sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Bernardo Mello Franco - O deputado na bolha

O Globo

Depois de dois anos e dois meses, a Câmara enfim cassou o mandato da deputada Flordelis, do PSD. A pastora é acusada de encomendar a morte do marido, o também pastor Anderson do Carmo. Escapou da prisão preventiva graças à imunidade parlamentar.

Como esperado, o plenário aprovou a cassação por ampla maioria: 437 a 7. A única surpresa foi o voto contrário de um deputado do PSOL, Glauber Braga. Até o início da semana, ele se dizia pré-candidato ao Planalto. Depois desse episódio, arrisca se complicar até numa eleição para síndico.

Glauber nunca foi um aliado de Flordelis. Na sessão de quarta, fez questão de dizer que considerava sua linha política “sofrível”. Ainda assim, o deputado endossou a tese da defesa. Disse que a pastora deveria ser suspensa, e não cassada, até o veredicto do tribunal do júri.

A argumentação contém um erro primário: confunde o julgamento criminal, feito pela Justiça, com o julgamento político, feito pela Câmara. Não cabe aos congressistas decidir se a colega mandou ou não mandou matar o marido. O que se discute ali é se houve quebra de decoro parlamentar.

O relator Alexandre Leite, do DEM, sustentou que houve. Ele concluiu que Flordelis usou o prestígio do cargo para ocultar provas e coagir testemunha. A pastora ainda foi acusada de mentir ao Conselho de Ética sobre a compra da arma do crime. Seu marido foi executado com 30 tiros à queima-roupa.

Glauber alegou que seria incoerência defender a agenda antipunitivista e apoiar a cassação de uma colega que ainda não foi condenada. “É o que geraria menos desgaste? Com certeza. Eu me sentiria bem? Não”, escreveu. A argumentação convenceu pouca gente, inclusive no partido dele.

Para um aliado, o deputado “se perdeu no personagem”. Para outro, derrapou no “principismo”. No jargão político, isso significa que ele exagerou na defesa de um princípio abstrato, desconectando-se da realidade.

A internet abriu novas formas de participação popular, mas também incentivou a radicalização de militantes e políticos. Muitos se tornaram reféns de bolhas virtuais, afastando-se da razão e do sentimento da sociedade. Em sua cruzada contra os direitos humanos, o bolsonarismo costuma acusar a esquerda de “defender bandidos”. Com seu voto infeliz, Glauber pode reforçar essa pecha.

 

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