Em entrevista ao GLOBO, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), elencou entre suas prioridades a desvinculação das receitas engessadas no Orçamento, tema fundamental. O princípio que ele defende é correto. Como disse o próprio Lira, as democracias mais sólidas são aquelas em que o Legislativo mantém controle sobre o que é gasto e onde é gasto. Nosso Congresso, não é novidade, se tornou um mero carimbador de verbas, com quase todo o Orçamento já predeterminado pela legislação.
Mas
a desvinculação orçamentária ampla de que tanto se fala também não passa de
ilusão. Os gastos obrigatórios com salários do funcionalismo, Previdência e
assistência social não poderiam ser “desvinculados” sem uma alteração profunda
dos direitos gravados na Constituição. A proposta encaminhada no texto da PEC
Emergencial, que permite o remanejamento de gastos em saúde e educação em
estados e municípios sem compromisso com o piso mínimo, deverá ter pouco
efeito.
Sem uma reforma administrativa robusta e outras alterações constitucionais, pelo menos 90% do Orçamento continuam carimbados nas rubricas obrigatórias, incluindo aí custos ligados ao funcionalismo na Saúde e na Educação (a lei destina 15% da receita líquida da União à primeira, 18% à segunda). Maior item das despesas públicas primárias depois da Previdência, a folha dos servidores é blindada contra cortes pela estabilidade dos funcionários e ainda cresce vegetativamente pelas promoções automáticas por tempo de serviço e outras benesses.
Ainda
há pagamentos de sentenças judiciais, subsídios, transferências a estados e
municípios e benefícios como seguro-desemprego, abono salarial e Bolsa Família.
Diversas dessas verbas também não poderiam ser simplesmente “desvinculadas” sem
estudos sérios a respeito do impacto nas respectivas áreas. A saúde pública
custa algo como 4% do PIB. Falar em melhorar a gestão sem apontar exatamente os
ralos por onde o dinheiro escoa pode resultar em cortes irresponsáveis no meio
de uma pandemia.
O
mesmo vale para a Educação. Os recursos são redistribuídos no ensino básico
pelo Fundeb. Por reunir num único programa receitas tributárias de União,
estados e municípios, é uma solução engenhosa para que recursos de entes
federativos ricos sejam “desvinculados” para ajudar cidades e estados mais
pobres. Uma maneira de distribuir melhor o dinheiro público dentro de um setor
estratégico.
A
superficialidade da proposta de Lira corresponde a outra estratégia, bem comum
no Brasil: tentar empurrar problemas com a barriga. Chega a ser simplório
simplesmente dizer platitudes como “quero 40% do Orçamento para Educação, então
a população vai votar em deputados que defendam a Educação”. Significaria
deixar o Orçamento à mercê dos esquemas político-eleitorais e dos lobbies.
O
primeiro passo para o Legislativo retomar o controle do Orçamento é um conjunto
de reformas, entre elas a administrativa, que não poupe funcionários da ativa e
imponha ao setor público critérios de gestão que façam sentido na realidade
brasileira, em vez da profusão de mamatas e privilégios que continuam em vigor.
Também não pode faltar a avaliação da qualidade das despesas. Só assim os
gastos obrigatórios cairiam como proporção do Orçamento, e o Congresso poderia
arbitrar sobre uma fatia maior, como deseja.
Profusão
de assessores na Alerj expõe farra com dinheiro público – Opinião / O Globo
Legislativa
do Rio de Janeiro, no Centro, delimitam um território que se assemelha a uma
ilha de prosperidade, cercada de crise por todos os lados. Em contraste com um
estado quebrado, que só não foi à bancarrota graças ao providencial socorro
financeiro do governo federal em 2017, a Alerj não conhece aperto. Exemplo
disso é a fartura de assessores que flanam pelos gabinetes dos deputados
fluminenses.
Como
mostrou reportagem do GLOBO, a Casa gasta R$ 9,2 milhões por mês com o salário
de 2.229 assessores. Cada um dos 70 deputados tem direito a 20 cargos de
assessoria. Pode, com salários menores, multiplicá-los por dois, chegando a 40.
A maioria prefere manter a cota máxima ou algo próximo — a média é de 32
funcionários por gabinete. Apenas seis (8,6%) têm até 20 funcionários. Mesmo
deputados que deixaram a Alerj para ocupar cargos no Executivo mantêm assessores
nos gabinetes dos suplentes. Há 86 nessa situação. Só em janeiro, custaram ao
estado R$ 300 mil.
A
farra com o dinheiro do contribuinte fica mais evidente quando se compara a
Alerj com outras Casas. Com 94 parlamentares, a Assembleia Legislativa de São
Paulo — estado mais rico da Federação — limita a 23 o número de funcionários
por deputado (na média, são 19 por gabinete). Na do Rio Grande do Sul, cada um
dos 55 políticos tem direito a nove cargos de assessoria, que chegam a no
máximo 17, com salários menores.
A
Alerj alega que o número de assessores foi reduzido em 2019 (de 63 para 40).
Isso representou uma economia de até R$ 1,4 milhão por mês. Ainda assim, o
escândalo persiste. A Casa argumenta ainda que o salário médio de R$ 3,8 mil
pago a esses assessores é “substancialmente abaixo da remuneração média dos
servidores públicos do estado”. Ora, isso é um acinte à sociedade, considerando
que mais de metade da população brasileira tem renda inferior a um salário
mínimo (R$ 1,1 mil). As desculpas dos deputados também são esfarrapadas.
Afirmam que todos os funcionários trabalham — e poderia ser diferente? — e que
essa estrutura é compatível com a produção legislativa — que tanta produção é
essa que ninguém vê? Para que tanto assessor? Que fazem? Não se sabe. O certo é
que florescem no ambiente das notórias “rachadinhas”, como a que veio à tona no
caso Queiroz envolvendo o hoje senador Flávio Bolsonaro, ex-deputado da Alerj.
O
Rio vive uma crise financeira sem precedentes, aliada a uma pandemia que legou
ao estado o segundo maior número de mortes por Covid-19 e a maior taxa de
mortalidade entre todas as unidades da Federação. Milhares de fluminenses
perderam seus empregos; crianças ficaram sem escola e sem merenda; a pobreza e
a miséria aumentaram. Há famílias passando fome. Políticos não podem viver numa
bolha, como se tudo isso não fosse com eles. A empatia com o eleitor não deve
ser invocada apenas na hora de pedir voto. Os abastados deputados precisam cair
na real.
Uma intervenção desastrosa – Opinião / O Estado de S. Paulo
A
intervenção na Petrobrás combina com o fracasso econômico da gestão Bolsonaro,
evidente já antes da pandemia
Gente esforçada, os americanos acordaram cedo para se livrar de papéis da Petrobrás ontem de manhã. Títulos da empresa despencaram 16% no pré-mercado, isto é, antes da abertura oficial do pregão. Ao mexer na empresa, como sempre desastrado, o presidente Jair Bolsonaro assustou também os estrangeiros, importantes fontes de capital para a estatal brasileira. Talvez ele ignorasse, ou ainda ignore, também esse detalhe. No Brasil ações da petroleira estavam em queda de 19% por volta do meio-dia, arrastando para baixo papéis de estatais, como o Banco do Brasil (BB) e Eletrobrás, e o Ibovespa. Esse índice, o principal da bolsa brasileira, recuou 4,84% durante a manhã.
Nessa
altura, a Petrobrás acumulava perda de cerca de R$ 100 bilhões de valor de
mercado, iniciada no último fim de semana. No fechamento da quinta-feira, a
empresa ainda valia R$ 382,99 bilhões. Só na sexta-feira foram perdidos R$ 28,2
bilhões. O presidente prometeu novas intervenções e mencionou o setor de
energia elétrica. Mas, no fim de semana, circulou no mercado a hipótese de
mudança na direção do Banco do Brasil, ensaiada recentemente, mas ainda
irrealizada.
O
motivo dessa intervenção seria o programa de fechamento de agências físicas e
de redução de pessoal apresentado recentemente pela presidência do banco. O
presidente Bolsonaro já havia interferido na gestão do BB ao condenar
moralmente uma campanha publicitária. A censura foi aceita e cumprida, embora
incompatível com as normas de administração de empresas como o BB. O presidente
da instituição acabou renunciando ao posto, bem mais tarde, por outro motivo.
Mas
os danos causados pelo presidente Bolsonaro, incapaz de entender as funções
presidenciais e, mais amplamente, a própria noção de governo, vão muito além
dos males causados diretamente à Petrobrás ou a qualquer outra entidade
vinculada ao poder federal. A incompetência presidencial, manifestada com o
máximo de truculência e nenhuma percepção das questões econômicas, legais,
sociais e empresariais mais importantes em cada caso, afeta largamente o
funcionamento da economia brasileira e as expectativas de quase todos os grupos
de agentes.
A
piora das expectativas foi claramente mostrada, ontem, no último boletim Focus divulgado
pelo Banco Central. Em uma semana, a mediana das projeções da inflação oficial
passou de 3,62% para 3,82%. O dólar estimado para o fim do ano subiu de R$ 5,01
para R$ 5,05. A taxa básica de juros esperada para dezembro aumentou de 3,75%
para 4%, o dobro daquela em vigor neste momento. O déficit primário (sem juros)
do setor público voltou a 2,80% do Produto Interno Bruto (PIB), depois de haver
recuado para 2,70%. O crescimento do PIB foi revisto de 3,43% para 3,29%.
Quatro semanas antes ainda se apostava em 3,49%.
Resumindo:
as expectativas são de inflação maior, dólar mais caro, rombo fiscal mais
amplo, juros mais altos e menor expansão econômica. Outras pesquisas já
indicaram piora das expectativas dos empresários industriais e aceleração dos
preços por atacado.
Ao
comentar reações do mercado, o vice-presidente Hamilton Mourão falou em
“rebanho eletrônico”. É um comentário estranho, quando se vê a mudança de
orientação de grandes instituições financeiras. Analistas da XP Investimentos,
do Bradesco e do Crédit Suisse passaram a recomendar a venda de papéis da
Petrobrás. Seus colegas do BTG Pactual e da Mirae Asset foram mais contidos,
mas deixaram de recomendar a compra. Nada, no currículo do vice-presidente,
parece credenciá-lo para menosprezar dessa maneira a resposta de tantos
analistas.
Afinal,
trata-se mesmo de uma intervenção grosseira, confirmada pela demissão do
presidente da empresa antes do fim de seu mandato. Esse episódio combina com o
fracasso econômico da gestão Bolsonaro, evidente já antes da pandemia, com a
grotesca propaganda da cloroquina, com a imprevidência no caso da vacinação,
com sua política armamentista e com a fixação nos assuntos familiares e na
reeleição. Nenhum vice-presidente contemporizador poderá disfarçar essas
barbaridades.
O
realismo da Câmara – Opinião / O Estado de S. Paulo
Câmara
tem prioridades diferentes das do presidente Jair Bolsonaro
Não precisou de um mês. Após três semanas da eleição das presidências das duas Casas legislativas, a liderança da Câmara dos Deputados manifesta que, além de querer distância do bolsonarismo, tem prioridades diferentes das do presidente Jair Bolsonaro. O recado foi dado em duas recentes entrevistas – do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), e do vice-presidente da Casa, Marcelo Ramos (PL-AM).
Questionado
se a ala ideológica do bolsonarismo atrapalhava a agenda legislativa, o
vice-presidente da Câmara foi claro em sua resposta. “Certamente. (...) Nós
deixamos de votar hoje (sexta-feira passada) uma medida provisória para
comprar vacina porque vamos ter que votar a prisão do deputado Daniel
Silveira”, disse o deputado ao Estado, referindo-se ao parlamentar
bolsonarista preso por pronunciar um discurso golpista e ofensivo ao Supremo
Tribunal Federal. “Veja que absurdo para o País. Infelizmente, esses setores do
bolsonarismo não têm responsabilidade nem com a pauta econômica do próprio
governo Bolsonaro”, declarou o vice-presidente da Câmara.
Quanto
às prioridades do País, Arthur Lira e Marcelo Ramos não têm nenhum receio de
expor sua falta de sintonia com o presidente Jair Bolsonaro. Não falam de armar
a população ou de excludente de ilicitude, tampouco da chamada pauta de
costumes.
Presidente
e vice-presidente da Câmara falam, isso sim, de vacina e orçamento público, de
reformas administrativa e tributária, de eficiência dos gastos públicos, de
definição de políticas sociais. Não há dúvida de que são temas politicamente
complexos. Caso queira de fato levá-los adiante, a presidência da Câmara
enfrentará não poucas dificuldades para sua aprovação. No entanto, é inegável o
contraste com a agenda do Palácio do Planalto.
Além
da diferença de prioridades, Arthur Lira e Marcelo Ramos deixam claro como veem
Jair Bolsonaro. “Vocês sabem que o presidente tem algumas resistências com
relação às reformas”, disse Arthur Lira ao jornal O Globo. Convém
lembrar que não se trata de um opositor do governo. É o presidente da Câmara,
eleito com apoio do Palácio do Planalto, dizendo que o presidente Jair
Bolsonaro é contrário ao que ele mesmo propôs na campanha eleitoral de 2018.
Contasse
o governo Bolsonaro com um mínimo de credibilidade, a declaração de Arthur Lira
sobre a falta de espírito reformista do presidente da República produziria, ao
menos, alguma consternação. No entanto, nada disso ocorreu. Nas atuais
circunstâncias, a frase do presidente da Câmara soou como simples constatação
de um fato evidente.
Nesse
diagnóstico de Jair Bolsonaro, Marcelo Ramos aponta outro dado que, a rigor, deveria
causar escândalo, já que é a antítese do governo prudente. “O presidente
Bolsonaro, às vezes, toma algumas decisões por impulso. Ele está andando de
bicicleta e alguém encontra ele e diz: ‘Presidente, tem que abaixar o imposto
da bicicleta, bicicleta é muito caro’. Aí ele vai e toma a medida”, disse o
vice-presidente da Câmara. Mais uma vez, a avaliação nada elogiosa sobre o
presidente tem, nos dias de hoje, caráter de evidência.
Perante
um governante que age por impulso e sem coerência com suas propostas, a Câmara
dá a entender que deseja assumir postura bem diferente. Vislumbra-se, uma vez
mais, o pragmatismo do Congresso. Com uma pandemia a ser enfrentada, uma
economia a ser reerguida e milhões de brasileiros desempregados, as lideranças
da Câmara perceberam que o negacionismo bolsonarista não lhes trará nenhum
proveito político.
Com
um Executivo federal inábil e ineficiente – o diagnóstico é formulado pelos
próprios aliados –, o Congresso busca o protagonismo das soluções dos problemas
reais do País. Não foi por acaso que Marcelo Ramos citou a votação sobre a
verba para compra de vacina anti-covid.
O
cenário político atual realça uma realidade fundamental. O Congresso está cheio
de defeitos e muitas declarações de parlamentares não merecem especial credibilidade.
No entanto, mesmo com todos os seus erros, o Legislativo, que deve representar
os interesses da população, vem mostrando disposição de fazer um necessário
contraponto a um Executivo tão errático quanto o atual.
Riscos na era pós-covid – Opinião / O Estado de S. Paulo
Países
devem melhorar a análise de risco e a cooperação entre cientistas e lideranças
O fato de a doença que matou mais de 2 milhões de pessoas em um ano ser causada por um coronavírus da síndrome respiratória aguda grave “2” deveria alertar todos para a necessidade de fortalecer as previsões estratégicas de risco. Desde a Sars-CoV-1, em 2002 na China, mais de 60 outras epidemias eclodiram, incluindo as altamente letais ou incapacitantes, como ebola ou zika. Desde o novo coronavírus, já foram registradas quatro outras epidemias.
“No
entanto”, alertou o Fórum Econômico Mundial na apresentação de seu Global
Risks Report, “se as lições desta crise só informarem as
lideranças sobre como se preparar para a próxima pandemia – ao invés de
aprimorar os processos, capacitações e cultura de risco – o mundo estará
novamente se planejando para a última crise ao invés de antecipar a
próxima.”
Lideranças
públicas e privadas ouvidas pelo Fórum categorizaram três grupos de risco. Os
mais “prováveis” para a próxima década são os associados aos danos ambientais
extremos e às transformações digitais (como ataques cibernéticos ou
concentração de poder e desigualdade digital). Entre os riscos de “alto
impacto”, as doenças infecciosas são as mais temidas, seguidas pelos
ambientais, além de armas de destruição em massa; crises nos meios de vida;
crises fiscais e colapsos na infraestrutura da tecnologia de informação.
Finalmente, há os riscos “iminentes” – mais prováveis nos próximos dois ou três
anos – como desemprego e crises nos meios de vida; desilusão generalizada da
juventude; desigualdade digital; estagnação econômica; danos ambientais; erosão
da coesão social e terrorismo.
A
fragilidade econômica e as rupturas sociais devem aumentar, uma vez que o
impacto da pandemia de covid-19 foi desproporcional, agravando disparidades na
saúde, educação, estabilidade financeira e tecnologia.
Um
efeito colateral da pandemia foi acelerar a 4.ª Revolução Industrial. A
ampliação da digitalização das interações humanas, e-commerce, educação e
trabalho remoto traz grandes promessas a médio prazo. Mas, a curto, as divisões
digitais agravam os riscos de fraturas sociais. “O progresso rumo à inclusão
digital é ameaçado pela crescente dependência digital, automação acelerada,
supressão e manipulação da informação, lacunas na regulação da tecnologia e
lacunas nas habilidades e capacidades tecnológicas.”
Com
a segunda crise global em uma década, muitos jovens entrarão no mercado de
trabalho em uma “era do gelo do emprego”, confrontados por graves desafios à
sua educação, perspectivas econômicas e saúde mental. Os riscos de uma geração
“perdida” – e revoltada – são críticos.
A
hecatombe precipitada por um organismo microscópico e inédito também deveria
alertar a humanidade para riscos extremamente improváveis, mas extremamente
devastadores – tanto mais que o poder humano para alterar a realidade em
macroescala (o meio ambiente) tanto quanto em micro (dos códigos genéticos a
partículas subatômicas) cresce vertiginosamente. Riscos outrora confinados às
distopias da ficção científica – como controle neuroquímico, máquinas de
manipulação cerebral, edição genética, armas nucleares em pequena escala,
desestabilização dos polos geomagnéticos ou micro-organismos pré-históricos
descongelados com o derretimento da calota polar – são cada dia mais
reais.
Ante
a crise da covid-19, o Fórum identifica quatro oportunidades de governança para
fortalecer a resiliência de países, negócios e da comunidade internacional:
formular quadros analíticos com vistas a uma abordagem holística dos riscos;
investir em peritos de risco de alto nível para aprimorar a inovação e
capacitação na análise de risco e melhorar a cooperação entre cientistas e
lideranças; melhorar as comunicações de risco e combater a desinformação; e
explorar novas formas de parceria público-privada na preparação de risco.
Quanto
mais o mundo for interconectado mais os riscos serão compartilhados. Cada
indivíduo, corporação ou nação tem a responsabilidade de aprimorar sua
capacidade de avaliação e cooperação com os demais.
Desorganização letal – Opinião / Folha de S. Paulo
Mais
cidades vislumbram colapsos na saúde ante a brutal carência de vacinas
Em
várias partes do país soam alarmes de aceleração da doença causada pelo
coronavírus. O estado de São Paulo acaba de bater
o recorde de internações pela moléstia infecciosa em unidades
intensivas desde o início da pandemia.
No
pico anterior, em julho de 2020, o estado mais populoso do Brasil registrou
6.257 pessoas hospitalizadas simultaneamente em UTIs em razão da Covid-19.
Nesta segunda (22), foram 6.410.
Em
Araraquara, a escalada de pacientes acorrendo aos hospitais levou a prefeitura
a decretar um lockdown —o recolhimento obrigatório, sob pena de multa, dos
cidadãos em suas casas, excetuadas situações excepcionais. Outras cidades, como
Campinas e São Bernardo, flertam com o colapso.
No
Brasil tomado em conjunto, os dados não são melhores. Há um mês, os óbitos
diários em decorrência da Covid-19 mantêm-se acima de mil. Num ano normal,
morrem no Brasil cerca de 3.800 pessoas em média por dia, de todas as causas. A
virose epidêmica hoje responde por 1 em cada 4 óbitos.
As
razões do descontrole já foram exaustivamente debatidas e estão associadas à
desídia do presidente da República. Além de boicotar as ações sanitárias, o
governo não se preparou para ter vacinas com rapidez e em volume suficiente
para domar a pandemia.
E
o pior é que a gestão não dá sinais de aprender com seus erros.
Demorou
demais até o Ministério da Saúde, em desorganização criminosa, orientar estados
e municípios a administrarem
todas as doses disponíveis, em vez de reservarem metade para a segunda
aplicação à frente. A epidemia galopante obviamente justifica dobrar o número
de imunizados com uma dose no curtíssimo prazo.
Os
trâmites para a obtenção e o fabrico de imunizantes, bem como os critérios de
distribuição do ralo estoque, continuam envolvidos numa atmosfera cartorial e
burocrática. A Fiocruz começará a ter regularidade na distribuição apenas na
segunda quinzena de março, na melhor das hipóteses. Picuinhas nacionalistas
emperram acordos com firmas farmacêuticas.
O
volume de doses administradas no Brasil abrange cerca de 3% da população, ante
15% no Chile. Os EUA, desprovidos de sistema público como o SUS, aplicam a cada
quatro dias a quantidade de vacinas que o governo brasileiro levou mais de um
mês para inocular.
Reino
Unido e Israel, na vanguarda da vacinação mundial, já começam a esvaziar hospitais
e a planejar a volta gradual à vida normal.
Enquanto
isso, o Brasil caminha na contramão, com o contágio acelerado por variantes
mais infecciosas, a brutal carência de vacinas e a exaustão de serviços
hospitalares. Desorganização mata.
Rede antissocial – Opinião / Folha de S. Paulo
Reação
do Facebook à regulação comprova dianteira da Austrália nesse front
Desenvolve-se
na Austrália o mais recente capítulo da conturbada
relação entre Facebook e jornalismo.
Um
projeto de lei obriga as empresas de tecnologia a remunerar os produtores de
conteúdo, antiga reivindicação do setor. Em reação, o Facebook bloqueou todos
os posts jornalísticos no país de 25 milhões de habitantes. Pessoas de fora da
Austrália tampouco podem ver pela rede a mídia de lá.
Já
o Google fez opção distinta e fechou acordos para remunerar empresas do setor.
O Facebook argumenta que sua relação com as empresas jornalísticas difere da
mantida pelo buscador. Na rede social, diz, os veículos publicam
voluntariamente. Isso não é verdade: ser indexado pelo Google também é uma
escolha de cada site.
O
fato é que o conteúdo jornalístico beneficia as empresas de tecnologia, que
ganham lucrativa atenção de seus usuários ao distribuí-lo. Elas fingem não
pertencer ao terreno da mídia para não terem de arcar com as responsabilidades
e custos envolvidos no ciclo do jornalismo profissional.
O
episódio reforça a má impressão que o Facebook tem deixado em suas ações.
Mostra-se seguidamente uma empresa pouco confiável e errática. Afirma valorizar
o jornalismo, mas age em sentido contrário. Ao atuar contra fake news, faz as
vezes de uma espécie de censora, proibindo previamente a manifestação de
pessoas.
Houve
durante muito tempo demasiada condescendência com as políticas adotadas pela
rede social. Ao mesmo tempo em que se recusa a enfrentar seu problema com o
jornalismo, o Facebook financia pesquisadores e entidades que promovem o debate
público da área. Isso tem cada vez menos efeito.
A
Austrália mantém-se na vanguarda mundial ao frear o poder das grandes empresas
de tecnologia, que viveram à margem de regulação e estabeleceram excessiva
dominação de mercado. O Canadá caminha na mesma direção. É desejável que outros
países, como o Brasil, avancem nesse sentido.
No
caso australiano, o banimento teve como efeito imediato uma esperada queda de
tráfego direcionado aos veículos. É cedo para dizer o impacto que isso terá a
médio prazo —a audiência total da Folha,
por exemplo, cresceu após a decisão de interromper a publicação de conteúdo no
Facebook, há três anos. Quem procura jornalismo de qualidade sabe onde
encontrá-lo. Há vida fora da maior rede social do mundo.
Após sustentar a economia, crédito deve perder força – Opinião / Valor Econômico
Com
menor oferta de recursos, a inadimplência pode voltar a a assombrar
O
Banco Central (BC) deve divulgar nos próximos dias os dados do desempenho do
crédito em janeiro. Há expectativa em relação aos números do primeiro mês após
o fim dos empréstimos especiais desenhados pelo governo para enfrentar a
pandemia do novo coronavírus. As linhas emergenciais amenizaram a retração
econômica do ano passado, levando o saldo das operações de crédito ao maior
crescimento em oito anos, 15,5% nominais, para R$ 4,018 trilhões. O valor é
equivalente a 54,2% do Produto Interno Bruto (PIB), 7,2 pontos a mais em
relação ao fim de 2019.
O
crescimento foi maior nas operações de crédito para empresas, impulsionado
pelas linhas destinadas às pequenas companhias, e pelas medidas de afrouxamento
da liquidez, liberação de compulsórios e das exigências de provisões. Os
empréstimos para pessoas jurídicas, estagnados em 2019 com a retração do BNDES,
saltaram 21,8%, para R$ 1,8 trilhão. Apenas as operações com recursos
direcionados para empresas, lastreados em fontes definidas pelo governo,
aumentaram 23% depois da retração de 14% de 2019. Já as operações com pessoas
físicas mantiveram o ritmo, com expansão de 10,9% para R$ 2,2 trilhões, em
comparação com 11,9% em 2019.
As
empresas de serviços foram as que mais demandaram recursos. O estoque de
crédito para o setor cresceu 24,6%, acima do segmento corporativo como um todo.
A agropecuária também ficou na frente, com expansão de 23,4%. Já o estoque de
crédito para a indústria cresceu menos, 17,8%, apesar de a oferta ter sido mais
ampla para os segmentos têxtil, de vestuário, calçados e couro, de embalagens,
petróleo, gás e álcool, e química e farmacêutica, segundo o Instituto de
Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI).
As
linhas emergenciais de crédito, como o Programa Nacional de Apoio às
Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) e o Programa Emergencial
de Acesso ao Crédito (Peac), começaram a funcionar no segundo semestre. O
Pronampe liberou R$ 37,5 bilhões, em 516 mil operações, 300 mil para pequenas
empresas e 216 mil para microempresas.
Nos
últimos dois dias do ano houve verdadeira corrida para abocanhar os R$ 10
bilhões liberados pelo governo para a terceira e última fase do Pronampe, que
só podiam ser gastos em 2020. O projeto que alocou esse valor foi aprovado pelo
Senado em 18 de novembro e ficou parado na Câmara por mais de um mês. Mais
preocupados com a disputa pela presidência da Casa, os apoiadores de Arthur
Lira, travaram a agenda. O projeto só ganhou o sinal verde dos deputados em 22
de dezembro e sancionado no dia 29. As empresas tiveram tempo de levantar
apenas R$ 5 bilhões.
Outra
fonte de alívio foi o estímulo à renegociação das dívidas bancárias
proporcionado pela redução das exigências de provisionamento para os bancos. O
sistema financeiro suspendeu o vencimento de um total de R$ 971,5 bilhões em
contratos entre 16 de março e 31 de dezembro, postergando o pagamento de R$
146,7 bilhões em parcelas, de acordo com a Febraban, por prazos entre 60 a 180
dias. Mais recentemente foram beneficiados Estados e municípios, em um total de
R$ 3,9 bilhões, com prorrogações que vão até maio. Em consequência, o prazo
médio de pagamento do crédito com recursos livres chegou a 61 meses em
comparação com 52 meses de cinco anos atrás.
Esse
conjunto de medidas mais a queda dos juros na esteira do recuo da Selic e do
afrouxamento da liquidez contribuíram para reduzir a inadimplência, mesmo com o
elevado nível de endividamento entre as famílias. A taxa média do crédito com
recursos livres caiu de 33,4% em 2019 para 25,2% ao ano. A inadimplência média
ficou em 2,1%, a menor da série histórica, sendo de 2,9% nas operações com
recursos livres.
Taxas
mais baixas e menos calote favorecem o crédito neste início de ano. Mas as boas
notícias param aí. A previsão do próprio Banco Central (BC) é que o crescimento
dos empréstimos será a metade do registrado no ano passado, ficando em 7,8%,
sendo 11,1% a expansão das operações com recursos livres e apenas 3,3% com os
direcionados. O crédito para pessoas físicas deve manter o ritmo, com expansão
de 10,6%; mas o oferecido para empresas volta a desacelerar, aumentando 4,2%.
Com menor oferta de recursos, apesar de a segunda onda da pandemia estar assolando a população e amarrando a economia, a vacinação lenta, a descontinuidade das linhas especiais e a indefinição do futuro do auxílio emergencial, o crédito dificilmente repetirá o papel anticíclico do ano passado e a inadimplência pode voltar a assombrar.
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