O Globo
A suspensão abrupta do depoimento de
Ricardo Barros na CPI da Covid, nesta quinta-feira, foi a crônica de um
desastre anunciado.
Aqui neste espaço escrevi, ainda nos
primórdios da investigação, em 5 de maio, quando os senadores estavam
embevecidos com tanto holofote: “Para que não seja um placebo de açúcar, esta
CPI precisa urgentemente entender que, sem um corpo técnico consistente, não
irá a lugar algum”.
Na saída para o recesso, voltei a
contrariar o coro dos empolgados: “A pausa de duas semanas (…) poderá ser
salutar para que mergulhem nos documentos a fim de traçar a linha acusatória”.
Na última segunda-feira, perguntei a Renan
Calheiros se eles estavam preparados para o depoimento de Barros, que seria
difícil e poderia resultar na impressão de que ele venceu o confronto. O
relator parecia seguro de que sim.
No entanto o que se viu nesta quinta foi um
deputado que chegou disposto a ditar o próprio depoimento e a enquadrar os
senadores.
A estratégia avançava bem, até que Barros foi tragado pela própria arrogância e teve as asas cortadas pela intervenção como sempre cirúrgica e bem fundamentada do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), o mais técnico dos integrantes da CPI, um dos autores do requerimento de sua criação e, infelizmente, apenas suplente no colegiado.
Parar a bola pode ser a forma de evitar que
a CPI se perca. A esta altura já está claro, até para eles, algo que eu também
avisei em textos, comentários e em conversas com os próprios integrantes:
prorrogar a CPI foi um erro.
Sou uma pitonisa que tudo prevê? Longe
disso. Apenas tenho experiência de cobertura de “n” CPIs, e os dilemas que se
apresentam agora estiveram presentes em todas. Incrível é que os senadores não
tenham feito como times de futebol, que analisam partidas anteriores do
adversário para se preparar.
É nitidamente insuficiente o apoio técnico
de que dispõe a CPI da Covid. A ponto de senadores recorrerem a seus assessores
próprios, ou por vezes aos “internautas”, para apontar contradições ou mentiras
de depoimentos.
Um político ladino como Ricardo Barros não
poderia jamais ter sido inquirido sem que, previamente, os senadores tivessem
respostas para aquelas que claramente seriam suas linhas de defesa: que não
tinha nada a ver com a nomeação de servidores no Ministério da Saúde nem com a
intermediação de interesses de empresas na pasta.
Houve duas semanas de recesso justamente
para que se esquadrinhassem os depoimentos e os documentos para desmontar a
versão de Barros.
Mas foi pior: os senadores não esperavam
que ele fosse ousar atribuir à própria CPI a dificuldade de o Brasil obter
vacinas.
A simbiose entre o Centrão e Jair Bolsonaro
resultou nesse corpo sinistro em que não há limites para o cinismo e a
desfaçatez. De tão sórdida, a alegação claramente cairá nas graças da malta
bolsonarista, que passará a repeti-la. É só conferir as redes sociais dos
puxa-sacos e as lives putrefatas do próprio presidente para ver essa patifaria
ser repetida. De novo, não é preciso ter bola de cristal: o golpismo
bolsonarista é cristalino em suas táticas.
Outra que vingou foi Bolsonaro aproveitar o
recesso, quando a CPI vivia seu momento mais auspicioso, após desnudar a corrupção
do contrato da Covaxin, para mudar a pauta brasileira para um não assunto, o
voto impresso.
Na volta, a CPI encontrou a arena ocupada,
se perdeu nas várias frentes de investigação abertas, não se preparou para
ouvir Barros e tem de tomar cuidado para que os governistas não emplaquem a
tese de que não há prova de nada, só narrativa.
É o momento mais delicado para a comissão, cuja missão é também reparatória da maior tragédia brasileira em muitas gerações, o morticínio da Covid-19 promovido por Bolsonaro. Que os senadores entendam que estão derrapando e corrijam a rota.
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