- Valor Econômico
O ajuste será em pessoal, no social ou nos investimentos
O governo tem sido demasiadamente econômico nas informações sobre aonde pretende chegar com o ajuste fiscal. Não se sabe, por exemplo, o que vai acontecer com a despesa pública até 2026 - primeiros dez anos de vigência da lei que estabeleceu o teto para o gasto. E, até que ponto, os gastos sociais estarão preservados de eventuais cortes para reduzir a despesa primária, exclusive transferências federativas, dos atuais 19,8% do PIB para a faixa dos 17,1% do PIB, trajeto necessário para cumprir a lei do teto de gasto.
Ao explorar os números do orçamento executado de 2018 e a tendência do gasto no futuro, seja ele corrigido pela inflação, seja pela variação do PIB, é possível identificar quais são as reais possibilidades que estão à mão dos gestores da política econômica. O analista do Senado e especialista em contas públicas Leonardo Ribeiro, assessor do senador José Serra (PSDB-SP), fez esse trabalho.
Diante do esmagamento das despesas discricionárias - a ponto de não haver mais cafezinho nos ministérios -, é difícil imaginar que todo o ajuste sairá de lá, mesmo que o governo opte por zerar o gasto com investimentos, que foram de R$ 42,49 bilhões em 2018, mas caem para cerca de R$ 19 bilhões no Orçamento de 2020.
A área econômica já concluiu que é preciso centrar o foco do ajuste nas despesas obrigatórias. A primeira ofensiva foi na reforma da Previdência Social, conquista importante, mas que apenas desacelera o ritmo de crescimento das aposentadorias e pensões.
O segundo passo, que seria a reforma administrativa e, com ela, uma nova política de recursos humanos que resultasse em freios no crescimento da folha de salários, foi adiado para o próximo ano. E, ao que tudo indica, o presidente Jair Bolsonaro não concordou com a dureza das providências concebidas pela equipe do Ministério da Economia. Aliás, Bolsonaro tem dito a Paulo Guedes que “não dá para ganhar todas”.
Ao esmiuçar a despesa primária total abatida das transferências, de R$ 1,35 trilhão, os gastos obrigatórios realizados no ano passado que perfazem 89% da despesa, e os discricionários que se limitaram a 11% do total, Ribeiro, chama a atenção para o que ele qualifica de “a rigidez da rigidez” do Orçamento.
Do total do gasto obrigatório, de R$ 1,2 trilhão, 69,1% são o que se agrupa como gasto social. Este engloba a Previdência, o Sistema Único de Saúde (SUS), a educação, o Benefício de Prestação Continuada (BPC), o seguro-desemprego e o abono salarial. Outros 24,7% se referem à folha de salários e aposentadorias do setor público. Esses dois itens respondem por 93,8% da despesa primária do governo federal.
Há de se convir, portanto, que o que sobra de recursos livres é muito pouco: 6,2% do Orçamento. Mas nesse percentual há gastos bastante rígidos, como os 2,5% de pagamento de precatórios e as despesas de custeio nas áreas da defesa (orçamento dos militares), da segurança pública (sob a gestão do ministro da Justiça, Sergio Moro), com a agricultura e com o financiamento eleitoral.
É legítimo considerar que nessas áreas o gasto é obrigatório, até pelos interesses que ferem como o orçamento da agricultura, cujo corte teria que ser avalizado pela bancada ruralista, assim como os demais teriam que ser negociados com segmentos de forte representação política.
Um olhar mais acurado na folha de salários do setor público no ano passado - de R$ 297,55 bilhões - mostra que 43,4% foram despesas com os inativos, 54,3%, com os ativos, e a parte restante decorreu de pagamento de precatórios. Os servidores estão assim distribuídos: 37% estão ocupados na área social, 21%, na áreas da defesa e da segurança pública e 20% dos ativos estão alocados no Judiciário e no Legislativo. Os 20% restantes estão espalhados pelas demais pastas do Executivo.
A folha é a segunda maior despesa pública obrigatória, depois da Previdência Social. Da parcela das despesas com ativos, cerca de 15,5% foram gastos com pessoal da área de defesa, 20%, com os servidores da Justiça e do Poder Legislativo, e 36,8%, com o funcionalismo da área social, além dos 22,3% que foram destinados à folha de salários de todas as demais áreas do Poder Executivo.
Nessa distribuição fica mais fácil perceber onde estão as despesas mais rígidas, inflexíveis. Há, segundo Ribeiro, algo como 12% do gasto com funcionalismo com alguma flexibilidade para cortes.
Os gastos sociais consumiram R$ 834,1 bilhões, sendo que 70,5% corresponderam às despesas com a Previdência Social, 9,95% foram para a saúde (SUS), 2,8%, para a educação (Fundeb e alimentação escolar no ensino básico), e 10,2%, para a assistência social (Bolsa Família e BPC). A parte destinada ao seguro-desemprego e ao abono salarial representou 6,45% do total. No ano passado também foram pagos R$ 30,4 bilhões em precatórios.
Espremidas no Orçamento estão as despesas discricionárias, que no ano passado somaram R$ 149,7 bilhões, responsáveis por 11% do gasto primário total. Dessas, 64% foram para o custeio, 28% financiaram investimentos e a parcela restante foi destinada a gastos com inversões financeiras (programa moradia digna e integralização de cotas em organismos internacionais, dentre outras).
O que fica claro nesse mergulho nas despesas públicas é que para se fazer o ajuste até 2026 (de 0,3% do PIB por ano até lá), cumprindo a Lei do Teto de Gastos, dificilmente o governo conseguirá preservar inalterados em valores reais os gastos sociais. A não ser que, como disse Leonardo Ribeiro, ele esteja disposto a fazer cortes draconianos nas despesas de pessoal e a “fritar” os investimentos que ainda restam.
Essa é uma questão que - por mais que seja um tabu se falar em corte de gastos sociais em um país com o grau de desigualdade como o nosso - deveria estar na pauta das discussões sobre o futuro da política fiscal.
Até o momento, no entanto, ninguém se habilitou a levantar esse debate. O governo é o menos interessado em levar o assunto adiante.
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