Por Sergio Lamucci | Valor Econômico
SÃO PAULO - A combinação de crescimento um pouco mais forte com inflação muito baixa nos países ricos é uma "situação rara" e "provavelmente sem precedentes", que não tem uma única explicação, avalia o ex-presidente do Banco Central (BC) Arminio Fraga. Ao falar sobre o fenômeno, Arminio aponta a influência do envelhecimento da população e da perda de fôlego da produtividade, pelo lado da oferta, citando também o impacto do endividamento excessivo, em grande parte resolvido no caso das famílias americanas, mas ainda não solucionado no caso dos governos.
Além disso, há uma "certa tendência de perda de poder dos sindicatos", num cenário marcado pelo "aumento incrível" da força de trabalho mundial nos últimos 30 anos, com a integração maior da China e da Índia à economia global, avalia Arminio. Para completar, o fato de as expectativas de inflação estarem extremamente bem ancoradas nos países avançados também parece ter um papel nessa história. "É muito difícil dar uma resposta em cima de um ponto só, há várias coisas que se complementam", afirma.
Para países emergentes como o Brasil, crescimento mais forte com inflação baixa nos países desenvolvidos "é tudo de bom", na visão de Arminio, sócio da Gávea Investimentos. A combinação significa demanda maior pelos produtos brasileiros, ao mesmo tempo em que os juros externos permanecem baixos. "Mas isso tem seus limites naturais. É melhor não achar que é para sempre", adverte ele. "No momento, esse clima externo nos dá tempo para as necessárias correções de rumo político e fiscal."
A discussão sobre o assunto tem ganhado espaço porque nos EUA e na zona do euro, por exemplo, o crescimento tem sido um pouco mais expressivo, sem que a atividade mais forte se traduza em alta da inflação, como seria de se esperar. Nos EUA, o PIB cresceu no segundo trimestre a uma taxa anualizada de 3% em relação ao primeiro, mas o índice de preços ao consumidor segue extremamente comportado - em 12 meses, o núcleo do indicador, que exclui os preços de energia e de alimentos, caiu de 2,3% em janeiro para 1,7% em julho.
Arminio observa que essa situação tem sido "objeto de muito estudo e muita análise", mas o fenômeno "ainda não foi totalmente entendido". Ele começa por lembrar da lentidão da retomada depois da crise financeira global, que se agravou em setembro de 2008 com a quebra do Lehman Brothers, e da crise da dívida dos países da periferia da zona do euro, marcada por momentos de grande turbulência entre 2010 e 2012.
Essa recuperação vagarosa gerou uma grande discussão sobre as causas do problema, começando pela hipótese da estagnação secular, lançada no fim de 2013 por Lawrence Summers, ex-secretário do Tesouro americano, diz Arminio. Na visão de Summers, as economias desenvolvidas padecem de um quadro prolongado de demanda inadequada, com excesso de poupança não efetivamente canalizada para o investimento.
Outra explicação para o baixo crescimento enfatiza questões como a demografia, com o envelhecimento da população, e a desaceleração do crescimento da produtividade, fatores destacados pelo economista Robert Gordon, da Universidade Northwestern.
Arminio vê mais sentido nas ideias de Gordon. O impacto da demografia sobre o crescimento, devido ao envelhecimento da população, é evidente, segundo ele. No caso da perda de fôlego da produtividade, o ex-presidente do BC diz ter menos convicção, observando ser um campo em que é mais difícil fazer previsões.
Outra visão importante é a dos economistas Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, da Universidade de Harvard, que destacam a demora e a dificuldade em retomadas depois de crises financeiras caracterizadas por endividamento excessivo. Arminio diz que as famílias americanas já se recuperaram do problema, mas o mesmo ainda não ocorreu com as dívidas do governos dos EUA e de outros países desenvolvidos, que continuam a subir. "Isso também tem implicações sobre o crescimento."
Outro ponto importante para a discussão são os temas ligados ao mercado de trabalho, diz Arminio. Nos EUA, o crescimento não chega a ser exuberante, mas tem sido suficiente para criar um número considerável de empregos e derrubar a taxa de desocupação para níveis baixos - em agosto, o desemprego ficou em 4,4%. Com isso, a economia americana estaria entrando num território em que a inflação deveria começar a subir, segundo ele.
No entanto, não é o que tem ocorrido, como fica claro no comportamento do índice de preços ao consumidor. Arminio observa que há "uma certa tendência de perda de poder dos sindicatos", o que ocorre num momento de "integração global cada vez maior" para muitos produtos. Houve um "aumento incrível" da força de trabalho mundial nos últimos 30 anos, com a incorporação maior da China e da Índia à economia global, diz ele, para quem isso mudou a dinâmica competitiva de muitos setores.
Na Europa, a recuperação tem sido mais lenta que nos EUA, havendo mais folga no mercado de trabalho, pondera Arminio. Com isso, haveria menos motivos para a inflação subir na zona do euro.
Um outro fator mencionado por Arminio é a que as expectativas de inflação estão bem ancoradas nos países desenvolvidos, com uma convergência dos índices de preços para a casa de 2%. Segundo ele, tem sido "extremamente difícil desancorar as expectativas" para cima, mesmo com "políticas agressivas, até exóticas" adotadas pelos bancos centrais, como a definição de juros nominais negativos e o afrouxamento quantitativo (QE, na sigla em inglês, a compra de títulos para manter baixas as taxas de longo prazo, para estimular a atividade econômica).
Para Arminio, a expectativa generalizada é que os BCs vão desfazer essas políticas ultraexpansionistas. "Ninguém acredita que os governos vão estraçalhar as suas próprias moedas", diz ele.
E como deve ser a política monetária nesse ambiente de maior crescimento e inflação baixa? "Acho que ela deveria continuar mais para frouxa", responde o ex-banqueiro central. "Eu não sou especialmente adepto de se manter esse tratamento mais exótico, essa cortisona radical por muito tempo", diz Arminio. Para ele, faz sentido agir como tem feito o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) sob o comando de Janet Yellen. A instituição tem elevado os juros gradualmente e deve começar a reduzir ainda neste ano o seu balanço trilionário.
O grande perigo de políticas monetárias expansionistas em excesso é o da formação de bolhas de ativos, afirma o ex-presidente do BC. "Não dá para dizer que a bolha não esteja em formação, mas ela não está avançada", avalia Arminio. Para ele, o maior risco hoje está nos mercados de títulos dos governos, que estão com preços altos e rendimentos baíxíssimos, e não nas bolsas.
No Brasil, a situação inflacionária é bem diferente. A inflação está baixa por outros motivos, e só recuou depois de muita resistência. Arminio diz que ela caiu por causa da depressão econômica que atingiu o país e pela mudança no conjunto de políticas, "na direção de arrumar a casa", inclusive no Banco Central. Nesse ambiente, o BC teve sucesso em ancorar as expectativas inflacionárias, ressalta ele. Essa combinação ajudou a derrubar a inflação por aqui, que atingiu 10,7% em 2015, caiu para 6,3% em 2016 e está em 2,46% nos 12 meses até agosto deste ano. Mas é um fenômeno totalmente diverso do que se passa nos países avançados.
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