Tenho sentido, nos
últimos dias, mais do que uma intensa simpatia, uma solidariedade
autointeressada, como colunista, por esforços de análise que tentam abrir
caminho para temas políticos de fundo, num momento em que se tem um fato que
parece encerrar em si mesmo o poder de revogar o tempo e tudo o que ele vinha
ensinando. O tarifaço que o presidente norte-americano ameaça impor ao Brasil é
um fato espaçoso que, além de parecer ocupar todo o presente, parece também
explicar o passado e prever o futuro. Ideias e personagens do nosso cotidiano
político são relidos e reinterpretados com lentes de curto alcance, que o
impacto instantâneo do acontecimento nos fornece. Todo e qualquer assunto antes
importante torna-se irrelevante ou, no máximo, um tópico daquilo que
supostamente mais interessa, isto é, o que acontecerá com a suposta disputa
entre Lula e Bolsonaro depois do tarifaço de Trump. Quem dos dois ganha ou perde
com ele tornou-se questão cuja resposta selaria a sorte do país.
Mas
o conhecimento antecipado do resultado dessa contenda interessa a quem? Parte
da parcela politizada do país (aquela parte que iguala politização e
engajamento) assegura que o desfecho interessa a todos e de preferência, já. Mesmo
que se argumente que Bolsonaro já está virtualmente fora da disputa, essa
realidade não é admitida em público pelos engajados em qualquer dos polos. Num deles
afirma-se a certeza de que será bolsonarista qualquer candidato da oposição e o
outro lado segue crendo, como se viu claramente nos últimos dias, numa
reabilitação espúria do seu líder para a disputa, através de uma ingerência infame
de Trump. Daí a convicção dos engajados
de que o grande efeito do fator Trump é atuar diretamente sobre essa disputa da
qual, ao fim e ao cabo, dependeria nosso futuro.