Avanço civilizatório – Editorial | Folha de S. Paulo
Câmara aprova marco do saneamento, que amplia concorrência e enfrenta atraso
Após longo período de impasse, a Câmara dos Deputados conseguiu aprovar o texto-base do projeto que moderniza o marco regulatório do saneamento nacional e abre espaço para maior participação da iniciativa privada no setor.
O passo adiante, porém, não veio sem riscos, pois a decisão regimental foi descartar o texto que veio do Senado em favor da alternativa originada na Casa, de modo a assegurar que a última palavra fique com os deputados.
A decisão decorre da percepção, não infundada, de que o tema vem encontrando mais resistências entre os senadores. Mas a consequência pode ser exacerbar o conflito e alongar ainda mais a tramitação.
De fato, o projeto da Câmara, apoiado pelo governo Jair Bolsonaro e iniciado após a expiração de uma medida provisória de teor similar, mostra-se mais ambicioso.
Começa por estabelecer a Agência Nacional de Águas (ANA) como órgão regulador do setor, com responsabilidade de definir parâmetros técnicos e econômicos dos contratos de concessão, e permite que a prestação dos serviços transite para um regime concorrencial de forma mais célere.
Em acordo com a oposição, foi preservada para os governos locais, até março de 2022, a opção de estender os contratos de programa vigentes —aqueles celebrados com estatais sem concorrência— por mais 30 anos. Em contrapartida, esses contratos precisarão incluir metas.
Impressiona que restem defensores do modelo atual, que ainda mantém 100 milhões de brasileiros sem acesso ao saneamento básico. Essa deplorável situação está ligada à má regulação e ausência de critérios claros.
Estudo da Fundação Getulio Vargas, que analisou 1.080 contratos existentes no Sudeste entre companhias estaduais de saneamento e municípios, mostrou que mais da metade carece de metas de prestação dos serviços. No Rio de Janeiro, 98% dos contratos com a Cedae, a estatal local, estão nessa situação.
É justamente essa lacuna que o projeto da Câmara busca sanar, ao estabelecer padrões que devem balizar todas as novas concessões, que contarão com participação de empresas privadas.
Consta do texto também o objetivo de universalização dos serviços, com 99% dos domicílios atendidos com água potável e 90% com coleta e tratamento de esgoto até 2033. Em áreas sem viabilidade econômica, o prazo é mais longo, até 2040.
O risco de comunidades pobres ficarem desassistidas também já foi suficientemente mitigado com a previsão de que a formação de áreas de atendimento ficará a cargo dos estados, o que desagrada a muitos prefeitos —que querem manter suas indicações políticas.
Esgotou-se há muito o espaço para tal atitude. Seja qual for o caminho regimental escolhido, que se aprove o projeto o quanto antes.
Crise na saúde do Rio era previsível – Editorial | O Globo
Defensoria e Ministério Público fazem bem em pedir a instalação de gabinete para enfrentar o colapso
A grave crise que levou a saúde do Rio ao colapso não resulta de um mal súbito. Ao contrário. Os sinais de debilidade — revelados diariamente no precário funcionamento das unidades da rede municipal ou na via-crúcis de doentes por hospitais e UPAs em busca de atendimento — eram evidentes há meses. Mas o que a prefeitura fez para evitar que o quadro se agravasse? Nada. Não surpreende portanto que essa situação de anomia tenha desembocado no caos atual, com funcionários sem receber, hospitais fechando emergências e pacientes totalmente desamparados.
Se a crise financeira é uma realidade, ela não explica por si só a calamidade na saúde. Primeiro, porque a penúria, consequência da aguda recessão de 2015/16, não é uma exclusividade do Rio, tendo atingido indistintamente todas as unidades da Federação. E as redes de outros estados não estão em coma. Ademais, a capital fluminense é beneficiada pelos royalties do petróleo. Mas a atual situação de descalabro sugere que a prefeitura possa ter cometido os mesmos erros do estado nos governos Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão — usar receitas flutuantes em gastos engessados, como o pagamento de benefícios.
A propósito, têm razão a Defensoria Pública do Estado e o Ministério Público quando questionam a gestão da saúde no Rio e cobram mais transparência. Segundo a coordenadora de Saúde e Tutela Coletiva da Defensoria, Thaisa Guerreiro, não faltaram recursos. A questão é que eles foram destinados a áreas não prioritárias. Já o promotor Pedro Borges diz que é importante tornar claras as escolhas, para que não fiquem dentro de uma caixa-preta.
De fato, cariocas que peregrinam por hospitais que agonizam têm o direito de saber como o prefeito Marcelo Crivella está gastando o dinheiro do contribuinte e quais as prioridades de sua gestão — se é que as tem.
De qualquer forma, diante de uma situação de emergência, é preciso agir. Defensoria e Ministério Público pedem a instalação de um gabinete de crise, com autonomia para gerir um plano de emergência contra o caos na rede municipal. O governador Wilson Witzel também criou um grupo de trabalho para enfrentar o problema — até porque a rede estadual, que tem suas deficiências, fica sobrecarregada.
Já o prefeito Crivella precisa tomar medidas à altura de uma crise que está matando — crise, aliás, que ele sequer reconhece. Ir a Brasília de pires na mão é patético. Não que não possa haver ajuda federal, mas nada que contrarie normas fiscais. É necessário que a autoridade trabalhe no plano administrativo para restabelecer o funcionamento das emergências.
Certamente não há solução mágica. Devolver à rede municipal condições mínimas para um atendimento digno à população requer uma série de medidas. Entre elas, gestão e vontade política, que, tanto quanto profissionais de saúde, medicamentos e insumos, parecem estar em falta na saúde do Rio.
A coincidência entre a queda do risco do país e os juros reais abaixo de 1% - Editorial | O Globo
Começa a ficar visível uma conjunção muito positiva de fatores econômicos
A subida do dólar, impulsionada por um conjunto de fatores — a América Latina voltando a ser América Latina; idas e vindas na guerra comercial Trump/China; um presidente brasileiro imprevisível etc.—, e a disparada do preço da carne, resultado da mudança de cardápio dos chineses para compensar a eliminação da criação de porcos contaminados pela febre suína, não fizeram o Conselho de Política Monetária (Copom), do Banco Central, reduzir o ritmo de cortes de 0,5 ponto percentual na taxa básica de juros, a Selic. Desta vez, para 4,5%.
O Brasil ficou ainda mais parecido com um país normal, em que atividade econômica baixa requer corte nos juros. Algo possível porque o Ministério da Economia segue os caminhos da sensatez e executa uma política fiscal dura (controle dos gastos). No segundo mandato de Lula, em que a Fazenda estava sob controle dos “desenvolvimentistas”, e muito mais com Dilma no Planalto, não houve condições para corte de juros em bases técnicas. Eles desabaram apenas quando a presidente Dilma assim determinou, por ato de vontade. Não deu certo, é claro.
Com a redução anunciada anteontem, a quarta este ano, os juros reais brasileiros — descontada a inflação — caíram para abaixo de 1% (0,64%). Um fato inimaginável, digno de texto de ficção até há pouco tempo.
Para aumentar a sucessão de boas notícias na economia, a maior das agências classificadoras de risco, a Standard & Poor’s (S&P), melhorou a perspectiva para a economia brasileira de “estável” para “positiva”, embora o país continue cotado como BB-, em “grau especulativo”. Fato sugestivo é que a S&P foi a primeira das agências a começar a rebaixar o Brasil do “grau de investimento”, em 2015, quando os estragos fiscais da dupla Lula-Dilma começaram a produzir efeitos. Agora, é a primeira a rever para cima a avaliação do país.
Mas, como sempre, na economia nada está solucionado definitivamente. O comunicado do Copom liberado quarta-feira alerta que é necessário “cautela na condução da política monetária”. Os próximos passos continuarão a depender do maior ou menor crescimento da economia , “do balanço de riscos” e da inflação. Que se mantém baixa, apesar de tudo.
Presume-se que entre os “riscos” esteja a avaliação do apetite do governo em continuar as reformas. Esta queda vertiginosa dos juros tem um impacto fiscal enorme: no ano que vem, o Tesouro deve gastar quase R$ 100 bilhões a menos em juros da dívida — três Bolsas Família —, e a dívida que se aproximava de 80% do PIB pode retroceder para 77%. Isso deveria servir de incentivo para Bolsonaro não recuar.
O presente do BC – Editorial | O Estado de S. Paulo
O Banco Central (BC) encerra 2019 dando um presente de fim de ano para a economia, ao reduzir para 4,50% a taxa básica de juros, a Selic. O novo corte é mais um incentivo à reativação dos negócios e, mais adiante, à criação de empregos. Além disso, deve proporcionar um importante alívio financeiro ao governo. Com juros mais baixos, o Tesouro Nacional poderá economizar cerca de R$ 100 bilhões com sua dívida, no próximo ano, segundo cálculos de Brasília. O custo da dívida chegou a R$ 349,2 bilhões nos 12 meses terminados em outubro. O principal estímulo oficial à recuperação da economia tem sido, até agora, o corte de juros promovido pelo Copom, o Comitê de Política Monetária, formado por diretores do BC.
Esse trabalho foi iniciado no fim de 2016, quando a Selic estava em 14,25%. O firme declínio da inflação deu espaço à redução da taxa básica até seu mínimo histórico, alcançado com a decisão anunciada no começo da noite de quarta-feira. Os primeiros passos do ajuste, como a criação de um teto constitucional de gastos, dados no governo do presidente Michel Temer, favoreceram as expectativas de inflação em queda. Expectativas ancoradas, de acordo com o jargão do BC, foram e continuam sendo essenciais para a política de barateamento do crédito.
A redução da Selic, até agora o componente central dessa política, pode ter chegado a um limite, pelo menos por algum tempo. Não há como dizer com alguma segurança, agora, se um novo corte da taxa será decidido na próxima reunião do Copom, programada para fevereiro. Nenhuma indicação foi incluída no breve comunicado emitido pelo comitê na quarta-feira passada.
A inflação continuará bem comportada, sem romper a meta, pelo menos até 2021, segundo o cenário básico do Copom. Mas a nota menciona incertezas quanto à evolução do ciclo econômico e aos efeitos do estímulo num “contexto de transformações na intermediação financeira”. Conclusão: tudo isso recomenda cautela. No mercado, as interpretações divergiram. Para alguns analistas, o comunicado exclui a possibilidade de novo corte em fevereiro. Outros evitaram qualquer previsão. Parecem estar certos, porque a cautela é a marca também da nota.
O comunicado menciona condições internacionais favoráveis, neste momento, às economias emergentes. Pelo menos quanto às condições financeiras essa avaliação é defensável. O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) decidiu também na quarta-feira manter os juros na faixa de 1,50% a 1,75% ao ano, interrompendo mais uma vez a sequência de aumentos. O desemprego tem caído nos Estados Unidos e o consumo tem aumentado, mas o investimento privado e as exportações continuam fracos, segundo a nota divulgada. Por enquanto, conclui-se, as condições em vigor sustentam a atividade econômica e, ao mesmo tempo, dão espaço à inflação para avançar até a meta de 2%.
Cautela semelhante explica a decisão do Banco Central Europeu (BCE), anunciada ontem, de manter os juros em zero. “Uma política monetária acomodatícia ainda é necessária”, disse a nova presidente do BCE, Christine Lagarde, ex-diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI). Não se elevam os juros, por enquanto, mas tampouco se oferecem novos estímulos. Lagarde, como seu antecessor, Mario Draghi, convoca os governos para assumir a tarefa por meio de estímulos fiscais.
Ao manter juros ainda baixos, apesar dos aumentos já decididos pelo Fed, os dois maiores bancos centrais do ocidente favorecem o afrouxamento monetário no Brasil. Juros em alta nos principais mercados do mundo rico afetarão os movimentos de capitais, desviando recursos para as economias avançadas, e mexerão com o mercado de câmbio.
Se o aperto no mundo rico houvesse avançado, o BC brasileiro dificilmente poderia ter levado a Selic ao nível mais baixo de sua história. Juros mais altos nas principais economias tendem a ser, portanto, um entrave à expansão do crédito e à recuperação mais rápida da economia brasileira. Os membros do Copom sabem disso. A equipe de governo do presidente Jair Bolsonaro talvez deva dar maior atenção a esse risco.
BCs veem juros baixos por um longo período na Europa e EUA – Editorial |Valor Econômico
O crescimento global está arrefecendo, assim como o comércio internacional
No calendário das angústias dos mercados financeiros, o fim de um ano não está necessariamente relacionado ao começo do próximo. A grande chacoalhada nas ações nas bolsas em dezembro de 2018 levou o Federal Reserve a mudar a direção de sua política monetária, então em ritmo de aperto, e o Banco Central Europeu a prever um período de dificuldades ainda maiores para se livrar da estagnação e do risco de deflação. Um ano depois, tanto Jerome Powell, do Federal Reserve, quanto Christine Lagarde, que estreou nas reuniões da direção do BCE, agora diante da bonança dos mercados, traçaram cenários sóbrios, sem pessimismo, para o rumo dos juros que norteiam os negócios globais.
O Federal Reserve confirmou anteontem que não espera ter de realizar mais nenhuma ação por um tempo indeterminado - e certamente não ao longo de 2020, a julgar pelas apostas de seus membros sobre o comportamento dos juros e da inflação. Elas embutem o enigma de uma economia ainda mais potente que as demais, em suave desaceleração (de 2,2% este ano para 1,8% em 2022), com a manutenção do menor nível de desemprego em mais de meio século (3,6% e 3,7%, respectivamente) e um nível de preços que se arrastará para 2,1% em três anos.
Powell disse que o crescimento moderado americano prosseguiria, ancorado na confiança do consumidor e consumo forte, matizado por queda nas exportações e nos investimentos das empresas. Nesse mesmo período, em 2018, o presidente Donald Trump aventava a possibilidade de expelir Powell do banco, depois que os mercados acionários viveram um dos piores dezembros em muito tempo. Trump ainda continua azucrinando o presidente do Fed, mesmo com o corte dos juros que por motivos errados teimava em cobrar do banco.
A última entrevista do ano de Powell foi uma sessão de terapia no divã econômico, com longas digressões cujo objetivo se resumia à pergunta: aonde está a inflação? Em outubro, em 12 meses, o índice de gastos pessoais foi de 1,3% em outubro, e seu núcleo, que exclui energia e comida, de 1,6%. Ela se moveu só um pouco para cima, depois de cair, mesmo com um aumento do emprego e dos salários, que evoluíram de 3% a 3,5% em um ano. “A conexão entre emprego e inflação é muito mais tênue do que já foi”, explicou Powell, indo o mais longe que pôde na explicação. A boa notícia, segundo ele, é que os juros também podem ser muito mais baixos do que antes, mesmo diante de um mercado de trabalho efervescente. Esse comportamento da inflação continua sendo “um mistério”, segundo ele. Mas a perplexidade e histeria dos mercados ao fim de 2018 cedeu seu lugar agora à mesma perplexidade, mas com resignada calma.
A situação da zona do euro é a mesma de um ano atrás, assim como suas perspectivas, mas elas pareceram mais positivas ontem nos lábios da sorridente Lagarde do que nos do impassível Mario Draghi, seu antecessor na direção do BCE. Lagarde ratificou o pacote de novos estímulos monetários deslanchado em setembro - compra de títulos mensais de € 20 bilhões, juros negativos de 0,5% - e disse que ele “garante condições financeiras favoráveis para todos os setores da economia” e que essa política acomodativa “será mantida por um período prolongado de tempo”.
A zona do euro cresce muito menos que os EUA, com uma inflação ainda menor. As projeções divulgadas pelo BCE apontam que o bloco cresceu 0,2% no terceiro trimestre, encerrará o ano em 1,2%, reduzirá o ritmo para 1,1% em 2020 e chegará a 2022 com 1,4%. A inflação em novembro (12 meses) foi de 1% e não passará de 1,2% este ano. Aumentará aos poucos para 1,6% em 2022. Em tom otimista, Lagarde disse que daqui a três anos o ritmo dos preços “tangencialmente” será de 1,7%, embora ainda não seja aquele perseguido pelo BCE.
Um ano termina e outro começa com juros muito baixos nas principais economias desenvolvidas e emergentes do mundo. O crescimento global está arrefecendo, assim como o comércio internacional, devido à persistência da guerra comercial declarada pelos EUA à China. Há sinais, porém, de que a desaceleração pode não passar muito do ponto em que se encontra, se surpresas muito negativas não vierem dessa disputa ou de súbita mudança de preços dos ativos nas bolsas.
A boa notícia é que o Brasil desta vez participa da onda externa de juros muito baixos. Com a redução de ontem da Selic, a taxa real nunca esteve tão próxima de zero. Ainda que o Copom não tenha dado sinais firmes de nova redução, já é um feito notável.
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