é sim, de acordo com a pesquisa “Democracias sob Tensão”, divulgada na edição de anteontem pelo Valor. A leitura completa do levantamento feito em 42 países, com dados recolhidos no fim do ano passado permite chegar a esta conclusão, o que é mais sugestivo do deplorável estado da convivência com os diferentes que o mundo se encontra do que revelador sobre o caso brasileiro. Afinal, se é tolerante o Brasil em que neopentecostais armados atacam terreiros de candomblé, como noticiou recentemente o “Washington Post”, é de se imaginar o que se passa alhures.

Segundo o levantamento, o Brasil é o país com o maior percentual de entrevistados que afirma não se incomodar com pessoas que tenham opiniões políticas diferentes das suas: 59%, ante 47% da média global. Também é o que aparece em primeiro quando a pergunta é sobre o incômodo em relação a posições religiosas diferentes das próprias. Dos brasileiros, 55% diz não se importar, na França este índice é 38%.

É alto também, inferior apenas ao observado no Japão, o percentual de brasileiros que não ficam perturbados com pessoas com orientações sexuais diferentes das suas: 45%, ante 33% da média global.

Só há dois temas em relação aos quais o brasileiro se mostra um pouco menos tolerante: 65% declaram-se contra o aborto, ante 30% de média global; e apenas 10% dos pesquisados no Brasil têm reações positivas ao saber que uma pessoa é ateia. Na Bélgica este índice sobe para 28%. O fato de alguém ter religião no Brasil - qualquer uma - é recebido de maneira entusiasmada pela oposição. A reação positiva é de 35% diante de um evangélico (a média global é 19%), 39% perante um católico (média global 24%), 13% em relação a um muçulmano, dobro do índice dos demais países; e 20% face a um judeu, ante 9% em Portugal.

José de Souza Martins* - Educação é missão emancipadora e não mercadoria enlatada

- Eu & Fim de Semana | Valor Econômico

Pesquisa privilegia o que é relevante para o sistema econômico, para a amoralidade do meramente lucrativo

É insuficiente o conhecimento de nossos jovens de disciplinas escolares supostamente decisivas: leitura, matemática e ciências. É o que sugere a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) com os dados do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, de 2018) recém-divulgados. Culpa de quem? Dos educadores? Das escolas? Dos pais das crianças? Culpa dos despistadores ideológicos das opostas tendências que tem tutelado a consciência do povo para dominá-lo, como agora, e não para emancipá-lo?

Na verdade, culpa do viés da própria pesquisa, de quem a promove, pois omite aspectos decisivos da autêntica educação, os das disciplinas propriamente formativas das novas gerações, os da educação para a liberdade e a responsabilidade social. A pesquisa privilegia o que é relevante para o sistema econômico, para a amoralidade do meramente lucrativo.

Uma orientação esclarecedora de seus motivos é a da preocupação com educação financeira. Seu fundamentalismo materialista e anti-humanista opõe-se à concepção civilizadora de que só espíritos livres, conscientes e bem formados na compreensão da realidade social e humana podem ser bons em linguagem, em matemática, em ciências. A educação lucrativa é sem vida. A vida é a referência criadora em todos os campos do conhecimento.

Fernando Abrucio* - Bolsonaro, um reacionário contra o futuro


- Eu &Fim de Semana / Valor Econômico


Continuar uma política que venera um passado idílico e que abomina os temas do século XXI é uma estratégia que condena o país ao fracasso

Acostumado a ser visto como o país do futuro, o Brasil está sendo governado com os faróis voltados para trás. Eis aqui uma característica marcante do primeiro ano de mandato: a preferência do presidente pelo passado e por (certas) ideias antigas, em contraposição às preocupações com os temas e questões mais vinculadas ao século XXI. Uma frase define tudo isso: Bolsonaro é um reacionário contra o futuro.

O presidente e seus ministros ou assessores estão a todo momento lutando contra algo “moderno” e defendendo o retorno das “tradições”. Conceitos que possam significar uma nova forma de ver uma realidade que está em mutação geralmente são malvistos pelo bolsonarismo.

O paradoxal desse discurso é que seu meio principal de propagação são as moderníssimas redes sociais. Assim, usando o Twitter do Carlucho (o Zero 2), o WhatsApp dos caminhoneiros, os programas televisivos dos evangélicos bolsonaristas e as “lives” do próprio Bolsonaro podem ser apresentados argumentos em prol de um passado idílico e são criticadas diversas modernidades que nos tirariam do rumo certo e da ordem natural das coisas.

Os exemplos de reacionarismo contra o futuro são vários. A luta contra as evidências que explicam as mudanças climáticas é um dos casos mais graves. O presidente, seu dileto ministro do Meio Ambiente e outros assessores já disseram, de um modo ou de outro, que não acreditam na opinião majoritária da comunidade cientifica.

Alguns dos aliados e gurus já falaram, inclusive, que a Terra é plana. O descaso com a ciência talvez tenha um sentido ainda maior: cientistas são “perigosos” na elucidação das ilusões do passado e realçam que os desafios do futuro trazem problemas novos, que exigem novas respostas.

Reinaldo Azevedo - Um bezerro feito de cartuchos de bala

- Folha de S. Paulo

Mais instruído, autoritarismo de Moro vai além da bolha da extrema direita e ambiciona ser um método

O presidente Jair Bolsonaro concorre para degradar a qualidade da experiência democrática em muitas áreas do governo, mas não ameaça o regime democrático. Com Sergio Moro é diferente. Ele representa um risco real ao sistema de garantias individuais e públicas. Seu autoritarismo é mais instruído, vai além da bolha da extrema direita e ambiciona ser um método.

No dia em que Bolsonaro deixar o governo, esteja a economia como estiver, haverá um rastro de depredação da ética, da estética e da razão, perpetrada pelos terraplanistas de Olavo de Carvalho e outras mixuruquices da periferia do capitalismo, que aparelharam fatias do Estado. O trabalho de desintoxicação será relativamente rápido.

Moro é o insidioso que se esgueira nas dobras do combate à corrupção. Ele tenta mudar os códigos, literais e metafóricos, do Estado democrático e de Direito. Suas barbaridades passam por bom senso em certos setores da imprensa, severos com Bolsonaro, mas servis ao dito paladino da moralidade.

Na agressiva entrevista publicada pela Folha nesta quinta (12), Moro tem a ousadia, por exemplo, de atribuir ao STF a responsabilidade pelo fato de 50% dos entrevistados pelo Datafolha considerarem ruim ou péssimo o combate à corrupção levado a efeito pelo governo. A soltura de presos em razão do que dispõe a Constituição —e ele pensava em apenas um: Lula— teria distorcido a avaliação, ainda que 54% dos entrevistados considerem justa a liberdade concedida ao ex-presidente.

Fernando Gabeira* - Um ano pela extrema direita

- O Estado de S.Paulo

O governo Bolsonaro é tosco e despreparado para a complexidade do Brasil e do mundo

Hoje, 13 de dezembro de 2019, até que aqui tudo bem. Em termos, quero dizer. Não decretaram o AI-5 nem massas se revoltaram, como no Chile, apesar dos apelos. O drama se fragmenta em morte de adolescentes em Paraisópolis e assassinato de índios guajajaras no Maranhão.

As pessoas compram presentes e se preparam para o Natal, como o fizeram em dezembro de 1968. E os articulistas fazem o balanço de 2019.

Há muitas formas de analisar o primeiro ano de Bolsonaro no poder. Os mais otimistas veem a economia se recuperando, saúdam a redução dos índices de criminalidade, aprovam a gestão na infraestrutura. Não são apenas essas variáveis que definem o País. Se olhamos de fora para dentro, veremos que o prestígio internacional do Brasil caiu, embora não tenha ainda atingido os negócios.

Bolsonaro começou duvidando da relação com a China. Disse algumas coisas atravessadas, como os chineses comprando o Brasil, mas a resposta de lá foi tranquila. Trabalham com projetos de longo prazo, não se importam muito com os arroubos de estreantes. Agora, no final do ano, Bolsonaro afirmou que serão positivas as relações futuras Brasil-China e os dois países até já anunciam o lançamento de um satélite.

Bolsonaro começou amando Trump. Reaproximou o Brasil dos EUA e sempre esperou muito desse romance. Ao não ser indicado para a OCDE pelos EUA, houve um certo desencanto. Mas a verdade é que o próprio governo brasileiro superestimou a promessa. Não era imediata: a Argentina estava na frente.

Outro grande desencanto veio com o anúncio de Trump de taxar o aço e o alumínio do Brasil. A decisão econômica não é das mais interessantes para os americanos, apesar de seu pequeno valor eleitoral. Mas não foi tanto pela economia que Trump desencantou os admiradores locais, ele acusou, injustamente, o Brasil de manipular o câmbio, e nem se deu ao trabalho de ligar antes para Bolsonaro.

Míriam Leitão - Sexta-feira 13, 51 anos depois

- O Globo

AI-5 faz 51 anos e deveria ser assunto pacificado, mas voltou à pauta em função do sonho autoritário dos que hoje ocupam posição de poder

Numa sexta-feira 13, há exatamente 51 anos, o AI-5 caiu sobre o país como um viaduto. O Brasil era outro. Dos brasileiros de hoje, 76,21% não haviam nascido. São 160,2 milhões de brasileiros nascidos depois daquele dia. Pelo tempo passado e pela renovação populacional, esse deveria ser um assunto esquecido e pacificado. Mas o AI-5 foi um dos assuntos mais falados no país este ano, em função do estranho sonho autoritário de pessoas que hoje ocupam posição de poder.

Há vários mitos sobre a ditadura que andam sendo repetidos numa demonstração de que é preciso voltar a falar do assunto. Os militares chegaram dizendo que ficariam pouco tempo e ainda hoje alguns grupos defendem que o regime foi brando. Não existe ditadura suave e a dinâmica do caminho autoritário é incontrolável.

O general Castello Branco dizia que o regime seria temporário e ele durou 21 anos. O primeiro Ato Institucional foi apresentado como sendo o único e houve 17. O AI-5 duraria um ano, durou 10. O SNI seria apenas um pequeno serviço de inteligência e, como registra Elio Gaspari, virou um “monstro” na definição do seu próprio criador, Golbery do Couto e Silva. No final tinha seis mil funcionários, escritórios em cada ministério, em cada órgão estatal, envolveu-se em inúmeras maracutaias, do garimpo na Amazônia às negociatas com café.

O país não estava “indo para o comunismo”, mas sim vivendo um governo de muita instabilidade e que se aproximava do seu final. No ano seguinte haveria uma eleição em que se enfrentariam Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda, com grande chance de vitória do primeiro. Os dois se juntaram depois na Frente Ampla, que incluiu também João Goulart, uma aliança impensável entre o golpista Lacerda e o presidente deposto. Eles passaram por cima das diferenças pela causa comum do retorno à democracia. A frente foi proscrita pelo governo no interminável ano de 1968.

Alberto Aggio* - As lacunas e os equívocos de Marcos Nobre

- Portal Cidadania 23 (Publicado 10/12/2019)

Marcos Nobre é um ensaísta cada vez mais requisitado pela mídia. Seus méritos acadêmicos são inquestionáveis. Contudo, no plano da análise política nem sempre estou de acordo com ele. O artigo “Contagem Regressiva” (veja aqui) que ele publica na revista Piauí (edição 159, dezembro de 2019; indicado abaixo) evidencia mais uma vez muitos desacordos. O principal deles é que sua referência maior para o “campo democrático” é a oposição ao governo Bolsonaro por ser este “contra a democracia”. Estamos de acordo com essa formulação. No entanto, ela ilude e não apreende a realidade política como ela realmente é. Na nossa concepção, o “campo democrático” tem também a tarefa de combater também o partido (e suas lideranças) que criou um sistema de corrupção jamais visto na nossa história, o que comprometeu profundamente a crença da sociedade na política democrática. E isso, sem dúvida, abriu passagem para a vitória de Bolsonaro e a afirmação do Bolsonarismo.

Essa leitura não é sequer considerada na análise de Marcos Nobre. Dai fica difícil apreender a situação como realmente ela se mostra. Nobre chancela a posição de Lula ao rejeitar o pedido de autocrítica do PT. Esse posicionamento do analista anula qualquer possibilidade de conversa entre forças democráticas. Aliás, em nenhum momento o PT é responsável pela crise em que estamos metidos como país. Na leitura do artigo, o lugar do centro vem na fala de Jorge Bornhausen e isso me parece injustificadamente provocador não fosse absolutamente lacunar.

Caetano Araújo* - Radicalidade e flexibilidade – reflexões a partir do texto do Marcos Nobre

- Portal Cidadania 23 (Publicado 11 /12/ 2019)

Seguem algumas reflexões inspiradas no texto do Nobre e nos comentários do [Alberto] Aggio. Divido meus argumentos em três tópicos distintos: a questão central da agenda política, qual o espaço que lutamos por ocupar e que políticas de aliança devemos implementar.

1 – Qual a questão central da agenda política hoje no Brasil? A democracia ou a corrupção? Na minha opinião, e nisso concordo com Nobre, a questão democrática é a central. Em termos gerais, porque, sempre, sem democracia não há luta contra a corrupção. Em termos específicos porque a democracia está hoje sob ameaça nesse país, ameaça que parte do governo legitimamente eleito há um ano atrás. Claro que a corrupção mina a legitimidade das instituições e constitui, também, uma ameaça à democracia, no longo prazo. Para usar uma metáfora médica, a corrupção seria comparável à situação de anemia profunda e devemos combatê-la. Mas estamos também sob ameaça de um câncer, com possível metástase imediata. Devemos, portanto, ao mesmo tempo, defender a democracia e combater a corrupção e é possível que nossos aliados não sejam os mesmos nessas duas frentes de luta.

2 – Qual o campo político que queremos construir, nas ruas, nos legislativos, nas eleições? Tenho reservas com o uso da expressão centro, mesmo que qualificado como democrático, progressista, radical ou extremo. Penso que essa metáfora espacial era adequada no tempo em que a política estava dominada pelas oposições esquerda e direita e democracia e autoritarismo. Hoje, num mundo em que outras dimensões polarizam a política, como as questões da sustentabilidade e do cosmopolitismo, essa metáfora perde precisão. Tanto é assim que quando falamos em centro precisamos quase sempre especificar quem está dentro e quem está fora desse campo.

Por que a ideia de que o AI-5 foi uma reação à esquerda é um mito



O que a mídia pensa – Editoriais

Avanço civilizatório – Editorial | Folha de S. Paulo

Câmara aprova marco do saneamento, que amplia concorrência e enfrenta atraso

Após longo período de impasse, a Câmara dos Deputados conseguiu aprovar o texto-base do projeto que moderniza o marco regulatório do saneamento nacional e abre espaço para maior participação da iniciativa privada no setor.

O passo adiante, porém, não veio sem riscos, pois a decisão regimental foi descartar o texto que veio do Senado em favor da alternativa originada na Casa, de modo a assegurar que a última palavra fique com os deputados.

A decisão decorre da percepção, não infundada, de que o tema vem encontrando mais resistências entre os senadores. Mas a consequência pode ser exacerbar o conflito e alongar ainda mais a tramitação.

De fato, o projeto da Câmara, apoiado pelo governo Jair Bolsonaro e iniciado após a expiração de uma medida provisória de teor similar, mostra-se mais ambicioso.

Música | Roberta Sá - Fogo de Palha

Poesia | Fernando Pessoa - Estou

Estou tonto,
Tonto de tanto dormir ou de tanto pensar,
Ou de ambas as coisas.
O que sei é que estou tonto
E não sei bem se me devo levantar da cadeira
Ou como me levantar dela.
Fiquemos nisto: estou tonto.

Afinal
Que vida fiz eu da vida?
Nada.
Tudo interstícios,
Tudo aproximações,
Tudo função do irregular e do absurdo,
Tudo nada.
É por isso que estou tonto ...

Agora
Todas as manhãs me levanto
Tonto ... Sim, verdadeiramente tonto...
Sem saber em mim e meu nome,
Sem saber onde estou,
Sem saber o que fui,
Sem saber nada.

Mas se isto é assim, é assim.
Deixo-me estar na cadeira,
Estou tonto.
Bem, estou tonto.
Fico sentado
E tonto,
Sim, tonto,
Tonto...
Tonto.