EDITORIAIS
A miséria da política
O Estado de S. Paulo
O desgoverno de Jair Bolsonaro não é caso isolado. Há muita gente – partidos e parlamentares de várias correntes – não apenas tolerando, mas apoiando retrocessos institucionais
Sem pudor, a Câmara dos Deputados revela o
atual estado da política. A semana foi pródiga em exemplos de que o desgoverno
de Jair Bolsonaro não é um caso isolado. Há muita gente – partidos e
parlamentares de várias correntes ideológicas – não apenas tolerando, mas
apoiando retrocessos institucionais.
A aprovação em primeiro turno da Proposta
de Emenda Constitucional (PEC) 125/11, que libera as coligações partidárias em
eleições proporcionais, mostrou como a Câmara pode ser indiferente a um dos
principais avanços da legislação eleitoral dos últimos anos. Em 2017, o
Congresso proibiu, por meio da Emenda Constitucional (EC) 97/2017, as
coligações nas eleições para vereador e deputado (estadual e federal).
A medida, aplicada pela primeira vez nas
eleições municipais de 2020, é uma importante proteção da vontade do eleitor.
Com a coligação, o voto em determinado candidato pode eleger outro candidato,
de outro partido, simplesmente em razão de um acordo entre as legendas. A
revisão da proibição, antes sequer de ser aplicada nas esferas federal e
estadual, é inteiramente descabida, além de revelar descaso com a Constituição,
cujo texto requer um mínimo de estabilidade.
Pode-se, com razão, criticar o papel da
presidência da Câmara nessa agenda do retrocesso. Arthur Lira tem pautado temas
importantes de forma açodada, sem que haja o necessário debate. De toda forma,
o problema ultrapassa a definição da pauta do plenário da Câmara.
Veja-se, por exemplo, o papelão do PSDB. Em 2017, o partido foi um dos principais articuladores do fim das coligações nas eleições proporcionais. Agora, dois terços dos deputados do PSDB na Câmara foram favoráveis ao retorno dessa irrazoável possibilidade. Dos 32 nomes da bancada tucana, 21 votaram pela volta das coligações. Apenas 11 deputados do PSDB foram contra na votação em primeiro turno.
Além disso, o PT, que deseja se apresentar
como o grande defensor da democracia e o mais combativo opositor de Jair
Bolsonaro, deu nada mais nada menos que 48 votos favoráveis à volta das
coligações partidárias nas eleições proporcionais. É fácil apoiar nas redes
sociais a melhoria do sistema político. No entanto, em vez de defender a
proibição das coligações – que preserva a vontade do eleitor e contribui para a
governabilidade do País –, mais de 90% da bancada petista votou a favor da
medida patrocinada por Jair Bolsonaro e Arthur Lira.
O descalabro, no entanto, não se resumiu à
votação sobre as coligações nas eleições de vereador e deputado. No dia
anterior, 14 dos 32 deputados federais do PSDB votaram a favor da PEC do Voto
Impresso. Ou seja, quase a metade dos parlamentares tucanos apoiou a proposta
da qual Jair Bolsonaro tem se valido para criar confusão e para ameaçar a
realização das eleições de 2022. É essa a oposição à disfuncionalidade, à irracionalidade,
ao autoritarismo e ao negacionismo do governo de Jair Bolsonaro?
Vale lembrar que o PSDB não foi o único
caso de tolerância com o retrocesso. Outros partidos importantes, como MDB,
DEM, PP, PSB e PSD, deram significativo apoio à PEC do Voto Impresso. Jair
Bolsonaro não obteve o que queria e o sistema eleitoral de 2022 continuará
seguro, auditável e ágil. Mas, nessa história do voto impresso, viu-se que a
miséria da política vai muito além do bolsonarismo.
Perante tal quadro, é preciso instar a responsabilidade
dos senadores para impedir a volta das coligações nas eleições proporcionais. A
Câmara atuou irresponsavelmente, mas não há razão para o Senado seguir a mesma
trilha. Foi a autonomia do Senado que lhe conferiu especial relevância política
neste ano. A CPI da Covid tem sido decisiva na elucidação das ações e omissões
do governo federal no enfrentamento da pandemia. Agora, o Senado tem a
oportunidade de mostrar que não aceita passivamente os erros da Câmara.
Coligação em eleição proporcional é manobra nefasta contra o eleitor.
Jair Bolsonaro esforça-se por ser o pior
presidente da história do País. Mas nem por isso o Congresso está autorizado a
promover novos equívocos.
Perdendo impulso
O Estado de S. Paulo
Estudos projetam avanço global mais lento – previsão fácil para o Brasil
Passada a reação inicial à pandemia, a
economia mundial perde impulso, num ambiente afetado pelo temor da variante
delta, pela preocupação com a falta de vacina em países menos desenvolvidos,
pela escassez de insumos industriais e pelas novas pressões inflacionárias,
problemas sentidos no Brasil e nas potências mais desenvolvidas. A recuperação
deve continuar, mas a perda de vigor é apontada nos Barômetros Globais,
divulgados no País pela Fundação Getulio Vargas (FGV), e nos Indicadores
Antecedentes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A perspectiva de avanço ainda firme na China é uma boa notícia para todo o
mundo e especialmente para o Brasil, muito dependente do mercado chinês para as
exportações do agronegócio.
Nem a economia chinesa, no entanto, é imune
à desorganização das cadeias de suprimento, como assinala comentário publicado
pela FGV juntamente com os Barômetros. Passado pouco mais de um ano depois de
iniciada a recuperação, o cenário global é menos animador. Em agosto houve
recuo dos indicadores em todo o mundo, com quedas mais acentuadas no conjunto
formado por Ásia, Pacífico e África. Nenhuma região está livre da insegurança
agora percebida nos mercados.
Globalmente, o Barômetro Coincidente recuou
10,1 pontos, para 118,1, enquanto o Antecedente, sinalizador de expectativas,
caiu 11,3 pontos, para 112. A sinalização, neste semestre, está pouco acima de
onde esteve no decênio anterior, porque o nível 100 corresponde à média do
período de janeiro de 2010 a dezembro de 2019.
Além das preocupações com variantes do
vírus, com os problemas de suprimento e com os consequentes aumentos de custos,
há o receio de políticas de aperto monetário para combate à inflação, como
observou o pesquisador Paulo Picchetti, da FGV, ao apresentar os Barômetros
Globais.
Sentido em todo o mundo, o surto
inflacionário tem sido mais forte no Brasil, onde o Banco Central (BC) já
iniciou uma política mais dura. Já elevados a 5,25%, os juros básicos poderão
chegar a 7% no fim do ano, segundo indicação do Comitê de Política Monetária do
BC, mas economistas do mercado já projetam 7,25%, uma taxa prevista para
permanecer até dezembro de 2022. Na ata da última reunião do comitê, a palavra
“aperto” é explicitada, caracterizando um recado mais duro e muito menos
marcado pelos habituais eufemismos.
A perda de impulso da economia global já
havia sido assinalada pela OCDE, no dia 10, em relatório sobre indicadores
antecedentes. Por esses indicadores, pode-se esperar crescimento mais moderado
em grandes economias, como Estados Unidos, Japão, Canadá, Reino Unido e zona do
euro, incluídas Alemanha, Itália e França. A China deverá permanecer em
crescimento firme, o ritmo permanecerá estável na Índia e haverá alguma
moderação na Rússia. No caso do Brasil, a sinalização é de crescimento mais
vagaroso. Os indicadores antecedentes incluem dados como expectativas de
empresários e consumidores, evolução recente, formação de estoques e outros
sinalizadores de tendências.
Apesar da eliminação gradual das medidas de
contenção da pandemia e do progresso da vacinação, as incertezas podem afetar
fortemente os indicadores, acentuando suas flutuações, advertem os economistas
da OCDE. Por isso, acrescentam, convém avaliar com cautela a sinalização. A
recomendação é compreensível, mas, no caso do Brasil, há razões particulares
para prever perda de ritmo da atividade.
O mercado projeta crescimento de 5,30% para
a economia brasileira neste ano, de 2,05% no próximo e de 2,50% nos dois
seguintes. São estimativas muito parecidas, agora, com as do governo. O
dinamismo deste ano, em parte verificado e em parte ainda previsto, é
explicável como reação ao tombo de 4,10% em 2020. Não há por que esperar, no
médio e no longo prazos, maior vigor de uma economia com baixo investimento produtivo,
indústria fragilizada, escassa integração internacional e, como complemento, um
governo mais empenhado em gerar tensões do que em definir rumos para a
modernização.
O Auxílio Brasil e a política de ‘vouchers’
O Estado de S. Paulo
Discussão foi introduzida de modo açodado e impreciso na MP do Auxílio Brasil
Como já ocorreu com outras Medidas
Provisórias (MPs), a que cria o programa Auxílio Brasil contém inovações
polêmicas, que parecem ter sido introduzidas às pressas, mais por interesse
político e por convicções doutrinárias do que por sólidos fundamentos técnicos.
É esse o caso da tentativa de criar uma política de vouchers para creches, que consiste em
financiamento público para que crianças estudem na rede privada de ensino
infantil.
Mais conhecida como focalismo, essa é uma
ideia que sempre foi defendida por professores de economia da Universidade de
Chicago, na qual o ministro da Economia, Paulo Guedes, estudou. Segundo eles,
com a oferta de vouchers para
famílias pobres, a ideia de universalização dos direitos, pela qual o poder
público presta serviços essenciais financiados por impostos para toda a
população, indistintamente, cede vez a políticas sociais de transferência de
renda para um determinado número de beneficiados, como é o caso do Auxílio
Brasil.
Essa política é controvertida. Para seus
defensores, ela assegura necessidades básicas para famílias pobres, tornando o
poder público mais próximo do povo. Já seus críticos alegam que ela foi
concebida para acabar com as políticas sociais universais e pouco contribui
para a redução das disparidades sociais, limitando-se a aprofundar o
assistencialismo, por um lado, e a propiciar novos negócios para a iniciativa
privada, por outro.
No Brasil, a discussão sobre estratégias de
transferências de renda que atendem a determinados setores sociais não é nova.
Ela vem sendo travada desde a década de 1990 e foi suscitada por economistas
preocupados com o equilíbrio das contas governamentais, por gestores públicos
empenhados em aumentar a eficiência dos gastos sociais e por sociólogos com
formação social-democrata que trabalharam na formulação de políticas públicas
nas áreas de saúde e educação, assessorando prefeituras sob a direção de
diferentes partidos.
Os economistas e gestores públicos estão
preocupados com a crise fiscal, estes últimos defendem a imposição de limites
morais ao funcionamento da economia de mercado e veem a focalização como um
instrumento de solidariedade. Também afirmam que as transferências de renda
asseguram autoestima para as famílias mais pobres, na medida em que têm a
possibilidade de definir seus gastos prioritários e os serviços que consideram
necessários.
Independentemente do debate doutrinário,
quando os programas de focalização começaram a ser implementados de modo
experimental no País, economistas, gestores públicos e sociólogos com formação
social-democrata descobriram que essa estratégia tinha de ser posta em prática
com cuidado. Entre outros motivos para não permitir a multiplicação de escolas
privadas constituídas às pressas, sem compromisso com a qualidade de
ensino.
A preocupação é procedente. Pedagogos e
ONGs do setor educacional não escondem o receio de que, do modo pouco cuidadoso
como a MP do Auxílio Brasil prevê a concessão de vouchers, haja uma explosão de
escolas de péssima qualidade para a primeira infância. “O ponto central é que,
nas evidências sobre vouchers,
o que deu certo foi mais exceção do que regra, inclusive tendo avançado em
circunstâncias muito específicas. Em vários casos, teve efeitos negativos e de
ampliação da desigualdade. Não dá para implementar esse tipo de política em
larga escala sem testá-las e sem debate”, afirma o diretor do movimento Todos
pela Educação Lucas Hoogerbrugge. Apesar de o governo acertar ao criar um
benefício para famílias com crianças de até 3 anos, como a MP não menciona
valores, ainda não é possível dizer se haverá, de fato, um diferencial
monetário para este público ou se o aumento será marginal”, diz Rafael Osório,
do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
É desse modo afoito e desordenado que o
Ministério da Economia se acostumou a incluir temas relevantes nas MPs que
formula. Ao agir dessa maneira, prejudica a concretização de um programa que
exige mais discussão e muita precisão técnica.
Governo federal tem de retomar entrega de
vacinas
O Globo
Enquanto a variante Delta do novo
coronavírus, mais contagiosa que a cepa original, avança de forma célere pelo
país, sucessivas interrupções nas campanhas de vacinação conspiram contra o
sucesso na estratégia para proteger a população. Na quarta-feira e na quinta, o
Rio teve de suspender mais uma vez a aplicação da primeira dose por falta de
vacina. É simplesmente inaceitável. Em fins de julho, a capital fluminense já
passara pelo mesmo problema, ao lado de cidades como Belém, Campo Grande, João
Pessoa, Curitiba, Florianópolis, Vitória, Salvador, Maceió e Natal.
No sábado passado, o ministro da Saúde,
Marcelo Queiroga, anunciou numa rede social que o Estado do Rio de Janeiro
receberia 5% a mais de vacinas para conter o avanço da Delta, embora não tenha
divulgado datas. Convém ressaltar que, na cidade do Rio, a Delta já responde
por 45% dos casos de Covid-19, e no estado por 26%. A situação se torna mais
preocupante porque há indícios de um aumento nas infecções, na contramão do que
ocorre no país. A última atualização do Boletim InfoGripe, da Fiocruz,
divulgada na terça-feira, mostra que, após cinco meses, o estado voltou a
apresentar tendência de crescimento nos casos de síndrome respiratória aguda
grave.
Os problemas na distribuição de vacinas não
se resumem ao Rio. No início do mês, o governo de São Paulo acusou o Ministério
da Saúde de enviar ao estado apenas metade das doses da Pfizer (228 mil de um
total de 456 mil) destinadas aos 645 municípios paulistas. O secretário
executivo do ministério, Rodrigo Moreira da Cruz, rebateu a cobrança. Alegou
que não há percentual fixo para os estados e que a intenção é equilibrar o
avanço da imunização pelo país.
Só que o avanço desigual foi criado pela
omissão do próprio Ministério da Saúde em exercer seu papel de coordenação.
Resultado: cada estado e município seguiu seu próprio caminho, no lugar de
haver uma estratégia nacional, como sempre ocorreu nas campanhas, quando o país
era referência no setor. Em termos gerais, 53% dos brasileiros já receberam a
primeira dose, e apenas 23% estão completamente imunizados. Quando se analisam
os dados de estados e municípios, as disparidades são gritantes — há lugares
que já vacinaram toda a população-alvo (acima de 18 anos), outros estão bem
longe disso.
Não adianta tentar corrigir um erro com
outro. Paralisar a campanha de vacinação, nem que seja por um dia, é lamentável
sob todos os aspectos, porque frustra a população, prejudica os calendários e
abala a confiança na vacina. Não dá mais para usar o argumento da escassez. O
governo se gaba de ter contratado mais de 600 milhões de doses. As remessas do
Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) para a Fiocruz e o Butantan já foram
regularizadas, e os lotes de doses prontas serão maiores neste segundo
semestre. Ainda assim, doses da Janssen ficaram estocadas por até 40 dias. O
próprio ministério admite que há 9,5 milhões de doses paradas nos centros de
distribuição.
O país já está vacinando 2 milhões por dia
com a primeira e a segunda doses. Ou bem falta competência na organização, ou
então critérios políticos estão interferindo na distribuição (adversários do
presidente Jair Bolsonaro estão no poder tanto na cidade do Rio quanto no
estado de São Paulo). Nenhuma das alternativas é boa para o governo federal.
MP aprovada na Câmara ajuda recuperação do
mercado de trabalho
O Globo
A Câmara dos Deputados deu ontem um passo
importante para ajudar a desarmar a bomba do desemprego, do desalento e da
informalidade ao aprovar a Medida Provisória (MP) 1.045, apelidada minirreforma
trabalhista. A MP pode ser dividida em duas frentes. Uma é paliativa:
estabelece que o programa emergencial de redução de jornada e salário criado
por causa da pandemia poderá ser reavivado em futuras situações de calamidade
pública. A outra é preventiva: incentiva a inserção ou a reinserção de
trabalhadores no mercado, uma das condições mais urgentes para recuperar a
economia do país.
A taxa de desocupação, o popular desemprego,
está em escandalosos 14,7%. Quase 15 milhões procuram emprego e não encontram.
Outros 6 milhões estão fora da estatística do desemprego porque simplesmente
desistiram de buscar uma vaga.
No lado das empresas, a situação é também
calamitosa. As companhias do setor de serviços, que empregam a maior fatia dos
trabalhadores, estão entre as que mais encaminharam pedidos de recuperação
judicial durante a pandemia. Muitas outras têm fechado as portas sem a abertura
de processo falimentar ou tentativa de recuperação.
Para ajudar as remanescentes a recontratar,
a MP prevê programas especiais. O primeiro é dedicado a jovens desempregados há
mais de dois anos e beneficiários de programas sociais. Para esses, o contrato,
sem vínculo empregatício, de até 22 horas semanais, poderá durar até dois anos
com remuneração mensal de R$ 550, em parte subsidiada pelo governo. O
beneficiado deverá estar ligado a um curso.
O segundo programa é destinado a jovens sem
experiência profissional e a trabalhadores com 55 anos ou mais, desempregados
há mais de 12 meses. Para esses, há vínculo empregatício, mas o recolhimento
para o FGTS será reduzido. O terceiro programa permite a contratação temporária
em prefeituras.
Sindicalistas e advogados da área
trabalhista têm criticado a MP por não determinar direitos e por criar
subcategorias de trabalhadores. É papel dos congressistas fazer ajustes e
evitar que, uma vez aprovada pelo Senado, a nova lei resulte em disputas
judiciais sem fim. Mas é dever de todos reconhecer a gravidade da situação do
mercado de trabalho e da crise enfrentada pelas empresas.
Dos nove estados nordestinos, quatro têm
taxa de desocupação igual ou superior a inacreditáveis 20%. Em sete, a
informalidade passa de 50%. No Brasil, 40% não têm registro trabalhista.
A MP é uma porta que se abre contra o
desemprego, o desalento e a informalidade. Perto do que é necessário fazer para
destravar o engessado e injusto mercado de trabalho no Brasil, é evidente que
se trata de uma proposta acanhada. Só ela não resolverá as inúmeras
dificuldades impostas aos empreendedores, que emperram a geração de emprego no
país. Mas é um começo.
Emergência climática
Folha de S. Paulo
IPCC alerta para necessidade de reagir ao
aquecimento global; resta uma década
De cinco em cinco anos, em média, o Painel
Intergovernamental de Mudança Climática (IPCC, em inglês) edita arrazoados
sobre a melhor ciência acerca da mudança do clima da Terra. São os relatórios
de avaliação, dos quais haverá nova versão completa em 2022.
A publicação se faz por partes, e a primeira
delas a compor o sexto documento da série (AR6) acaba de sair. O texto
contém um apanhado do que 234 pesquisadores de 65 países compilaram de medições
e previsões para os efeitos do aquecimento global sobre o clima e a
meteorologia, com vistas a nortear a ação de governos.
Não se encontram muitas boas notícias ali.
Talvez a melhor seja que ainda não se fechou a janela para alcançar a meta
ambiciosa do Acordo de Paris (2015): conter o esquentamento da atmosfera abaixo
de 1,5ºC até o final do século, para evitar os piores impactos antevistos por
climatologistas.
A ênfase do AR6 recai em “ainda”, pois a
chance de obter tal resultado se estreita a cada ano em que as emissões de
carbono (gases do efeito estufa) seguem em acumulação. Já agregamos 1,09ºC
desde a era pré-industrial, e quase certamente a marca de 1,5ºC será ultrapassada
antes de 2100.
Resta apenas uma década para a comunidade
internacional concordar com medidas drásticas de descarbonização da economia
que não conseguiu encetar em três de negociações. Para ficar na margem segura,
cada país precisaria ampliar muito os compromissos firmados de redução de
emissões.
Algumas nações deram tal passo na cúpula
realizada pelo presidente americano, Joe Biden, em abril. O agregado de
promessas, entretanto, permanece insuficiente para cumprir o acordo parisiense,
e avanços enormes teriam de acontecer na 26ª reunião do clima, em Glasgow
(COP-26), em novembro.
Não se mostra auspiciosa a perspectiva de
que tal aconteça no encontro escocês. A renovada rivalidade China-EUA, mesmo
após a guinada pró-clima americana, pode amarrar as tratativas; pior, não
faltam governos negacionistas, como o de Jair Bolsonaro no Brasil, para atrasar
a marcha.
A principal contribuição brasileira para a
poluição climática vem de desmatamento, pecuária e agricultura. O agronegócio
figura também entre as prováveis vítimas da crise do clima, diante de eventos
meteorológicos extremos frequentes e imprevisíveis.
O setor rural segue como um dos principais
esteios do presidente e sua política antiambiental. Há dissidências entre seus
líderes mais expostos ao mercado mundial, mas sem poder de mudar a correlação
de forças no Congresso. Quando despertarem para a realidade, poderá ser tarde
demais.
Regressão política
Folha de S. Paulo
Volta de coligações em eleições
proporcionais precisa ser barrada por senadores
A distorção mais visível do sistema
político brasileiro é o número exorbitante de partidos com baixa
representatividade, escasso conteúdo ideológico e, ainda assim, acesso aos
canais de poder.
Há nada menos que 24 legendas com assento
na Câmara dos Deputados, e as duas maiores, PT e PSL, contam com 53
parlamentares cada uma, apenas 10,3% da Casa. Outras 14 não atingem os 5%.
O atual presidente da República já esteve
filiado a cinco agremiações diferentes, sem incluir na conta processos de fusão
e mudança de nomes, e hoje não pertence a nenhuma. O famigerado centrão reúne
cerca de 150 deputados de quase uma dezena de siglas sem identidade
programática e interessadas em verbas públicas.
Tal estado de coisas é hostil para o
eleitor, que não dispõe de coordenadas confiáveis para a escolha de seus
representantes, e para a formação de governos, que depende de coalizões cada
vez mais dispendiosas e frequentemente instáveis.
Ajustes a serem feitos no sistema devem,
portanto, induzir à redução do número e ao fortalecimento dos partidos. Nesse
sentido, é bem-vinda a derrota,
na Câmara, da proposta que introduzia a invencionice conhecida como distritão a
partir das eleições de 2022.
O mecanismo elegeria deputados os
candidatos mais votados em cada estado, à diferença do modelo atual, em que as
vagas são divididas entre os partidos conforme o número de sufrágios recebidos
por seus nomes. A mudança, como se vê, favoreceria o personalismo em detrimento
das legendas.
A Câmara patrocinou um retrocesso, porém,
ao aprovar a volta das coligações partidárias em eleições proporcionais,
corretamente vedadas apenas quatro anos atrás —até aqui, o pleito municipal de
2020 foi o único realizado sob a norma.
As coligações, em geral uma mistura
heterogênea de siglas em busca de maior tempo de propaganda eleitoral,
favoreciam legendas nanicas que conseguiam vagas no Legislativo graças ao
desempenho dos partidos maiores. O Senado, felizmente, dá sinais de que não
pretende endossar essa involução.
Reformas políticas são difíceis porque cabe
aos beneficiários do statu quo —os políticos eleitos pelas regras em vigor—
deliberar sobre as mudanças necessárias. Inexistem, ademais, modelos ideais
isentos de falhas. O melhor a fazer é buscar aperfeiçoamentos graduais e
contínuos, sem tentativas de reviravolta a cada quatro anos.
Câmara aprova retrocesso político por ampla
maioria
Valor Econômico
Com a proximidade das eleições, a política
fiscal tem tudo para ser a próxima vítima dos partidos que se alinham no
O Centrão tomou conta da pauta do Congresso
para atender a interesses do governo e seus próprios, com resultados
previsíveis - retrocessos em toda a linha. O presidente da Câmara dos
Deputados, Arthur Lira (PP-AL), inverteu a pauta da Casa na quarta-feira,
retirou a encalacrada discussão sobre as mudanças tributárias, e emplacou a
votação a toque de caixa da reforma eleitoral. Com isso satisfez a maioria do
Congresso, especialmente os partidos fisiológicos, como o seu. Os aspectos
positivos da reforma de 2017 foram eliminados, assim como amenizadas as
barreiras que conteriam a proliferação desenfreada de legendas de aluguel.
A relatora Renata Abreu (Podemos-SP)
apresentou alternativas para escolha, nenhuma delas benéficas ao sistema
político: distritão ou a volta da coligação de partidos nas eleições
proporcionais, que estrearia para valer nas eleições em 2022. Era evidente que
o estardalhaço em torno da possibilidade de implantação do distritão, tido como
o pior sistema eleitoral do mundo, encobria o desejo de retorno do esquema
viciado das coligações - com o apoio do PT.
Mesmo a permissão legal às coligações,
expediente que permite que o eleitor vote em um candidato e acabe elegendo
outros com programas políticos diferentes (quando existem) foi piorada. Pelo
esquema vigente, a proibição de coligações funciona em dobradinha com a
cláusula de desempenho, que exige um mínimo de votos das legendas em certo
número de Estados, para que tenham acesso ao Fundo Partidário e tempo de TV.
Com isso, a previsão é que restariam 15 dos 33 partidos existentes após o
pleito de 2022. Não mais: além de poder se coligar, foi decidido que a eleição
de senadores também será incluída na cláusula de barreira.
Adicionalmente, STF e TSE só poderão
legislar sobre assuntos relacionados a eleições até um ano antes do pleito.
Para a distribuição dos recursos do fundo partidário, o voto recebido por
mulheres serão contabilizados em dobro. Alguns devaneios e excessos de
criatividade da proposta foram felizmente podados. Como se não bastasse a
hiperfragmentação partidária, foi apresentada a possibilidade de criação de
partidos regionais, obviamente candidatos a financiamento público. O deputados
rejeitaram a ideia, assim como um mecanismo de voto que eliminava o segundo
turno das eleições para presidente.
Como se tudo isto não fosse ruim o
bastante, o pior ainda está por vir. Cerca de 372 páginas, com 902 artigos,
despencarão em breve sobre a cabeça dos deputados, contendo mudanças nefastas
em praticamente todos os aspectos da legislação eleitoral. O cartapácio, fruto
da relatoria da deputada Margarete Coelho (PP-PI), correligionária de Lira,
traz vários manás para a maioria das legendas, especialmente as negocistas,
reduz muito a transparência do uso do dinheiro público pelos partidos e faz um
corte generalizado nas penas e nas punições.
O prazo para análise da prestação de contas
dos partidos cairá de 5 anos para 2 anos. Se as contas não estiverem corretas,
é estabelecida uma pena máxima de R$ 30 mil. A legislação atual considera
crimes compra de votos, pagamento de transportes a eleitores, etc, passíveis de
cassação de mandatos. A proposta na Câmara prevê que isso só ocorra caso seja
provado que o candidato usou meios violentos para coagir o eleitor. Crimes
eleitorais vão para a esfera cível e serão punidos por multas. Pesquisas
eleitorais só poderão ser divulgadas até a antevéspera da eleição e os
institutos terão de publicar um surreal percentual de acertos nos últimos cinco
pleitos.
Não por acaso, a avaliação do Congresso
chega a ser pior que a de Bolsonaro, que já é declinante. Pesquisa Datafolha
(12 de julho) mostrou que apenas 14% dos ouvidos qualifica como ótimo ou bom o
trabalho que fazem os congressistas, e 38% que ele é ruim ou péssimo.
Bolsonaro, que desdenha o Congresso,
terceirizou sua coordenação política, a partir da qual se acentua gravemente o
grau de degradação do parlamento. O Congresso está se tornando, na metade final
da legislatura, um cemitério de projetos, onde os bons saem irreconhecíveis,
após enorme pedágio e os maus prosperam rapidamente.
A única esperança a uma reação à piora do sistema político repousa sobre o Senado, que pode rejeitar o que foi aprovado na Câmara e os novos retrocessos que estão por vir. Com a proximidade das eleições, porém, a política fiscal tem tudo para ser a próxima vítima dos partidos que se alinham no Centrão.
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