Em um plano, a incerteza – ou quase certeza negativa – sobre a capacidade da presidente Dilma Rousseff de administrar as demandas e as contradições da base governista da Câmara e do Senado e, por extensão a perspectiva da emergência de tensões agudas entre o Executivo e o Congresso ao longo de seu governo. Em outro plano, os persistentes índices de avaliação social crítica da atuação e do próprio papel do Legislativo – em face da dependência praticamente completa de suas decisões ao governo, e reforçados por sucessivas denúncias de irregularidades envolvendo sobretudo parlamentares dos partidos da base mas também dos oposicionistas. A combinação das variáveis desses dois planos tem trazido para a ordem do dia do debate institucional o conteúdo e a prática do “presidencialismo de coalizão” – expressão cunhada em 1988 pelo cientista político Sérgio Abranches para definir o tipo ou modelo peculiar de governabilidade do Brasil gerado pela última Constituinte – que terminou subordinando a preparação do parlamentarismo a um fecho presidencialista. No qual os Decretos-Leis do Executivo do regime autoritário foram substituídos por Medidas Provisórias (MPs) dos presidentes eleitos.
Esse debate passou a incluir as avaliações de amplo estudo acadêmico coordenado pelo professor da USP e cientista político José Álvaro Moisés, que foi lançado sexta-feira da semana passada pela internet (em formato de e-book), com o título “O papel do Congresso Nacional no Parlamentarismo de Coalizão”. A tese central do estudo – segundo reportagem/entrevista de Ivan Marsiglia, no Estado de S. Paulo, de domingo último - “é que a democracia incorporou a hipertrofia herdada do período militar”. “A hipertrofia do Executivo sobre o Legislativo é tal no Brasil de hoje – assinala o coordenador do estudo – que o presidente praticamente define a agenda das duas Casas, a partir dos líderes e da composição das mesas. E, além das MPs, ele tem a prerrogativa exclusiva de definir o orçamento e a famosa possibilidade de pedir “urgência” ou até urgência urgentíssima. É o recurso do recurso”. O problema básico da prática desse tipo de presidencialismo, apontado pelo estudo, é a montagem de alianças eleitorais tão amplas como a tecida por Lula para sua candidata presidencial, sem compromisso correspondente com um programa. O que juntou seus participantes foi a soma da alta popularidade do lulismo com o acerto de cargos, verbas e outros favores da máquina federal. Acerto (ou promessa) também predominante como critério de composição do novo governo, feita igualmente à margem de um compromisso pragmático. Comparação entre as administrações de FHC e de Lula formulada por José Álvaro Moisés: “Fernando Henrique sempre soube que o presidente sozinho não governa. No seu primeiro mandato, Lula não levou isso em consideração. No segundo ele corrigiu. A experiência do “mensalão”, desse ponto de vista, foi educativa. Lembre-se que antes de Lula assumir houve uma tentativa liderada pelo futuro ministro José Dirceu de fazer aliança com o PMDB, que Lula vetou. Seu governo ficou apoiado numa coalizão incompleta, com um ministério formado basicamente pelo PT, e se desestabilizou”.
As MPs e o Legislativo – Finalmente, o Senado vai deliberar sobre uma matéria institucional relevante: a revisão do rito das MPs. Podendo enfrentar, ao menos em parte, o principal mecanismo da prática distorcida do “presidencialismo de coalizão” e o fator maior do aviltamento das funções do Congresso - o uso abusivo dessas MPs. Nas próximas semanas, o plenário da Casa votará um substitutivo de Aécio Neves (a uma emenda do presidente José Sarney a projeto do Executivo) que restringe essas MPs: regulando o caráter de relevância e urgência das medidas propostas, o processo de tramitação e a admissibilidade delas pelo Legislativo, bem como vedando o “contrabando” de matérias estranhas à natureza da MP original. Artigo de Aécio Neves no Globo de domingo, intitulado “O dia D das MPs”, começou, assim, a justificar o substitutivo que apresentou e o empenho para sua aprovação: “Estaremos diante de uma escolha crucial entre o caminho da necessária recuperação dos princípios básicos que regem as prerrogativas essenciais do Congresso ou o adensamento de uma subserviência que não serve ao país”. E concluiu: “Como se vê este não é um tema árido, afeito apenas ao mundo da política e aos especialistas. Ele tem tudo a ver com os valores básicos do país que sonhamos e queremos ser e com o Parlamento que merecemos e podemos ter”.
Jarbas de Holanda é jornalista
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