Folha de S. Paulo
Ninguém está a salvo da espada erguida pela
Casa Branca
Trump declarou, vezes sem conta, sua tórrida
paixão por tarifas. Celebremente, selecionou "tarifas" como sua
palavra predileta, para depois corrigir-se colocando-a atrás de
"Deus" e "amor". Na visão dele, tarifas desempenham três
funções distintas. A Tarifa-Bolsonaro, de 50%, anunciada contra o Brasil,
enquadra-se na terceira família.
Nas suas versões de esquerda e direita, o populismo econômico destina-se a impulsionar o consumo, angariar popularidade e colher triunfos eleitorais. No fim, o resultado é sempre a explosão da dívida pública. Pela esquerda, caso do Brasil, sob o dístico "gasto é vida", os gastos públicos crescem além das possibilidades de aumento da arrecadação tributária. Pela direita, ao estilo de Trump, sob o lema de que "redução de impostos é vida", comprime-se a receita tributária a patamares inferiores às necessidades orçamentárias.
A primeira função das tarifas de Trump é
compensar a redução de impostos. O presidente imagina retroceder o relógio da
história até o final do século 19, quando as taxas sobre importações
representaram a fonte principal de arrecadação do governo dos EUA. Não
funcionará: mesmo sob políticas suicidas de cortes de despesas, o Estado
contemporâneo precisa arrecadar muito mais do que proporcionariam as tarifas
alfandegárias.
A Lei de Tarifas de 1890, proposta por
William McKinley, um herói de Trump, aumentou para 50% as taxas alfandegárias
médias dos EUA. A ideia era proteger a manufatura nacional, estimulando a
expansão industrial do país. Na época, funcionou –como, mais tarde, a
substituição de importações aceleraria a industrialização do Brasil.
A segunda função das tarifas de Trump é
provocar um renascimento manufatureiro dos EUA. Trata-se, também, de uma utopia
reacionária. Atualmente, as grandes empresas assentam seus negócios em cadeias
produtivas internacionalizadas, tirando proveito das vantagens comparativas de
diversas economias nacionais. As tarifas de Trump tendem a inflacionar a
economia doméstica sem restaurar os parques manufatureiros devastados pela
história.
"America First" —a guerra tarifária
orienta-se tanto contra adversários como contra aliados geopolíticos dos EUA.
Em princípio, ninguém está a salvo da espada erguida pela Casa Branca. Contudo,
a terceira função das tarifas é castigar governos que tornam-se alvos da ira
sagrada de Trump. A Tarifa-Bolsonaro pertence a essa família de sanções
ideológicas.
Lula tagarela
à vontade sobre soberania nacional, mas só a respeita quando lhe convém. Já
declarou apoio a candidatos estrangeiros, fez campanha para Hugo Chávez e, há
pouco, exibiu-se na mansão onde Cristina
Kirchner cumpre prisão domiciliar reivindicando a libertação da
ex-presidente. Não teria o direito moral de exigir de Trump respeito à Justiça
brasileira enquanto insurge-se contra sentenças judiciais argentinas.
Mas a Tarifa-Bolsonaro situa-se num pavilhão superior de interferência na soberania nacional. De fato, trata o Brasil como uma ditadura que emprega o sistema judicial para violar direitos humanos. Diante dela, Lula tem o dever de enrolar-se na bandeira auriverde e enfrentar a ameaça. De quebra, beneficia-se politicamente da submissão canina de Tarcísio de Freitas aos interesses de Bolsonaro que, à vista de todos, contrariam diretamente o interesse nacional.
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