O
Capitão Cloroquina fez o que pôde para ajudar o vírus
O
ano está quase no fim e me pergunto: como resumiria este 2020, que mudou nossas
vidas para sempre? As covas coletivas abertas por escavadeiras encerram numa
única imagem a nossa desventura. Mais de 155 mil mortos.
Não
precisava ser assim. Mas o capitão cloroquina fez o que pôde para ajudar o
vírus. Sabotou a quarentena, promoveu aglomerações, boicotou as máscaras e
distribuiu perdigotos. Demitiu ministros, não testou o suficiente, menosprezou
a ciência. Como continua fazendo, ao questionar a qualidade de uma vacina e
estimular um surreal movimento contrário à imunização.
Mais
de um século nos separam do episódio que ficou conhecido como a Revolta da
Vacina. Em novembro de 1904, um motim popular explodiu no Rio de Janeiro em
rejeição à obrigatoriedade da vacinação contra a varíola. Houve mortos, feridos
e prisões. O contexto era de protestos contra uma reforma urbana e sanitária
imposta a ferro e fogo.
Entre
a sublevação de 1904 e hoje, o Brasil construiu sólida reputação no combate a doenças
infecciosas, com as mentes brilhantes de Oswaldo Cruz, Carlos e Evandro Chagas,
Vital Brazil e Adolfo Lutz, para citar só alguns. O Programa Nacional de
Imunizações tornou-se patrimônio nacional. Criado nos anos 1970, fortaleceu-se
com o SUS, universalizou a vacinação e erradicou doenças.
Pouco
importa se Bolsonaro ataca a vacina de origem chinesa por vassalagem a Trump ou
cálculo eleitoral contra um adversário político, no caso, Doria. Muito mais
grave é saber que a confusão e o descrédito que tenta lançar contra a
imunização se inscrevem num ataque amplo e ininterrupto contra a ciência e o
conhecimento que salvam vidas.
O
mundo inteiro espera a vacina, seja qual for sua procedência, porque é a única
maneira de voltarmos a viver em algum nível de normalidade. Em sua parvoíce
profundamente entranhada e da qual se orgulha, Bolsonaro tornou-se um agente da
infecção, um parceiro do vírus. Tornou-se, ele próprio, a epidemia.
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