Jovens
e crianças parecem abandonados à própria sorte no país, dizem pesquisadores da
FGV
Os
jovens têm sido muito citados nesses últimos meses, em intermináveis relatos
sobres aglomerações em festas e bares, que ajudam a espalhar o coronavírus. O
que tem chamado pouca atenção é que, quando a pandemia acabar, entre as
tragédias produzidas pela maior crise mundial em décadas estarão milhões de
jovens pobres com uma lacuna educacional significativa e acesso precário a um
mercado de trabalho, que mesmo antes já não era dos mais amigáveis. Enquanto
governos federal e regionais ainda se batem sobre questões básicas, que já
deveriam ter sido superadas um ano depois de o coronavírus chegar por aqui,
falta quem discuta políticas públicas para ajudar essa parcela da população a
enfrentar os efeitos deletérios permanentes que serão deixados pela pandemia.
Ajudar jovens pobres a melhorar de vida - e com isso beneficiar toda a sociedade - é antes uma questão de direitos humanos. Mas nunca é demais lembrar que o chamado bônus demográfico - quando o crescimento da população em idade ativa é maior do que o da população total - acabou em 2018 no Brasil. O que implica dizer que a população está envelhecendo. E que, sem a demografia jogando a favor, para haver crescimento econômico sustentável será preciso - entre outras coisas - elevar a escolaridade dos jovens, um dos vetores necessários para aumentar a produtividade da economia.
É
medida de longo prazo que o Brasil deveria ter tomado como prioridade há
tempos, mas que, a despeito de alguns avanços pontuais, tem sido deixada de
lado por sucessivos governos. Agora, se tornou ainda mais importante para
pensar no desenvolvimento pós-crise.
Alguns
números ajudam a entender o drama. Como já é conhecido, a pandemia deixou uma
multidão de desempregados pelo país. Resquícios da forte recessão de 2015-2016,
a alta taxa de desemprego, o aumento da informalidade e salários deprimidos já
eram a tônica do mercado de trabalho brasileiro, mas o quadro se deteriorou, e
muito. E se piorou para todos, para os jovens têm sido particularmente
devastador, ainda mais porque o aumento do desemprego veio junto com
interrupção do acesso à educação. Com as escolas fechadas, o sistema público
falhou em oferecer a continuidade do currículo escolar ao longo de 2020. Sem
internet, computador, tablet, a exclusão digital agravou o quadro. Segundo
pesquisa do Instituto DataSenado, no auge da pandemia, em agosto, dos 56
milhões de alunos do ensino fundamental, médio e superior das redes pública e
privada, apenas 58% (32,4 milhões) passaram a ter aulas remotas. Na rede
pública, entre os que tinham aula on-line, 26% não possuíam acesso à internet.
A chegada de 2021 trouxe junto o recrudescimento da pandemia, dificultando a
volta às aulas presenciais. Por mais que as autoridades mantenham as
instituições de ensino abertas, o temor de contaminação afasta os estudantes.
Vide a ausência recorde nas provas do Enem.
A
isso se soma o desemprego. Com uma taxa historicamente mais alta que nas demais
faixas etárias, nas crises, os jovens geralmente são os primeiros a perder o
trabalho. A taxa de desemprego entre trabalhadores de 18 a 24 anos chegou a
inéditos 31,4%, contra 14,6% da população em geral, segundo dados da Pnad
Contínua trimestral mais recente, de setembro do ano passado.
Uma
eventual volta ao mercado quando houver recuperação da economia pode ser mais
difícil. Informações levantadas pelo economista Tiago Cabral, do Instituto
IDados, a partir dos microdados da Pnad, mostram que os jovens também têm sido
mais afetados pelo desemprego de longo prazo (acima de 12 meses). Na faixa até
24 anos, essa condição afetava 11,5% da força de trabalho no terceiro trimestre
do ano passado, ante 4,7% da força de trabalho em geral. E enquanto de 2019
para 2020 o desemprego cresceu de forma mais ou menos homogênea entre as faixas
etárias, o desemprego de longo prazo cresceu a uma taxa três vezes maior entre
os jovens. A crise atual, diz Cabral, tende a atrasar a reinserção desse grupo
ao mercado de trabalho. Num contexto em que boa parte desses jovens tem
dificultado o acesso à escola cria-se uma combinação fatal para o
desenvolvimento do chamado capital humano.
Em
artigo publicado neste jornal na semana passada, os economistas Renato Fragelli
Cardoso e Pedro Cavalcanti Ferreira, da Escola Brasileira de Economia e
Finanças (EPGE), da Fundação Getulio Vargas (FGV), chamaram atenção para os
impactos duradouros dessa crise na vida de jovens de baixa renda. Se antes da
pandemia muitos deles nem sequer terminavam o ensino médio (35% dos brasileiros
de até 19 anos não tinham concluído essa fase em 2019, segundo o Todos pela
Educação), agora o abandono escolar pode ser maior. Para eles, haverá uma
geração permanentemente menos educada que a anterior uma vez que, após um ano
ou dois fora da escola, esses jovens dificilmente voltarão a estudar. Sem
políticas públicas à vista, jovens e crianças parecem ter sido abandonados à
própria sorte, afirmam. O que implica dizer que ficarão presos a empregos e
ocupações de baixa remuneração. No futuro, a pobreza será maior.
Em
artigo publicado no Blog do Ibre, Fernando Veloso, também professor da
EPGE-FGV, acrescenta outro ingrediente a esse cardápio de problemas: as novas
tecnologias de automação e inteligência artificial, que prometem mudanças
profundas no mercado de trabalho. Numa reflexão a partir de discussões dos
economistas Dani Rodrik e Daren Acemoglu sobre o papel do Estado na geração de
bons empregos, Veloso diz que embora não esteja claro que essas tecnologias
promovam um aumento no desemprego, há evidências que favorecem trabalhadores
com maior escolaridade. O que é particularmente desafiador para o Brasil, que
tem grande massa de trabalhadores pouco qualificados e elevada regulação no
mercado de trabalho. A reflexão de Veloso tem mais elementos, mas vale como
alerta do que deveria estar na lista de prioridades dos governos.
Por fim, o termo “guerra” e seus derivados (linha de frente, hospitais de campanha, inimigo) têm sido muito usados na tentativa de dimensionar os impactos de um evento tão devastador para o mundo como a pandemia de covid-19. Embora historiadores relativizem esses termos, os números mostram pode ser, sim, necessária uma operação de guerra, emergencial, mas também de longo prazo, para resgatar os jovens pobres de um destino melhor do que o que parece reservado a eles no país.
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