- Valor Econômico
A partir de janeiro do próximo ano, a renúncia de receita da União aumentará com a entrada em vigor das novas regras e da ampliação dos limites de enquadramento do Simples Nacional e do programa do Microempreendedor Individual (MEI). Em meio à mais grave crise fiscal da história do Brasil, a União continua desonerando setores da economia e reforçando o tratamento desigual do Imposto de Renda aos contribuintes.
A Lei Complementar 155, aprovada em outubro de 2016, permite que as micro e pequenas empresas que tenham receita bruta anual igual ou inferior a R$ 4,8 milhões optem pelo Simples. Até agora, o limite era de R$ 3,6 milhões. Para o microempreendedor, o limite do MEI foi elevado de R$ 60 mil para R$ 81 mil.
Felizmente, os governadores e prefeitos não aceitaram o novo limite. Para efeito de recolhimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto sobre Serviços (ISS) no Simples, o limite máximo de enquadramento continuará sendo R$ 3,6 milhões.
Mas a União, que registra déficit primário desde 2014, aceitou que as empresas que faturam anualmente até R$ 4,8 milhões possam optar pelo Simples e, com uma alíquota sobre a receita bruta, pagar o Imposto de Renda, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), o PIS, a Cofins e a contribuição previdenciária. O maior impacto das mudanças recairá, portanto, sobre o Tesouro Nacional.
A Lei Complementar 155 fez uma mudança importante e necessária, que deu maior racionalidade ao Simples. Pelas regras atuais, sair de uma faixa de tributação para outra pode levar a um aumento abrupto da carga. A sistemática inibe o crescimento da empresa, que pode ser punida ao obter uma receita maior.
A partir de janeiro, a sistemática utilizada será semelhante à adotada para o Imposto de Renda, pois além da alíquota a ser aplicada sobre a receita bruta haverá uma parcela a deduzir. Assim, a elevação do imposto a pagar pelas micros e pequenas empresas, resultante do aumento da receita, será gradual. A transição entre as faixas será mais suave.
Essa mudança, no entanto, foi feita de uma forma que resultou em diminuição da carga da maioria das empresas optantes do Simples, de acordo com análise feita por especialistas em tributação a pedido do Valor. Apenas uma pequena parcela terá aumento pouco significativo da carga.
Uma empresa de serviços em geral (enquadrada no Anexo III da Lei Complementar 155) com receita bruta de R$ 190 mil por ano, por exemplo, tem uma alíquota de 8,21% pelas atuais regras do Simples. A partir de janeiro, essa empresa pagará uma alíquota nominal de 11,20%, mas terá o direito de deduzir R$ 9.360,00 do imposto a pagar. Com isso, a alíquota efetiva da empresa será de apenas 6,27% - uma redução de 1,94 ponto percentual, na comparação com a situação atual.
Uma empresa de serviço que fatura R$ 600 mil por ano, tem alíquota atual de 11,31% pelo Simples. Com as novas regras, a alíquota nominal passa a 13,5%, mas ela terá o direito de deduzir R$ 17.640,00. Dessa forma, a alíquota efetiva dessa empresa será reduzida em 0,75 ponto percentual, na comparação com a situação atual.
A empresa de serviço que fatura R$ 3,6 milhões tem uma alíquota de 17,43% pelas atuais regras do Simples. A partir de janeiro, a alíquota nominal será de 21%, com uma parcela a deduzir de R$ 125.640,00. A alíquota efetiva será de 17,51%, o que significará uma elevação da carga tributária de apenas 0,09 ponto percentual na comparação com a atual situação.
A área técnica do governo teme que empresas que atualmente contribuem para o fisco com base no lucro presumido migrem para o novo Simples Nacional, diante das regras mais favoráveis, reduzindo a arrecadação federal. Os técnicos oficiais manifestam preocupação também com o fato de que as novas regras possam estimular ainda mais a chamada "pejotização", ou seja, a criação de pessoas jurídicas por profissionais liberais com o objetivo de pagar menos Imposto de Renda.
Um advogado ou médico que crie uma sociedade unipessoal, que fatura R$ 360 mil por ano e opte pelo Simples, pagará uma alíquota de 7,45%, segundo estimativa feita por técnicos oficiais. Nessa alíquota estão incluídos o IR, a CSLL, o PIS, a Cofins, a contribuição previdenciária e o ISS. Se declarasse pelo regime do lucro presumido pagaria uma alíquota de 17,34% ou de 23,6% se fosse assalariado de um escritório de advocacia ou de uma clínica.
A redução da alíquota efetiva do Simples a partir de janeiro resultará, de acordo com as fontes ouvidas pelo Valor, em aumento do lucro para um grande número de empresas. Como a distribuição do lucro para os sócios proprietários da empresa não é tributada pelo Imposto de Renda, eles serão beneficiados pelas novas regras.
Os especialistas em tributação argumentam que o Brasil precisa caminhar para reduzir o Imposto de Renda das empresas, mas elevando, ao mesmo tempo, a tributação sobre as pessoas físicas. Um movimento apenas de um lado, como está sendo feito agora com o Simples, apenas agrava a renúncia de receita da União e aumenta a regressividade da tributação.
A Receita Federal ainda não divulgou estimativas atualizadas sobre as perdas de receita com as mudanças nas regras e nos limites de enquadramento do Simples Nacional e do MEI. Na época em que o projeto estava sendo discutido no Congresso Nacional, a estimativa divulgada foi de uma perda adicional de receita em torno de R$ 6 bilhões.
Recentemente, o Banco Mundial divulgou estudo em que manifesta preocupação com o aumento do gasto tributário no Brasil. As despesas com políticas de apoio às empresas atingiram 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015, segundo o estudo. Porém, diz o Banco Mundial, "não há evidências de que os programas existentes tenham sido eficazes e eficientes em seu objetivo de impulsionar a produtividade e a geração sustentável de empregos". A instituição sugere reformar o Simples, que resulta em perda de receita equivale a 1,2% do PIB, para torná-lo "menos custoso e mais eficaz no que diz respeito ao estímulo à formalização, ao rápido crescimento das empresas mais produtivas e ao aumento da geração de empregos".
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