quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Parte da crise | Merval Pereira

- O Globo

O Supremo Tribunal Federal está no centro da crise política brasileira, e agora não mais como instância mediadora, mas como parte dela. O ministro Gilmar Mendes já demonstrou ontem o tom que levará ao plenário hoje, quando será discutido o pedido da defesa do presidente Michel Temer de suspeição do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e de suspensão de uma eventual segunda denúncia contra o presidente baseada nas delações premiadas de Joesley Batista e do doleiro Lúcio Funaro.

Ontem, o ministro Gilmar, que tem denunciado irregularidades na delação dos donos da J&F e quer anular como prova a gravação que Joesley fez com Temer no Palácio do Jaburu, classificou de “gestão de bêbado” o período em que Janot esteve à frente da Procuradoria-Geral da República e disse que o Supremo está “numa situação delicadíssima. O STF está enfrentando um quadro de vexame institucional.”

Ele está certo de que o ex-procurador Marcello Miller, que ontem teve seu registro de advogado suspenso pela OAB, atuou ajudando a delação premiada dos executivos da J&F e constrangeu o ministro Luiz Facchin, relator da Lava-Jato, que deu o aval para as delações da JBS, que se mostraram fraudulentas, no mínimo por omissão de fatos importantes: “Nesse caso, imagino seu drama pessoal. Ter sido ludibridado por Miller et caterva deve impor um constrangimento pessoal muito grande (…) certamente tão poucas pessoas na história do STF correm o risco de ver o seu nome e o da própria Corte conspurcados por decisões que depois vão se revelar equivocadas”, disse Gilmar em uma reunião da 2ª Turma.

Fachin não entrou no clima de confronto proposto por Gilmar, disse que sua alma “está em paz” e reiterou o voto que proferiu “com base naquilo que entendo que é a prova dos autos”. O escritório Trench Rossi Watanabe, que demitiu o ex-procurador Marcello Miller pouco depois de tê-lo contratado, mantém uma associação com o escritório norte-americano Baker & Mackenzie, considerado o maior do mundo, há 50 anos. Está colaborando com as investigações de maneira espontânea, certamente orientado pelos americanos, entregando todos os documentos que uma auditoria interna reuniu, demonstrando que o ex-procurador já atuava no caso JBS antes mesmo de pedir demissão da Procuradoria.

Um e-mail trocado entre Marcello Miller e a advogada Esther Flesch — que também foi demitida — indica que o escritório Trench Rossi Watanabe pagou uma passagem aérea entre Rio e São Paulo para Miller enquanto ele ainda era procurador, o que caracteriza a prestação de serviço.

O contrato entre o escritório Trench Rossi Watanabe e a J&F foi assinado no dia 6 de março, um dia antes de Joesley Batista gravar Michel Temer no Palácio do Jaburu. O ministro Gilmar Mendes quer demonstrar que o procurador Marcello Miller atuou ativamente na delação premiada de Joesley, o que, na sua concepção, invalidaria a gravação, mesmo que Rodrigo Janot não soubesse, no que o ministro não acredita.

Ele chegou a insinuar que o método usado contra o presidente Temer foi o mesmo das gravações do ex-senador Delcídio do Amaral e de Sérgio Machado, presidente da Transpetro, sugerindo que esse era um método utilizado por Marcelo Miller no Ministério Público.

O que está por trás da importância da reunião de hoje do STF é justamente essa disputa para a anulação das provas apresentadas pela Procuradoria-Geral da República contra o presidente Temer e o senador do PSDB Aécio Neves. Não parece haver uma maioria disposta a tomar essa decisão, mas, a cada prova que surge contra o procurador Marcello Miller, mais o ministro Gilmar Mendes reafirma sua suspeita de que tudo não passou de uma armação contra o presidente e considera que o STF está sofrendo um desgaste institucional com a crise provocada pelas irregularidades registradas na delação premiada da JBS.

Se o clima da sessão de hoje for o que está se armando, porém, sairá prejudicado o próprio Supremo Tribunal Federal como instituição que assegura a democracia brasileira.

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