O
presidente parece pouco interessado nos efeitos de uma dívida pública muito
mais pesada que as de outros emergentes.
Ganhar confiança de credores e investidores é hoje um dos principais desafios para o governo, forçado a administrar uma dívida crescente numa fase de enormes dificuldades. Antes da pandemia o Brasil já era o campeão do endividamento público entre os emergentes. Forçado a buscar mais empréstimos neste ano, o Tesouro aceitou prazos menores para evitar juros mais altos. Com grandes vencimentos no início de 2021, o Executivo terá de correr atrás de dinheiro e ao mesmo tempo tentar alongar os prazos e conter os custos. A resposta do mercado vai depender de um claro compromisso com a arrumação das finanças oficiais, com um programa de ajuste bem definido.
Há
muito ruído atrapalhando, admitiu o secretário do Tesouro, Bruno Funchal, em
evento organizado pelo Estado/Broadcast em parceria com a agência
Austin Rating. Emitir papéis longos fica difícil quando há dúvidas sobre a
manutenção do teto de gastos e outros aspectos da administração fiscal. Uma
clara agenda de reformas, com destaque para a tributária, é essencial para a
redução da insegurança, acrescentou.
Mas
a principal fonte de ruído é o próprio Executivo. Seria estranho se um
funcionário de alto escalão, como o secretário do Tesouro, falasse publicamente
sobre isso. Os fatos, no entanto, são claros e perceptíveis no dia a dia.
O
mercado reage rotineiramente às desavenças entre facções ministeriais. Ninguém
desconhece os conflitos entre a equipe econômica e a chamada ala política.
Enquanto o pessoal do Ministério da Economia insiste em defender o teto de
gastos e padrões de austeridade, outro grupo defende ações expansionistas,
confundidas, impropriamente, com desenvolvimentismo.
Desacordos
entre ministros podem ocorrer em qualquer governo. Já ocorreram no Brasil e têm
sido observados em outros países. Mas há normalmente um líder – presidente ou
primeiro-ministro – mediando e arbitrando as diferenças. Em Brasília esse tipo
de intervenção ocorre ocasionalmente.
Em
situações muito delicadas o presidente apoia o ministro da Economia, mas sem se
comprometer de forma permanente com a disciplina fiscal. Mais empenhado em
cuidar de interesses familiares e pessoais, com destaque para a reeleição, o
presidente pouco se ocupa, de fato, com funções de governo. Suas propostas mais
notórias, como a criação de um programa de transferência de renda para os mais
pobres, são normalmente de caráter eleitoral.
Não
só investidores e analistas do mercado mostram insegurança quanto ao futuro das
contas públicas. Representantes de grandes agências de classificação de risco
têm chamado a atenção das autoridades para a importância de um firme
compromisso com a responsabilidade fiscal. No dia a dia do mercado, a
inquietação se reflete nas variações dos juros e na instabilidade cambial.
Cotações
muitas vezes próximas de R$ 5,60 por dólar podem ser mais perigosas que os
disparos frequentes de um alarme. Pressionam custos, dificultam o planejamento
empresarial e acabam inflando, como nos últimos meses, os preços ao consumidor.
Além de causar insegurança financeira e instabilidade cambial, o desgoverno
chefiado pelo presidente Bolsonaro tem sido fator de alta da inflação.
O
presidente parece pouco interessado nos efeitos de uma dívida pública muito
mais pesada que as de outros emergentes. A dívida bruta brasileira deve passar
de 89,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019 para 101,4% neste ano e 102,8%
em 2021, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Pelo mesmo
critério, a dívida média dos países emergentes e de renda média deve subir de
52,6% do PIB no ano passado para 62,2% neste ano e 65% no próximo. Em 2025 a
dívida brasileira poderá estar em 104,4%. A dos emergentes e de renda média, em
71,1%.
Em
muitos países avançados a relação dívida/PIB é maior que no Brasil. Mas o custo
dessa dívida é geralmente menor e as políticas, mais confiáveis. O caso
brasileiro é agravado pela necessidade de combinar controle fiscal com retomada
do crescimento. Já seria difícil mesmo sem a campanha fora de hora pela
reeleição.
Reformar para crescer – Opinião | O Estado de S. Paulo
Reforma
tributária sugerida pela CNI é simplificadora e sem cumulatividade.
O Brasil só voltará a crescer com vigor e de forma sustentada com um sistema tributário “mais simples, sem cumulatividade e alinhado com as boas práticas internacionais”, disse o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, ao comentar o novo Informe Conjuntural publicado pela organização. Isso é o oposto da CPMF, defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Esse é o mais cumulativo dos tributos: onera qualquer transferência de dinheiro, ligada à produção, ao consumo, a operações financeiras, a salários, lucros, aluguéis e doações a entidades filantrópicas.
“Boas
práticas internacionais” também ficam distantes da CPMF, um tributo raramente
experimentado fora do Brasil e comentado muitas vezes com sinais de estranheza
por economistas estrangeiros. Em 2018, o futuro ministro da Economia, já
escolhido pelo candidato Jair Bolsonaro, mencionou a empresários a possível
criação de um imposto semelhante à CPMF para financiar a Previdência. Seu repertório
pouco variou nos dois anos seguintes.
“O
sistema tributário brasileiro é, dentre os fatores do custo Brasil, o que mais
pesa na competitividade das empresas e do País”, disse também o presidente da
CNI. É fácil concordar. Não se trata apenas do peso dos impostos. Em primeiro
lugar a tributação nacional é desnecessariamente complexa. Gasta-se muito
tempo, em cada empresa, só para cuidar burocraticamente do assunto. Basta
pensar nas 27 versões do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS),
o principal tributo dos Estados e do Distrito Federal.
Além
disso, a tributação incide pesadamente sobre o investimento produtivo e sobre
os insumos incorporados na produção. O sistema de créditos funciona mal, as
compensações nem sempre ficam disponíveis a tempo e a exportação acaba onerada
por uma carga absurda de impostos.
É
preciso incluir a reforma tributária como prioridade em qualquer plano de
retomada firme do crescimento. Mas essa reforma tem de ser voltada para a
simplificação do sistema e para o aumento da produtividade. Este último é um
item estranho à maior parte das propostas oficiais.
Além
disso, retomar o crescimento será muito diferente do mero retorno ao padrão de
atividade de fevereiro, último mês antes do grande choque da pandemia, ou mesmo
de uma volta às condições de 2019. A economia brasileira já estava muito fraca
antes da covid-19 e a produção industrial, segundo o documento da CNI, já
estava estagnada desde 2010. O setor já estava mal, portanto, antes da recessão
de 2015-2016.
Por
tudo isso, o dinamismo só será retomado com redução do custo Brasil e expansão
do investimento, “com foco no ganho de produtividade”, assinala o relatório.
Isso vale, de fato, para a indústria, principalmente para o segmento de
transformação, e também para o conjunto da economia. Os entraves à
produtividade, é fácil verificar, prejudicam todos os setores, poderiam ter
acrescentado os autores do trabalho. Há perdas também para o agronegócio,
afetado, por exemplo, pelas deficiências dos transportes.
Antes
de retomar o crescimento vigoroso e sustentável, perdido há muitos anos, o País
precisará prosseguir na recuperação das perdas deste ano. A reação começou e o
Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre deve ter sido 9% maior que o
do segundo, de acordo com o Informe Conjuntural da CNI. A indústria
deve ter avançado 10%. Para o ano, o documento indica um PIB 4,2% menor que o
de 2019, com recuo de 4,1% estimado para o produto industrial.
Não
está garantido para 2021, no entanto, um crescimento superior ao da
pré-pandemia. Além disso, a retirada dos estímulos adotados na fase mais aguda
poderá ter efeito contracionista, prejudicando o consumo e o emprego, alertam
os autores do estudo. O governo sabe disso, mas nenhuma solução foi claramente
apontada até agora. O desafio inclui manter ou criar outros estímulos,
preservar o teto de gastos e reafirmar o compromisso com a seriedade fiscal. É
preciso achar a resposta antes dos foguetes do réveillon.
Um novo sistema tributário global – Opinião | O Estado de S. Paulo
Acordo
bem costurado seria uma vitória do multilateralismo e pode motivar cooperação.
Há
anos a comunidade internacional vem enfrentando os desafios da digitalização da
economia. Tradicionalmente, a fim de evitar a dupla tributação, as empresas
recolhem impostos no país onde têm residência legal. Mas hoje muitas
corporações oferecem serviços online por todo o mundo e podem alterar sua
residência para jurisdições de baixa tributação (“paraísos fiscais”) com o
toque de um botão. Assim, proliferam as oportunidades de dupla “não
tributação”.
Com
a pandemia, um novo consenso sobre o sistema internacional de tributação se
tornou ainda mais urgente. As medidas de isolamento impulsionaram o crescimento
das multinacionais de tecnologia, ao mesmo tempo que reduziram as receitas dos
governos e ampliaram seus gastos.
Desde
o ano passado a OCDE e o G-20 vêm coordenando com 137 jurisdições um Quadro Inclusivo
para reformar o sistema tributário internacional. A proposta é
baseada em dois “pilares”: o primeiro propõe direitos de tributação aos países
na proporção das vendas que uma empresa realiza em seu território,
independentemente de sua sede; e o segundo sugere uma taxa mínima global sobre
o lucro corporativo.
Os
dois pilares foram aprovados por uma cúpula dos ministros de Economia do G-20
no dia 14 como bases sólidas para evitar respectivamente a “dupla tributação” e
a “erosão e deslocamento das bases tributárias”. Mas as condições políticas
para um acordo estão longe de ser atingidas.
Em
julho, os EUA anunciaram que as negociações chegaram a um impasse, ameaçando
retaliar os países que “optarem por arrecadar ou adotar” tributos por sua
conta. Dada a preeminência econômica do país, especialmente no setor digital, e
seu sistema tributário parcialmente compartimentado entre mais de 50 Estados –
condições históricas agravadas pelo comando de um presidente errático –, a
decisão não surpreende. Ainda assim, num momento turbulento para a economia
global, a falta de um consenso levará à “balcanização” das regras tributárias e
possivelmente a guerras comerciais que acabariam por minar a segurança dos
investimentos com prejuízos para todos os lados. A OCDE estima que o fracasso
no acordo pode provocar uma redução anual de 1% no PIB global.
O
ponto verdadeiramente crítico é o pilar um. Os EUA alegam que uma tributação
baseada no local de consumo, antes que de produção, os obrigaria a ceder a
outros países direitos de tributação sobre suas empresas sem maiores
contrapartidas. Se há alguma razoabilidade nisso, é preciso considerar que a
proposta não se restringe às transações digitais, mas a todos os negócios
transfronteiriços, o que garantiria aos EUA mais acesso aos lucros, por
exemplo, de exportadores europeus de bens de luxo.
Por
outro lado, o pilar dois tem chances razoáveis de ser ratificado. Uma taxa
mínima global sobre o lucro (na ordem de 12% a 13%, conforme a sugestão do
Quadro Inclusivo) serviria sobretudo para cortar pela raiz os incentivos às
empresas para realocarem seus lucros em jurisdições de baixa tributação. Os EUA
estão bem mais predispostos a aceitar um esquema desse gênero. Com efeito, em
2017 a própria administração de Donald Trump submeteu as multinacionais
norte-americanas a uma regra similar. Segundo a OCDE, só o pilar dois tem o
potencial de aumentar as receitas anuais de tributos corporativos em até 4%
(US$ 100 bilhões).
As
negociações foram atrasadas com a pandemia e seguirão em estado de relativa
suspensão até a definição do próximo governo dos EUA. Caso Joe Biden venha a
substituir Trump, espera-se que elas sejam, se não menos intrincadas,
certamente menos voláteis e tensas.
A
última coisa de que o mundo precisa agora é de uma guerra comercial motivada
por conflitos de tributação. Uma reforma seria boa para as finanças públicas e
estabeleceria condições mais equilibradas de disputa entre multinacionais e
negócios locais. De resto, um acordo bem costurado seria uma vitória do
multilateralismo que pode motivar soluções cooperativas a tantas outras crises
para as quais ele é desesperadamente necessário, a começar pelo combate ao
vírus.
O distúrbio bipolar do Itamaraty – Opinião | O Globo
O
chanceler deixa o país perplexo diante da incógnita: viraremos mesmo um ‘pária’
ou há salvação?
Tudo
o que emana do Itamaraty de Ernesto Araújo desperta espanto. É o caso da
fotografia dos formandos do Instituto Rio Branco, a maioria sem máscara em
plena pandemia. Ou do ataque, no discurso feito pelo chanceler na formatura, ao
poeta e diplomata João Cabral de Melo Neto, homenageado pela turma. Ou ainda do
emprego, no mesmo discurso, de jargões ideológicos (“globalismo”) e gírias das
redes sociais (“isentões”).
Ou,
por fim (e mais grave), do reconhecimento explícito de Araújo de que não vê
problema em o Brasil se tornar “pária internacional”, consequência provável de
posições incompatíveis com o interesse nacional tomadas pelo Itamaraty nos
últimos tempos. É o caso, entre tantas, da assinatura do Consenso de Genebra,
declaração contra o aborto e em favor da família tradicional, apoiada por uma
aliança de governos conservadores como Egito, Uganda, Hungria e os Estados
Unidos de Donald Trump.
A
questão pertinente neste momento é: que será do Itamaraty depois de Ernesto
Araújo? Estará o Brasil doravante irremediavelmente associado aos regimes
autoritários e ao público conservador? Ou será possível resgatar algo do
organismo profissional que negociou, entre tantos, o acordo comercial da União
Europeia com o Mercosul?
Será
o Itamaraty agora só um veículo para a pregação doutrinária que tomou conta da
Fundação Alexandre de Gusmão, novo palco para o devaneio ideológico de
youtubers e tuiteiros transformados em artífices da nossa política externa? Ou
saberá manter a excelência do centro pragmático que acaba de firmar novos
acordos com os Estados Unidos e avançar nas negociações com Canadá, Cingapura,
Coreia ou Índia?
O
distúrbio bipolar do Itamaraty tem desorientado nossos interlocutores. Quem,
ante tantos sinais ambíguos, há de confiar no que dizem nossos diplomatas? Como
podemos assumir algum protagonismo nas decisões relevantes para o planeta se
nem mesmo o chanceler parece ter ideia de quem somos?
Os
efeitos nefastos da desorientação já atingem a relação com as duas maiores
potências globais, Estados Unidos e China. No caso americano, a vitória provável
do democrata Joe Biden sobre Trump poderá representar um baque em temas como
meio ambiente, ciência, direitos reprodutivos e das minorias. Biden pretende
retomar os acordos climáticos de Paris e quer fornecer ajuda para preservar a
Amazônia. Araújo, em seu discurso, prefere esconjurar fantasmas como
“climatismo”, “cientificismo” e — por incrível que pareça — até “iluminismo”.
No
caso da China, a resistência se estende das vacinas à telefonia 5G — e
contrasta com a relevância crescente dos chineses para nossa balança comercial
(que só aumentou na pandemia) e para o futuro do nosso agronegócio. Na falta de
estratégia coerente, o Itamaraty deixa o Brasil perplexo diante da incógnita:
viraremos mesmo um pária ou há salvação? É uma pergunta ainda sem resposta. Seja
qual for, as sequelas da gestão Araújo não serão pequenas nem indolores.
Novo mistério orçamentário: a Infraero depende ou não do Tesouro? – Opinião | O Globo
Caos
contábil constatado pelo TCU mostra que estatal, sem ter como se financiar,
deveria ser privatizada
O
Tribunal de Contas da União (TCU) pediu ao governo para desvendar um mistério
nas contas públicas: se a Infraero, responsável por aeroportos e serviços de
navegação aérea, é ou não uma empresa estatal dependente do Tesouro Nacional.
Deu seis meses de prazo para que a Casa Civil e os ministérios da Economia e da
Infraestrutura decifrem o enigma orçamentário.
Há
duas respostas possíveis. Se a companhia for dependente do Tesouro, será
necessário incorporá-la ao próximo Orçamento Fiscal, compensando com cortes
noutras despesas, como prevê a regra sobre o teto de gastos públicos. Caso o
governo descubra que a Infraero é uma empresa independente, precisa acabar com
os sucessivos socorros financeiros.
O
TCU até que tentou encontrar uma resposta objetiva. Fracassou ao constatar um
“verdadeiro caos” contábil nos indicadores sobre o fluxo de caixa operacional.
Para 2018, a empresa informou um resultado negativo de R$ 411,9 milhões. Logo
corrigiu e apresentou saldo positivo de R$ 30,1 milhões. O próprio governo
registra dados distintos no Sistema de Informações das Estatais (Siest).
As
inconsistências realçam a situação de fragilidade da estatal de 48 anos, que
tem 7,9 mil empregados e administra 47 aeroportos, pelos quais trafegam cerca
de 85 milhões de passageiros anuais. Seus ativos estão estimados em R$ 5,2
bilhões. Representam 43% da ajuda recebida do Tesouro nos últimos seis anos (R$
12 bilhões). As sucessivas operações de socorro federal evidenciam a
incapacidade de a empresa financiar sozinha mesmo gastos rotineiros, como
demissão de pessoal.
Em
vez de privatizar a Infraero, o governo escolheu o caminho inverso: criou uma
estatal concorrente. Uma das primeiras providências de Jair Bolsonaro ao
assumir foi criar a NAV Brasil Serviços de Navegação Aérea, vinculada ao
Ministério da Defesa, que assumiu parte da estrutura operacional da Infraero.
Não há lógica nem justificativa plausível.
Permanecem
obscuras as razões que fundamentam a criação da NAV, cujo objetivo expresso em
lei é idêntico ao da Infraero: “implementar, administrar, operar e explorar
industrial e comercialmente a infraestrutura aeronáutica destinada à prestação
de serviços de navegação aérea”.
A
decisão do TCU é oportuna porque propicia ao governo a chance de esclarecer os
segredos sobre a condição real de sobrevivência da Infraero. Também reforça a
necessidade de privatizá-la. Fica pendente outro mistério orçamentário: para
que, afinal, existe a NAV, uma espécie de Infraero versão 2.0 ?
Russomanno cai – Opinião | Folha de S. Paulo
Candidato
ligado a Bolsonaro em SP desaba no Datafolha; disputa segue acirrada
A
tentativa do deputado Celso Russomanno de impulsionar sua candidatura a
prefeito de São Paulo identificando-se como aliado do presidente Jair Bolsonaro
não parece surtir o efeito esperado. Ao menos é o que se infere da nova pesquisa
Datafolha, em que o postulante do Republicanos despenca nas
preferências municipais.
Desde
a sondagem anterior, publicada em 8 de outubro, véspera do início da propaganda
de rádio e TV, Russomanno perdeu 7 pontos percentuais. De 27% das intenções de
voto, foi a 20%, enquanto o prefeito Bruno Covas (PSDB) oscilou positivamente
de 21% para 23%, dentro da margem erro de 3 pontos para cima ou para baixo.
É
significativo que o derretimento de Russomanno se faça acompanhar de
substancial aumento de sua rejeição, que saltou de 29% para 38% durante o
período.
O
candidato, que pela terceira vez se apresenta à corrida paulistana, conta com a
imagem, cultivada na TV, de defensor dos consumidores. Quando submetido ao
escrutínio da imprensa e do debate público, porém, mostra-se vulnerável.
A Folha,
por exemplo, revelou recentemente que o deputado, pouco antes do início da
campanha, recorreu a uma servidora de seu gabinete para concluir às pressas
acordos trabalhistas com ex-funcionários de uma de suas empresas.
São
de sua lavra, ademais, declarações desastradas como a de que moradores de rua,
por não tomarem banho, teriam maior resistência a contrair a Covid-19.
Por
fim, vai se mostrando um tanto duvidosa a capacidade do presidente de repetir
os efeitos multiplicadores de sua candidatura ao Planalto em 2018 —quando até o
atual governador paulista, João Doria (PSDB), apressou-se em tentar se
beneficiar da maré bolsonarista.
Covas,
ora na liderança, tem a seu favor o fato de estar na cadeira de prefeito —mas é
alvo constante das demais candidaturas, que exploram suas fragilidades, entre
elas a controvertida figura do vice na chapa, Ricardo Nunes (MDB).
O
tucano, segundo o levantamento, ganharia hoje sem problemas de Russomanno num
eventual segundo turno, com 46% das preferências contra 38%.
No
campo da esquerda, dividida entre PSOL e PT, Guilherme Boulos, nome da primeira
agremiação, manteve-se em alta, passando de 12% a 14%, enquanto o petista deu
enfim algum sinal de vida, atingindo diminutos 4% das intenções.
Boulos
tem em seu encalço o ex-governador Márcio França (PSB), que marca 10% e tem
considerável tempo de propaganda.
Se
algumas tendências vão se delineando a três semanas da votação, a corrida está
longe de permitir prognósticos mais sólidos. A disputa segue viva e acirrada.
O último debate – Opinião | Folha de S. Paulo
Confronto
entre Trump e Biden não parece capaz de alterar dinâmica da campanha
Depois
de um primeiro encontro caótico, constrangedor e, ao final, pouco inteligível,
o segundo
e último debate presidencial entre Donald Trump e Joe Biden
teve ao menos o mérito de permitir ao público americano acompanhar um confronto
de ideias mais civilizado.
Não
que o embate tenha sido sereno. Os candidatos não pouparam um ao outro de
ataques duros e acusações. Não se viu, porém, a deplorável cascata de injúrias,
insultos e interrupções que deram a tônica no encontro anterior.
Para
Biden, que se mantém de forma consistente à frente nas pesquisas, tratava-se de
assegurar sua vantagem e não cometer deslizes graves, no que foi bem-sucedido.
Trump, por sua vez, tem a missão muito mais difícil de buscar uma virada
histórica de última hora.
Embora
mais contido que no primeiro debate, o republicano não abandonou seu costumeiro
caudal de mentiras e distorções. Repetindo a aposta vitoriosa de 2016, tentou
se apresentar como um outsider e colar em Biden a pecha de político tradicional
e corrupto. Depois de quatro anos na Presidência, tal retórica parece estéril.
Apesar
disso, conseguiu acertar bons golpes no oponente. Como ao atacá-lo pelo apoio
dado a uma legislação que contribuiu para aumentar de forma expressiva o
encarceramento no país, ou ao ironizar o fato de que o democrata esteve no
poder durante oito anos e não implementou várias das políticas prometidas
agora.
Não
deixa de causar espanto, contudo, a incapacidade de Trump de apontar feitos
positivos de seu mandato —quando o desemprego caiu a níveis historicamente
baixos antes da Covid-19— ou de explicar em termos claros por que os americanos
deveriam lhe conceder mais quatro anos na Casa Branca.
Biden
buscou transmitir a mensagem de que sua candidatura representa a união de um
país cindido, bem como a volta da dignidade à Presidência. Incisivo na maior
parte do tempo, o democrata de 77 anos atuou para afastar dúvidas sobre seu
vigor e acuidade mental.
Mostrou-se
afiado ao confrontar Trump pela gestão desastrosa da pandemia e ao cobrar a
publicidade de seu Imposto de Renda.
Sem
um vencedor claro, porém, o debate dificilmente terá sido capaz de alterar
drasticamente a dinâmica eleitoral. Se não pode ser descartada, uma nova
vitória de Trump, nas circunstâncias atuais, pode ser tão ou mais surpreendente
do que há quatro anos.
Ganha o Brasil – Opinião | Revista Veja
Áreas
específicas da economia começam a religar os motores e dar os primeiros sinais
de retomada
Durante
semanas, divergências severas marcaram o debate sobre a estratégia a ser
adotada pelo governo na retomada econômica pós-pandemia. De um lado, de forma
correta, o ministro da Economia, Paulo Guedes, pregava medidas austeras, que
não comprometessem as contas públicas e o teto de gastos. Do outro, alguns
setores da administração federal pareciam defender, sem o mesmo respeito aos
limites orçamentários, um investimento pesado em obras de infraestrutura e um
reforço dos programas de amparo social. Para piorar, Guedes travava uma batalha
com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, provocada mais por egos
inflados do que pela diferença de visões no caminho a seguir. Os sinais
antagônicos emitidos pelo presidente Jair Bolsonaro, que ora oscilava entre o
apelo eleitoral das medidas “fura-teto”, ora ponderava os riscos desse caminho
de gastança, não ajudavam nem um pouco. E as incertezas foram se agravando,
deixando investidores e empresários ressabiados e pessimistas com os rumos da
economia.
Tal
situação mudou radicalmente nos últimos dias, com um amplo esforço de
entendimento entre as partes envolvidas. Arestas foram aparadas e ambiguidades,
dirimidas. O ministro Rogério Marinho, visto por alguns como o líder da ala dos
“fura-teto”, deixou claro que não é contra a responsabilidade fiscal e parou de
polemizar com Paulo Guedes, recolhendo-se. Em paralelo, se havia
dúvidas quanto ao prestígio do “Posto Ipiranga” no Planalto, Bolsonaro
dissipou os rumores, fazendo questão de demonstrar nas últimas duas semanas seu
apoio incondicional às ideias do ministro da Economia. Na mesma direção, a
costura de um acordo de paz entre Guedes e Maia, sinal de que Executivo e
Legislativo podem caminhar para o mesmo objetivo, foi decisiva para desanuviar
as tensões que deixavam os mercados à beira de um ataque de nervos. Conduzidos
tais acertos, o cenário só não é melhor em decorrência do adiamento das
decisões mais relevantes para o período posterior às eleições (um pedido do
próprio Bolsonaro). Nesse momento, temos a promessa de que a agenda econômica
será tocada, mas isso ainda inquieta e desperta cautela em parte do mercado
quanto à implementação de medidas fundamentais, como o pacto federativo e as
reformas administrativa e tributária. E se houver algum retrocesso ou mudança
inesperada de rumo depois do pleito? E se Maia e Guedes brigarem de novo? Como
São Tomé, o apóstolo cético, tais investidores e empresários querem ver para
crer. E não deixam de ter razão com essa postura.
Apesar
disso, ainda que sem a execução dos acordos alinhavados em Brasília, áreas
específicas da economia começam a religar os motores e dar os primeiros sinais
de retomada. Alguns setores profundamente atingidos pela pandemia, como as
indústrias automobilística e de vestuário, já demonstram a chamada recuperação em
V, tão desejada e citada por Guedes. O mesmo acontece em segmentos como a
indústria de plástico e papelão, matérias-primas utilizadas em embalagens — um
forte indicador do reaquecimento das vendas de produtos de consumo. A
reportagem publicada a partir da página 48 faz um mergulho nas engrenagens
desse círculo virtuoso, que se alia ao bom desempenho de áreas estratégicas
como o agronegócio, mostrando que é possível, sim, crescer com
responsabilidade, sem recorrer a anabolizantes artificiais. Para que esse movimento
ganhe empuxo, no entanto, faz-se necessária a lógica da convergência, do
entendimento, dissipando-se as desconfianças e as pequenas vaidades. Com isso,
todos — Bolsonaro, Guedes, Maia, Marinho — ganham. Mas, acima de tudo, ganha o
Brasil.
*Publicado
em VEJA de 28 de outubro de 2020, edição nº 2710
Camisa de força no mandatário – Opinião | Revista IstoÉ
O que é que está acontecendo? Um presidente que prima pela ignorância agora quer cassar do brasileiro o direito essencial que ele tem à vida, à saúde e de não se infectar? Por mero capricho, devaneio político e inconsequência recorrente, o “mito” diz não à vacina? Onde vamos parar? Na sanha mortal que lhe acompanha desde que alcançou o Planalto, Jair Messias Bolsonaro tem abominado tudo que, na cabeça dele, em efervescente combustão para conceber decisões tresloucadas, possa representar trunfo aos demais, não lhe beneficiando.
Interessa pouco a saúde do povo. Importa sim capitalizar as vantagens de ser o redentor, mesmo que de araque. Só Messias pode. Só Messias manda. Só Messias é senhor da boa nova. Do contrário, ela não existe ou deve ser descartada. O capitão cloroquina, que já tripudiou do isolamento, desaconselhou o uso de máscara, virou garoto propaganda de uma droga que não funciona e faz pouco caso da vacina, vai escalando, degrau a degrau, a torre babilônica dos anárquicos, rumo ao pináculo da insensatez. Isso não é mais um presidente. É uma aberração no comando.
Leviano, cruel, inconsequente, Bolsonaro converte-se em candidato a genocida de alta periculosidade por medidas erráticas em profusão. Quem deveras pode dar ouvido a um personagem com escolhas tão estúpidas? O inquilino do Planalto caminha para consagrar o Brasil como palco de um dos maiores retrocessos civilizatórios da humanidade. Um mandatário à frente de um País que já registra quase 160 mil mortos em meses pela Covid-19 — dentre os mais letais do mundo nessa catástrofe sanitária, sob qualquer ordem de grandeza que se avalie — não pode simplesmente seguir promovendo teorias de pateta, aniquilando as chances de prevenção dos brasileiros.
Deveria ser imediatamente impedido de avançar nessa cruzada inconsequente. Não é de hoje que o notório defensor da tortura e assassinatos nos porões da ditadura, que já pregou a necessidade da morte de “uns 30 mil” numa batalha imaginária contra o comunismo, oferece nítidos sinais de desequilíbrio nas ideias, flertando com o obscurantismo. O Messias sem noção tenta, dessa vez, resgatar a apoplética “Revolta das Vacinas”, que no início do século passado — quando o povo era, naturalmente, menos informado — se estruturou em um movimento para resistir à vacinação em massa, proposta pelo célebre médico sanitarista Oswaldo Cruz contra a varíola, que salvou milhões de vidas e acabou por exterminar a doença.
Bolsonaro repete a sandice nos dias de hoje, pontificando de maneira virulenta e irresponsável uma resistência sem pé nem cabeça. Ele e seus acólitos seguidores de falanges ideológicas, terraplanistas por opção, dementes propagandistas da decadência cultural, empurram o País ao abismo da desinformação e do preconceito. Nas redes sociais, os robôs dessa massa infecta desprovida de alma espalham o terror, alegando que as pessoas serão caçadas na marra em suas casas para tomar a imunização sem comprovação científica.
Calúnia, mentira e má fé se misturam na abominável estratégia do bando de facínoras. Como podem fazer isso? Como o Brasil se deixou vergar sob a liderança de alguém tão limitado e míope de propostas? Que setores da elite econômica, política e pensante da Nação ainda acham razoável a aplicação de despautérios assim, levados a cabo por ordem e desejo de um governante sem eixo? Está mais do que na hora de dar um basta. O presidente, com as suas ambições mesquinhas — cultivando apenas o objetivo de se manter no poder pelo poder — vai destruindo os alicerces institucionais, pedra por pedra, capazes de sustentar o desenvolvimento nacional.
Estamos à beira da insolvência financeira, com o estrangulamento dos sistemas de controle e investigação da corrupção — Lava Jato asfixiada, PF manipulada e Ministério Público dominado —, e assistimos ao esfacelamento das boas práticas na Saúde, na Educação e em outros serviços essenciais. Tudo dominado, aparelhado para o erro, com desordem nas relações externas, na defesa do meio ambiente, dos direitos humanos, da Cultura. Nada fica de pé sob o tacape de um capitão que agora enterra o rigor científico e a eficácia das respostas sanitárias efetivas como a vacina, por meros delírios imperiais. Por que quer, e sempre quis, ele coloca a politicagem à frente do interesse coletivo dos brasileiros.
Há meses cidadãos, daqui e do mundo afora, sonham com a chegada de uma vacina. Está mais próxima do que nunca, mas o capitão planeja se impor como um obstáculo, maquinando o retardamento do seu uso, por ser “chinesa”, por ser do “governo Doria” e outras baboseiras inomináveis. A Coronavac, desenvolvida pelo laboratório Sinovac em conjunto com o Instituto Butantan — que é um dos mais respeitados do planeta e maior da América Latina —, deve ficar pronta em breve. Está, inegavelmente, na dianteira, seja em prazos ou na comprovação de eficiência. Mas Bolsonaro não quer. Por birra, ignorância, calhordice, casuísmo político.
Os brasileiros, de maneira uníssona, deveriam gritar em alto e bom som que esse senhor, com tal postura, não lhes representa, nem a seus anseios — porque todos querem, sim, a saída para essa dramática, implacável e angustiante pandemia da Covid, que já ceifou vidas além da conta. Ficar à mercê dos joguetes políticos de um chefe da Nação sem noção é optar pelo atraso irreparável. Surpreende, em meio à tamanha desordem da rotina de todo mundo, que ataques xenófobos dos fanáticos bolsonaristas à qualidade da Coronavac tenham vez e espaço.
É de um despropósito infame, enquanto a ciência busca, resignadamente, alternativas e respostas. O presidente e a sua cambada de aloprados parecem não levar em conta o sofrimento latente de milhares de famílias. Ao empurrar na latrina o acordo firmado entre o Ministério da Saúde e os governadores, Jair Bolsonaro acabou por demonstrar o inequívoco grau de delinquência administrativa a qual chegou. Governadores, estupefatos, se revoltaram com razão após o cancelamento da compra anunciada no dia anterior, de um lote de 46 milhões de unidades — o que atenderia um contingente considerável dos grupos de risco.
O governador do Maranhão, Flávio Dino, chegou a dizer que o presidente estava “possuído pelo ódio”. O mundo inteiro ficou estarrecido com a posição de Messias. É de se perguntar como qualquer parceiro, país, corporação ou investidor pode confiar em um governante com tamanho pendor à inconsequência? Teorias estapafúrdias parecem controlar o Planalto. Fala-se até de uma conspiração chinesa para o controle do País. Decerto, para se acreditar em algo assim, é necessário apresentar carência de massa encefálica e déficit cognitivo que levem a pessoa a viver numa realidade paralela. Pode ser espantoso, mas muitos por aqui seguem vivendo essa experiência, quase como em uma seita de fanáticos desmiolados. De forma geral, as manifestações de extrema direita no Brasil dos novos tempos vêm passando do razoável.
Invadiram o campo da insanidade. Têm sido imoral a forma como o presidente está fazendo política com o flagelo social. Não bastassem os cambalachos de assessores e os cuecões de dinheiro, o governo navega como uma nau de insensatos, tendo no manche um capitão que precisa ser anestesiado ou amarrado.
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