Assim
como as contas públicas estão a perigo, também a perigo está a (des)organização
do governo, dependente dos impulsos de um presidente imprevisível que impõe
suas idiossincrasias aos assessores e exige obediência servil, humilhando
publicamente mesmo seus mais próximos amigos. A série foi iniciada com o
afastamento do ministro chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo
Bebianno, e do General Santos Cruz, amigo de longa data e ministro influente,
ambos derrubados por conspiração palaciana levada a efeito pelo vereador Carlos
Bolsonaro.
A
disputa entre grupos civis e militares que assessoram o presidente no Palácio
do Planalto está escancarada, com os políticos do Centrão abrindo espaço a
cotoveladas. A briga do ministro do meio-ambiente Ricardo Salles com o chefe da
Secretaria de Governo, General Luiz Eduardo Ramos, pelo Twitter, revela a
instabilidade existente na equipe.
Não
me surpreenderei se os militares, aí incluído o vice-presidente Hamilton
Mourão, que tem atuação importante no Conselho da Amazônia, manobrarem para
tirar Salles do meio-ambiente, num gesto político de aproximação com os
governos europeus e uma preparação para a nova fase do relacionamento com os
Estados Unidos com a provável vitória do democrata Joe Biden.
O
problema maior é que o presidente Bolsonaro governa com as mídias sociais, e é
nelas que os apoiadores mais radicais já estão atuando para defender Salles,
com o reforço até mesmo do filho 02, deputado federal Eduardo Bolsonaro. Foi
também devido às redes sociais que o presidente Bolsonaro desmoralizou
publicamente seu ministro da Saúde, desautorizando uma fala sua na véspera,
quando autorizara a compra de 46 milhões de doses da vacina chinesa Coronavac.
Não
satisfeito com o vexame a que submeteu seu ministro, o vídeo que Bolsonaro o
obrigou a gravar, onde admitiu a velha máxima dos quartéis “manda quem pode,
obedece quem tem juízo”, é das coisas mais aviltantes já vistas. Retira
totalmente a condição de continuar ministro da Saúde do General Eduardo
Pazzuelo, mesmo que, como tudo indica, não se demita. A vantagem que tinha se
desfez com o episódio, pois nenhum interlocutor saberá a partir de agora até
onde vai a capacidade de decisão do ministro.
Sem
credenciais técnicas para ocupar o cargo, o General Pazzuelo tinha fama de ser
próximo do presidente Bolsonaro, o que lhe dava boas condições de negociação
com os governadores, por exemplo. Sua especialização em logística foi muito
importante durante a pandemia na distribuição dos equipamentos necessários ao
combate da Covid-19.
A
partir de agora, volta a ser o interino de si mesmo. Isso porque não estamos em
um quartel, nem ministro existe para falar sempre amém aos seus superiores. Em
política, a hierarquia nem sempre fala mais alto, a não ser em partidos
dominados por um caudilho.
O
presidente Bolsonaro assume a figura do Comandante em Chefe das Forças Armadas
para submeter os militares a seus desígnios, ao mesmo tempo em que os agrada
com mimos, mordomias e remuneração engordada. Um capitão de passado medíocre e
envolvido em terrorismo agora se impõe aos militares das mais altas patentes
não pelo mérito, mas pela ousadia dos irresponsáveis.
Já
tentou controlar, pelo poder da presidência, o Legislativo e o Judiciário, mas teve
que recuar pois sentiu que o Presidente da República pode muito, mas não pode
tudo. Assim como os fatos demonstraram que, naquele caminho de tentar
desestabilizar os demais Poderes, acabaria alimentando um processo de
impeachment, assim também essas colisões entre militares e civis podem levá-lo
a um impasse.
Bolsonaro entregou-se aos políticos do Centrão, e hoje é refém deles, sem os quais não terá facilidade para disputar a reeleição em 2002, em que pese sua popularidade. Mas os militares estão incomodados com a perda de poder político dentro do governo, e não é um vídeo claramente montado para aparentar normalidade, e que dobrou a humilhação já imposta, que resolverá a situação. O Centrão quer a coordenação política para si, tarefa atribuída ao General Ramos, e esse embate não será resolvido sem vítimas.
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