terça-feira, 21 de julho de 2020

Armando Castelar Pinheiro* - As eleições americanas

- Valor Econômico

Se Trump perder, as chances de reeleição de Bolsonaro minguarão e o presidente se tornará um “pato manco”

A crise do coronavírus e a euforia com a alta das ações têm desviado a atenção de um acontecimento da maior relevância: as eleições nos Estados Unidos, cujo resultado será decisivo para onde vão as bolsas, a geopolítica global e o quadro político brasileiro. Faltando três meses e meio para os americanos irem às urnas, e com um quadro eleitoral ainda indefinido, o tema vai ganhar destaque daqui para a frente.

Até o início do ano, a reeleição de Trump era vista como bem provável. Em parte, porque presidentes americanos em geral são reeleitos. Segundo, e mais importante, porque a economia americana mostrava um desempenho excelente, experimentando o mais longo ciclo de expansão da sua história documentada, com o desemprego em valores historicamente muito baixos e com as bolsas de valores batendo recordes sucessivos.

A pandemia mudou totalmente esse quadro. Por um lado, porque jogou a economia em recessão e o desemprego nas alturas. Por outro, pelo drama humanitário: já são 3,8 milhões casos de coronavírus nos EUA, com mais de 140 mil mortes, nos dois casos recordes mundiais. A postura de Trump, de minimizar a letalidade da covid-19, como ocorreu com Bolsonaro no Brasil, contrariou muitos dos que votaram nele em 2016. A segunda onda da pandemia, que agora afeta Estados como Texas, Flórida, Arizona, que ajudaram a eleger Trump em 2016, pode ter impacto decisivo no resultado eleitoral.

Esses fatores fazem com que o governo Trump seja desaprovado por 56% dos americanos, contra 42% que o aprovam. Além disso, 69% veem o país indo na direção errada, contra 24% que o veem no rumo certo.

As pesquisas colocam Joe Biden na frente, com 49,3% das preferências dos eleitores, contra 40,7% de Trump. Nas casas de apostas, a vitória de Biden também aparece como o resultado mais provável. Em relação à Câmara dos Deputados, os democratas são os preferidos dos eleitores. No Senado, a disputa segue indefinida.

Mas tudo pode mudar, como ocorreu em 2016, quando a vitória de Hillary Clinton parecia certa e Trump acabou vencendo. As regras eleitorais americanas, em que, na maioria dos Estados, o ganhador local leva todos os votos no Colégio Eleitoral, contribuem para tornar incerto o resultado das eleições. São essa regras que explicam Hillary ter tido mais votos que Trump, mas este ter se sagrado vencedor. Se as eleições fossem hoje, Biden teria 222 votos no Colégio Eleitoral, contra 115 de Trump, mas ainda há 201 votos indefinidos.

Em que pese toda a confusão, todos os tweets e meias voltas dos últimos quatro anos, o mercado financeiro prefere que Donald Trump seja reeleito, a ter Joe Biden como o 46º presidente americano. Não por questões ideológicas, mas porque Trump é visto como melhor para os negócios e os preços das ações. Isso pois Biden vai tentar elevar os impostos corporativos cortados por Trump, derrubando os lucros, e ser mais rigoroso na questão ambiental, o que significa travar alguns investimentos liberados por Trump, como na exploração e transporte de petróleo, por exemplo.

Por outro lado, Biden não vai voltar atrás na guerra fria com a China, algo que também desgosta o mundo corporativo e o mercado de ações. A política de desengajamento econômico e de penalização de empresas e cidadãos chineses conta com amplo apoio no mundo político americano, aí incluídos os democratas. Biden, de fato, deve ser mais eficaz em formar uma aliança de oposição à China com países da Europa e da Ásia, acelerando o processo de separação da economia mundial em dois grandes blocos, com grande impacto na área de tecnologia.

O resultado das eleições nos EUA vai influenciar o quadro político brasileiro. O cenário base com que os analistas trabalham atualmente é de que o presidente Bolsonaro terá uma atuação mais apagada na segunda metade de seu governo, evitando confrontos com outros Poderes, focando em defender-se de um impeachment no Congresso e com pouco apetite para grandes reformas. Dessa forma, tentaria viabilizar sua reeleição em 2022, partindo de uma base significativa de apoio, que lhe segue fiel, e apostando em nova polarização com o PT.

Porém, se Trump for reeleito, isso dará um novo gás a Bolsonaro. Não só porque ele tem uma relação próxima com o presidente americano, mas porque isso sinalizará que também Bolsonaro tem chance alta de ser reeleito. Isso aumentará o apoio que terá de outros atores políticos. Como se diz, política é acima de tudo sobre a perspectiva de poder. Com o poder reforçado, é bem possível que o presidente volte a provocar conflitos.

Por outro lado, se Biden ganhar, o isolamento internacional do Brasil, inclusive por conta da questão ambiental, aumentará muito. Os EUA passarão de parceiro a crítico, reforçando o discurso que hoje se vê na Europa contra o desmatamento da Amazônia e as ameaças à democracia. A piora das relações americanas com a China não ajudará, deixando o Brasil em uma saia justa. As chances de reeleição minguarão e Bolsonaro se tornará um “pato manco”. É bem possível que isso acabe abreviando o mandato do presidente.

O fim de ano promete emoções. Em que direção, saberemos em breve.

*Armando Castelar Pinheiro é Coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV, professor da Direito-Rio/FGV e do IE/UFRJ

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