terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Aylê-Salassié F. Quintão* - Cuba não é mais aquela...

O fim da austeridade na execução orçamentária da “economia planificada” e uma  “mudança de mentalidade”, a partir mesmo das gerações formadas no castrismo,  é o que alguns cientistas políticos estão projetando para Cuba nesses próximos anos. O país  entra 2021 com a moeda unificada -  o peso cubano - com paridade no dólar (24 cups para 1 dólar)  e até no real (4,36 cups  para 1 Real), redução dos subsídios, autonomia para as empresas estatais e permissão para a abertura de negócios privados, envolvendo 2.000 diferentes atividades.

Abrem-se perspectivas novas para 600 mil trabalhadores autônomos, ou 13% da força de trabalho disponível. Os cupons de alimentação só beneficiarão aos extremamente pobres e idosos, em compensação prevê-se um aumento de salários superior a 400 por cento. A inflação projetada é tabu.  

Essas medidas estão contidas em um plano de reformas do engenheiro Presidente Miguel Díaz-Canel, um professor universitário nascido depois da queda do antigo regime, e que substituiu Raul Castro. Foram, aparentemente antecipadas, diante da deterioração  econômica e dos ideais ideológicos radicalizados pelo castrismo. É também um sinal de boa vontade com  Joe Biden, o novo presidente dos Estados Unidos, que pretende retomar as relações de Obama com o governo cubano, que Trump desqualificou.

Parece uma tentativa de sobreviver à queda sistemática do PIB ( em torno de US$ 100 bilhões) que, em 2020, registrou menos 11 por cento. Sem garantias para as exportações de açúcar, o fornecimento regular e barato do petróleo da Venezuela , também em crise,  nem poder contar, como  certas, as remessas de dólares (US$ 3,5 bilhões),  pelos emigrados para suas famílias em Cuba, e ainda com dificuldade de obter financiamentos internacionais, entre os quais o BNDES, do Brasil, a economia encontra-se em declínio. 

Nostalgia...

Quantos intelectuais, ditos revolucionários no Brasil, agregaram ao seu currículo, como virtude, a atividade  de cortar cana em Cuba! Ninguém era dispensado do trabalho. Iam para lá fugidos da ditadura no Brasil ou para receber instruções e treinamento de guerrilha, voltadas para a implantação do socialismo na América Latina.

 Lá estavam professores eméritos como os irmãos Fidel e Raul Castro, Guevara, Cienfuegos e  outros remanescentes  da revolução de 1959. Ao chegar ao Poder, os revolucionários extinguiram a propriedade privada, assumiram o controle da produção ( e da política), criaram uma moeda própria (CUB), transformaram 85 % dos os trabalhadores em serviçais do Estado e acabaram com os grandes cassinos, todos expropriados.

A Ilha, paraíso da jogatina internacional, foi interditada ao turismo. Tornou-se difícil entrar e sair de Cuba, em que pese 1,7 milhões de cubanos viverem hoje em 72 países. A maioria fugidos ou filhos de foragidos.   Sob a égide do “politicamente correto”, a educação e a saúde democratizaram-se, os direitos e deveres tornaram-se mais equânimes, o IDH subiu, mas a economia se  desarranjou .

O sucesso do levante de Sierra Maestra, já aos sessenta anos, deixou, contudo, profundas sequelas internamente, com os julgamentos sumários, até de companheiros de luta, e expropriações, do capital nacional e internacional (sobretudo norte-americanos). Externamente, assustou  a opção pelo socialismo – contrário ao capitalismo norte-americano que reinava a 100 milhas, na Flórida. Os revolucionários fundaram uma república socialista e  centralizaram o Poder. Dizendo-se democrático, Fidel Castro governou a Ilha  por quase 50 anos, em estilo stalinista – incorporando  a política de Estado e cultuando a própria imagem. 

Sob ameaças, os EUA que, além das tentativas fracassadas de invadir Cuba,  conseguiram entre países capitalistas aliados o embargo econômico contra Cuba. Em plena “guerra fria”, Cuba foi socorrida pela União Soviética que absorvia toda a produção de açúcar  - principal produto de exportação - além do tabaco e do rum -  pagando preços acima do mercado. Cuba recebia, em troca, produtos básicos para subsistência da população. A crise de energia foi resolvida com o golpe de Hugo Chavez, na Venezuela (2002), que teve todo apoio de Fidel. Chavez fixou quotas compulsórias de óleo e gasolina para Cuba, a preços abaixo do mercado  .  Com a economia desestabilizada, Cuba conseguiu, com dificuldade, empréstimos de organismos internacionais e em  países amigos, mesmo não  cumprindo rigorosamente os prazos de amortização. 

Não apenas por convicção, mas também por necessidade, Cuba associou-se as tendências revolucionárias na América Latina e exportou revoluções e revolucionários dentro do continente e para a África. Criou uma rede de 30 escolas de medicina voltadas para a “saúde primária e coletiva” e passou a exportar esse tipo de serviço para países pobres: os “médicos cubanos”.

Junto com Lula, do Brasil, Fidel conseguiu criar o foro de São Paulo, instituição que se propunha apoiar frentes políticas populares na América Latina e, por meio dele, amparar candidatos especificos no continente, via eleições democráticas ou a tomada do Poder pela força. Com sua ajuda alguns foram eleitos: Correia, no Equador; os Kichner; na Argentina; Lugo, no Paraguai; Lula e Dilma, no Brasil; Mujica, no Uruguai;  Evo Morales, na Bolívia; Toledo e Humalla, no Peru; Bachelet, no Chile, e Daniel Ortega, na Nicarágua.

O desmoronamento da União Soviética (1989) e dos países socialistas do Leste Europeu tiveram um impacto altamente negativo em Cuba. Viria depois a morte de  Fidel, de Chavez e de Kirchner. Toledo, Humalla e Lula foram presos. Em eleições diretas, os remanescentes do Foro caíram um a um. Cuba já não era a mesma. Jovens viraram as costas na passagem do enterro de Fidel. Os poucos governos socialistas que restaram não sustentaram os compromissos com Cuba. A crise econômica vinha gerando promessas de reformas, mas empacadas. Iam da desvalorização do peso e reorganização do sistema monetário a alguma desregulamentação de negócios estatais e dos investimentos estrangeiros. Prometeu- -se um aumento geral de salários ( o mínimo é de 400 pesos) para a retomada de um mercado consumidor.

As iniciativas de Díaz-Canel podem significar procedimentos novos na configuração da “economia planificada' – não em direção especificamente ao capitalismo. A maioria dos cubanos parecem não acreditar, pois a implementação vai exigir “mudanças de mentalidade", segundo o próprio Díaz-Canel. Será esta, provavelmente, o maior desafio que os cubanos terão pela frente.

*Jornalista e professor

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