Deve-se manter a floresta em pé, para explorar a sua biodiversidade, e devido ao seu papel na agricultura
A Amazônia causa sonhos e pesadelos nos brasileiros, da lenda da existência de um Eldorado na selva às conspirações de forças para subtrair a soberania nacional sobre a região. Mas, distante da fantasia, a Amazônia se tornou um problema grave, diplomático e econômico, devido à aplicação pelo governo Bolsonaro de uma política agressiva de exploração predatória da floresta.
Por mais contraditório que possa parecer, é este avanço bolsonarista que reforça um antigo projeto de exploração “da floresta em pé”, algo que já foi considerado ideia de ecologista radical e que cada vez mais ganha sustentação científica. O ciclo de destruição iniciado quando o presidente Bolsonaro escalou Ricardo Salles para assumir o Ministério do Meio Ambiente a fim de, por meio de mudanças de normas, de portarias e de outros dispositivos, permitir que “a boiada” de madeireiros e garimpeiros passasse na região reforça a necessidade de uma visão racional e responsável da Amazônia.
Os sistemas de vigilância dos satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) começaram a detectar o crescimento das manchas de desmatamento em alta velocidade. De janeiro a maio, os alertas apontaram para o alto. Apenas em maio, envolveram 830 quilômetros quadrados de área desmatada, 12% a mais que no mesmo mês de 2019, a maior área destruída neste mês desde 2015, quando o Inpe lançou o serviço de vigilância. As pressões de grandes empresas globais que atuam nos mercados de carnes e grãos aumentaram sobre o Brasil, e o governo recuou. O vice-presidente Hamilton Mourão ocupou espaços no gerenciamento da crise, a partir do Conselho da Amazônia, do qual Ricardo Salles participa, mas sem poder de decisão absoluto, e surge a possibilidade de haver alguma racionalidade no enfrentamento do tema.
Em entrevista publicada no GLOBO de domingo, o climatologista Carlos Nobre, de projeção internacional, explicou o porquê de empresas multinacionais do ramo do comércio de commodities defenderem a floresta: o agronegócio, 20% do PIB brasileiro, até agora blindado contra crises, depende do clima regulado pela Floresta Amazônica, que funciona como um “ar-condicionado continental”. Por meio de “rios voadores”, a umidade é distribuída pelas correntes de ventos, beneficiando não só o Brasil. Na visão de Carlos Nobre, se a floresta hoje já tem este valor incomensurável, mantê-la em pé abre novos espaços para negócios. Desmatar, alerta, dá lucros a poucos e por curto tempo, e a floresta não volta a ser o que era. A agricultura do Centro-Oeste e Sul será afetada, bem como a Mata Atlântica.
Há sólidas evidências técnicas de que a preservação da Floresta não prejudica a agricultura moderna, que aumenta a produção sem ampliar a área cultivada. O climatologista defende o conceito da “Amazônia 4.0”, em que os pilares da exploração da região encontram-se no uso da sua biodiversidade. Sem preservar a floresta, este salto será impossível. Esta é a melhor agenda amazônica.
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