- Valor Econômico
Tarefa de consertar finanças públicas por reforma do Estado
O Brasil vive tragédia fiscal cujos impactos na vida dos cidadãos já estão sendo sentidos em Estados como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, e no Distrito Federal, onde os funcionários públicos estão recebendo os salários com atraso e vários serviços públicos estão funcionando precariamente. No caso da União, isso não ocorreu ainda porque o governo tem a possibilidade - vedada aos outros entes da federação - de levantar dinheiro no mercado e usá-lo para pagar as despesas, mas todos sabemos que não é possível aumentar a dívida indefinidamente. Em algum momento, os credores (cidadãos comuns com conta em banco, banqueiros, investidores, estrangeiros etc) duvidarão da capacidade da União de continuar pagando a dívida e, por isso, passarão a cobrar do Tesouro juros cada vez mais altos para comprar os títulos. Os capítulos seguintes serão o calote e o caos.
O desastre foi construído ao longo de décadas por decisões decorrentes, em última instância, do pacto político estabelecido pela sociedade, mas foi consumado entre 2008 e 2015 pelos governos Lula e Dilma. Nesse período, a despesa corrente do governo federal cresceu 51% acima da inflação e a receita, 14,5%. O descompasso teve consequência: a explosão da dívida. Nos oito anos, a dívida bruta do governo geral - que inclui os governos federal, estaduais e municipais, além do INSS - saltou de R$ 1,7 trilhão para R$ 3,9 trilhões.
Os números mostram que a expansão das despesas se acelerou à medida que a então presidente e seus assessores foram percebendo que o receituário usado para o país crescer estava errado. É isso que explica o salto da dívida de 51,7% para 67,5% do Produto Interno Bruto (PIB) entre 2013 e abril de 2016, último mês de Dilma no poder. Usou-se a margem de manobra fiscal para salvar um projeto de poder.
Dilma aumentou tanto os gastos que o atual não tem conseguido reduzir o déficit primário anual, estacionado em torno de 3% do PIB. Observe-se: o conceito primário considera apenas a diferença entre o que é arrecadado com tributos e os gastos, excluindo da conta a despesa com juros da dívida. Ocorre que, sem geração de superávits primários, a dívida não para de crescer. Com déficits primários então... Em julho, já estava em R$ 4,7 trilhões, o equivalente a 73,8% do PIB.
Foi por essa razão que o governo Temer deu prioridade, na sua agenda parlamentar, à aprovação da emenda constitucional que institui um teto para as despesas por 20 anos. Dado o altíssimo ritmo de crescimento dos gastos acima da inflação durante o governo Dilma, o teto limita a correção das despesas à variação da inflação do ano anterior.
O problema é que, se o governo não conseguir aprovar reformas como a da Previdência, logo mais o teto não será cumprido. Na verdade, alguns especialistas constataram que, mesmo que o Congresso aprove a reforma, probabilidade que diminui bastante desde o início, em maio, da crise política que ameaça o mandato do presidente Michel Temer, será difícil respeitar o teto e, assim, reequilibrar as contas.
A economista Vilma Pinto, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, estima que, para que o teto seja respeitado, a despesa primária do governo federal terá que ser reduzida em 3,8 pontos percentuais do PIB entre 2017 e 2025 - de 19,9% para 16,1% do PIB. Como 75% dos gastos são com itens como pessoal, Previdência Social, programas de transferência de renda, subsídios e subvenções, o que sobra para fazer o ajuste forçado pelo teto não é suficiente.
O quadro é muito grave. Criada no fim de 2016 no âmbito do Senado e claramente movida pela ideia de que um presidente eleito não deve ter o poder de escangalhar as finanças públicas, como fez Dilma Rousseff, a Instituição Fiscal Independente (IFI) calcula que, a partir de 2020, sem reforma das regras de aposentadoria e considerando correção do salário mínimo apenas pela inflação - hoje, é inflação mais PIB de dois anos antes -, a "margem fiscal" da União cai de R$ 120 bilhões em 2017 para um resultado negativo de R$ 4 bilhões em 2023 e de R$ 99 bilhões em 2026.
A margem fiscal é o teto, deduzidos os gastos obrigatórios, como Previdência, salário do funcionalismo, saúde, educação, abono salarial, seguro-desemprego, benefício de prestação continuada, Bolsa Família, além das transferências a outros poderes e órgãos estatais. Os recursos da margem fiscal são usados para bancar investimentos e custeio da máquina pública, além de gastos com bolsas de pesquisa, Farmácia Popular etc.
"Estima-se que, se a margem cair abaixo de R$ 70 bilhões, um nível já baixíssimo, o governo sofrerá paralisia generalizada. As projeções da IFI, sem reforma da Previdência Social, colocam a margem em R$ 65 bilhões já em 2020, segundo ano do próximo mandato presidencial", observa Luiz Guilherme Schymura, presidente do Ibre.
Diante disso, a pesquisadora Vilma Pinto projetou cenários considerando os efeitos de uma reforma previdenciária básica, que aprove a exigência de idade mínima de 65 anos para a aposentadoria dos homens e de 62 para as mulheres, além de correção do salário mínimo com base apenas no IPCA a partir de 2020. O resultado: em 2025, as despesas federais chegariam a 19,6% do PIB, praticamente o mesmo nível esperado para este ano, mas 3,5 pontos percentuais acima do teto. Se a reforma não for feita e regra do mínimo não mudar, os gastos vão a 21,3% do PIB em 2025, 5,2 pontos percentuais superiores ao teto.
A situação é dramática. A lei diz que, se o teto não for cumprido, o governo poderá cancelar reajustes salariais e conter outras despesas, como a realização de concursos. Vilma calculou que, se isso fosse feito em 2017, por exemplo, a economia seria de apenas 0,47% do PIB, ou seja, as sanções estão longe de resolver o problema.
Schymura tem dúvidas sobre a força do atual governo para aprovar a reforma previdenciária e a do próximo, para mexer na regra de correção do salário mínimo. "Um contingente aproximado de 30 milhões de brasileiros recebe o salário mínimo, o que corresponde a 21% do eleitorado nacional. Porém, se for considerado o número de eleitores em domicílios nos quais alguém ganhe o mínimo, a proporção do eleitorado diretamente sensível a mudanças na sistemática de ajuste do piso salarial é ainda maior", diz o economista, que tratará do tema na próxima Carta da Conjuntura do Ibre.
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