- Valor Econômico
Mais que o Legislativo, STF tornou-se bastião contra a força-tarefa
As diferenças e semelhanças entre a Operação Lava-Jato e a sua congênere italiana, a Mãos Limpas, ainda estão por ser mais bem delineadas. Mas uma característica que vai ficando cada vez mais associada ao caso brasileiro é que a reação contrária à força-tarefa anticorrupção tem emanado de decisões de ministros da Corte Suprema, enquanto a investigação na Itália foi desossada pela reação legislativa da classe política.
No Congresso, a resposta dos parlamentares e dos partidos tem se mostrado muito mais eficiente no sentido de preservarem a sobrevivência política, para não serem varridos do mapa, vide a aprovação das regras da reforma eleitoral neste ano com a criação de fundo bilionário de campanha, do que uma afronta direta ou persistente à popularidade e aos agentes da Lava-Jato.
O trabalho tem ficado para o Judiciário, neste papel de solucionador geral de conflitos, sempre que há vácuo deixado pelos congressistas. A reação contramajoritária vem de magistrados do Supremo Tribunal Federal (STF) mas não é desprovida de coordenação ou motivação política.
Se estivesse solto e com mandato, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB) teria todas as credenciais para comandar as tropas do movimento reacionário à Lava-Jato. Na falta dele, é o ministro do Supremo Gilmar Mendes quem concentra e lidera decisões que vão minando os poderes da operação. O magistrado especializou-se na soltura de investigados no maior escândalo de corrupção do país e não se furtou à função de libertador mesmo quando o preso era alguém do seu círculo íntimo, como o empresário Jacob Barata Filho, o "rei dos ônibus" do Rio de Janeiro.
A limitação da condução coercitiva - largamente utilizada pela Lava-Jato para surpreender os investigados - faz parte da mais nova peça da caixa de ferramentas para desmontar a operação. Não que a condução coercitiva seja uma unanimidade, ao contrário, desperta polêmica e é alvo de críticas de figuras que pouco apreço teriam por Gilmar. São seus antagonistas ideológicos até. Mas a decisão - que poderá ser revertida pelo plenário do STF - reforça o conjunto da obra na atuação do ministro que seria o equivalente funcional de uma reação legislativa à Lava-Jato.
É curioso como diante da opinião pública, de estratos que vão da esquerda aos liberais, o comportamento do magistrado tem sido objeto de ressalvas. Se Cunha apunhalou a ex-presidente Dilma Rousseff, Gilmar foi quem salvou a pele de Michel Temer e serviu à linha de frente do pemedebista ao evitar a cassação da chapa de 2014 pelo Tribunal Superior Eleitoral e quando se pôs como o antípoda do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, que denunciou Temer por duas vezes.
Ambos, em algum momento, foram e são vistos como vilões da crise política capazes de aproximar conservadores e progressistas. Contra Lula e Dilma há possivelmente mais detratores do que contra Gilmar e menos em relação a Cunha, porém concentrados em um dos lados do espectro ideológico.
É esperado de ministros da Suprema Corte que façam julgamentos políticos, mas não partidários. São atores estratégicos, o que não significa adotar posições reiteradamente na mesma direção. Tal atitude é mais afeita a integrantes de agremiações políticas. O Supremo que vem se constituindo num arquipélago com 11 ilhas de individualidades se fragmenta ainda mais na medida em que se polariza em clivagens como as representadas hoje por Gilmar e seu antagonista na Corte, o progressista Luís Roberto Barroso.
Neste caso da proibição das conduções coercitivas, nota-se rara ocasião em que Gilmar decidiu favoravelmente a ação proposta pelo PT - a demanda também é do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) - o que reforça a suspeita de uma comunhão de interesses incomum do tipo corporativista. Ameaçado pela Lava-Jato, o sistema político, apesar de fracionado nos agrupamentos internos, avança contra a operação que impede sua estabilização.
Como muito do que vem do Supremo, a decisão, contudo, tem o condão de ter o efeito contrário ao desejado. Se confirmada, deve estimular mais prisões temporárias na Lava-Jato. Sem problema. A turma do STF já se mostrou disposta a liberar os presos e barrar investigações, como se viu no pacote de bondades pré-natalinas em que Gilmar mandou soltar os empresários Miguel Iskin e Gustavo Estellita e suspendeu, em liminar, o inquérito contra o governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), que responde por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica eleitoral. Fora da Lava-Jato, libertou ontem à noite o ex-governador do Rio, Anthony Garotinho.
Mesmo isolado o relator da Lava-Jato, Edson Fachin, deu o contraponto ao manter Joesley Batista e Ricardo Saud, da JBS, na cadeia e ao determinar a prisão de Paulo Maluf (PP-SP), 86 anos, um dos mais velhos símbolos de corrupção no país. Foram decisões monocráticas. No plenário, Fachin se viu em minoria na decisão que tirou, por cinco votos a quatro, parte do processo de investigação do chamado "quadrilhão do PMDB da Câmara" das mãos do temido Sérgio Moro, de Curitiba, para remetê-la ao juiz Vallisney de Souza Oliveira, de Brasília. Do lado de Fachin, estiveram Barroso, Rosa Weber e Cármen Lúcia. Com Gilmar votaram Alexandre de Moraes - ex-ministro de Temer - Marco Aurélio Mello, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski.
A divisão do Supremo é mais um componente da crise política que esvaziou a credibilidade dos dois partidos que rivalizam há duas décadas e meia no país. Com o enfraquecimento deles e a impopularidade do PMDB de Temer - cuja aprovação de governo saiu do fundo do poço mas é de apenas 6% na pesquisa CNI/Ibope divulgada ontem - restou aos magistrados do STF ocupar mais espaços e demarcá-los como campos políticos.
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