Confesso que mesmo com toda a minha experiência de 38 anos, como político e gestor público, fico estupefato com a leitura dos jornais. Por vezes sinto que estou vivenciando um misto de teatro do absurdo, filme de terror e seriado dos três patetas. É inacreditável que diante de uma crise sanitária, econômica e social gravíssima, tenhamos tal descolamento da realidade.
Contraí a COVID. Foram quatorze dias de convivência com o vírus, terminados ontem. Este vírus é traiçoeiro. Não há um padrão. Cada pessoa manifesta os sintomas e sofre as consequências de um jeito único. Baixei na UTI. Lá fiquei três dias e li o livro do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, “Um paciente chamado Brasil” (Objetiva). E enxerguei ali a dificuldade de alguém de bem, com as melhores intenções, apoiador de Bolsonaro desde o primeiro turno, querendo apenas acertar na política de combate à pandemia, para impor o mínimo de compromisso com as evidências, a ciência, a realidade, a experiência internacional e as limitações operacionais. Como às vezes a má política e a miopia ideológica podem ser nocivas ao interesse real das pessoas e do país?
Muitas pessoas não entenderam que o isolamento social e as medidas preventivas não eram para derrotar o vírus. A vitória só virá com a vacinação em massa. O período de lockdown tinha dois objetivos: estudar o vírus e preparar a retaguarda hospitalar e o sistema de saúde. Tivemos relativo êxito. Mas o despenho do Brasil e dos EUA, pra citar dois ambientes de negacionismo, são proporcionalmente muito piores do que no restante do mundo. Não há argumentação política ou ideológica possível que justifique que o Brasil tenha 2,7% da população mundial e 14% das mortes por COVID. Alguma coisa deu errado. Qual não foi a minha surpresa ao ler o noticiário da semana e ver a inútil, nociva e desqualificada discussão sobre a vacinação contra a COVID-19. Vamos pedir passaporte à vacina?
O vírus que está matando o Brasil é a falta de tolerância e diálogo. Termino com o gesto maior de dois ex-presidentes do Uruguai, que deveria servir de inspiração para o Brasil, o conservador colorado Julio Maria Sanguinetti e o líder de esquerda, José Mujica, que renunciaram ao Senado conjuntamente. Cito o trecho do discurso de Mujica:
“No meu jardim, há décadas, não cultivo o ódio. Aprendi uma dura lição que a vida me impôs. O ódio acaba deixando as pessoas estúpidas. Passei por tudo nessa vida, fiquei seis meses atado por um arame, com as mãos nas costas. Fiquei dois anos sem ser levado para tomar banho e tive que me banhar com um copo. Já passei por tudo, mas não tenho ódio de ninguém”.
Que o Brasil seja mais Mujica e menos ódio!
* Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)
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