sábado, 24 de outubro de 2020

José Márcio Camargo* - A pandemia e o mercado de trabalho

- O Estado de S.Paulo

Medidas direcionadas a gerar empregos no setor de serviços são fundamentais neste momento

O efeito da pandemia sobre o mercado de trabalho brasileiro foi devastador. Ainda que o País não tenha adotado lockdowns tão restritivos quanto em outras regiões, como FrançaItáliaEspanha e alguns Estados americanos, entre outros, os efeitos sobre a atividade, a ocupação e a renda da população foram extremamente negativos. O Produto Interno Bruto (PIB) da economia brasileira caiu 11,4% no segundo trimestre de 2020, em relação ao mesmo período de 2019, e o nível de ocupação mostrou queda de mais de 10% entre março e abril (12 milhões de trabalhadores ficaram desocupados).

Os trabalhadores menos educados, os mais jovens e os informais foram os que tiveram maior perda. Dos 12 milhões de novos desocupados, 8 milhões (70%) eram informais e 4 milhões (40%), formais. Entre os mais jovens (14 a 17 anos) a redução no número de ocupados no segundo trimestre de 2020 em relação ao segundo trimestre de 2019 foi de 35,2%, enquanto para os trabalhadores com idade acima de 40 anos a queda foi de 5,5%. Trabalhadores com ensino superior completo ou incompleto tiveram aumento de 2% na ocupação no segundo trimestre de 2020, em comparação com o mesmo trimestre de 2019, enquanto a queda da ocupação dos trabalhadores sem instrução ou com fundamental incompleto atingiu 21,7%.

Com a diminuição do isolamento social, os primeiros sinais de recuperação da atividade começaram a aparecer já em junho. Agropecuária, indústria, construção civil e o comércio mostram forte crescimento da atividade e da geração de postos de trabalho formais. Na agropecuária, após dois meses de queda da ocupação formal, totalizando 12 mil demissões líquidas, foram gerados 86 mil postos de trabalho formais. No setor industrial, após terem sido destruídos 300 mil empregos formais, foram gerados em julho e agosto 150 mil empregos formais. Na construção civil, a redução de 120 mil postos de trabalho já foi compensada entre junho e agosto, e no comércio, dos 400 mil postos de trabalho destruídos, já foram repostos 90 mil postos.

Entretanto, o setor de serviços, que é o maior gerador de postos de trabalho, principalmente para os trabalhadores jovens, informais e menos qualificados, continua bastante defasado. Depois de destruir 600 mil postos de trabalho formais, somente em agosto o setor retomou a trajetória positiva, tendo gerado 45 mil postos de trabalho. Estes dados sugerem que medidas direcionadas a gerar postos de trabalho no setor de serviços são fundamentais.

O setor de serviços no Brasil é um setor que tem uma tecnologia flexível, de baixa produtividade, com uma porcentagem relativamente grande de trabalhadores informais, pouco qualificados e jovens – exatamente os grupos que mais sofreram com a queda da atividade na pandemia. Em razão do baixo valor da produtividade do trabalho neste setor, comparado ao valor do salário mínimo, uma grande parte dos trabalhadores não tem carteira assinada ou são trabalhadores por conta própria sem CNPJ.

Neste contexto, medidas que reduzam ou que evitem um aumento do custo de contratação destes trabalhadores, como não aumentar o salário mínimo até que o mercado de trabalho se estabilize e desonerar a folha de salários, seriam muito efetivas, não apenas para aumentar a ocupação, mas também para reduzir a informalidade.

É, também, importante simplificar as normas trabalhistas e evitar criar instituições que enrijecem o mercado de trabalho. Em especial, seriam particularmente negativas medidas que têm por objetivo regular formalmente fatores subjetivos do trabalho não presencial, como a jornada de trabalho e tratar acidentes domésticos como se fossem acidentes de trabalho, e criar regulações que tornem mais cara ou mais difícil a intermediação de mão de obra via aplicativos. Aumentar o custo de contratação e tornar o mercado mais rígido, ainda que o objetivo seja proteger os trabalhadores, vai apenas mantê-los desocupados.

*Professor do Departamento de Economia da PUC/Rio, é economista-chefe da Genial Investimentos

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